De qualquer forma, se não quiser, saberá agora sobre o desdobramento da dobradinha. Nem sempre se compram os fatos, como também são chamados por aí (pelo menos na Bahia da Eliana) de forma específica. Muitas vezes vem já picados em tirinhas, especialmente nos supermercados, quando tem. Mas no mercados populares, como é o caso do Mercado da Lapa, onde faço algumas compras, podemos encontrar discriminadas as três partes do que na realidade são os pré-estômagos, onde acontece a digestão microbiana, e a trituração dos alimentos fibrosos e de textura dura pela ação mecânica, além da absorção de água. São o rúmen; retículo ou barrete e omaso ou folhoso. O estômago verdadeiro ou obomaso, com liberação de sucos gástricos, estas coisas, vem logo depois e é uma câmara de diâmetro menor que o bucho, porém maior que o intestino, que também recebe o nome de tripa (da mesma forma que as tripas propriamente ditas ou intestino). No resto do mundo, porém, parece que tripa ou tripe é o nome dado também a estes pré-estômagos. Bem, pra falar a verdade, da válvula do pré-estômago para baixo, até a tripa-gaiteira, eu não sei mais nada. Devem receber nomes diferentes aqui e ali. Quem souber e quiser completar este texto nos comentários, estará fazendo um favor e tanto. Como se chama cada parte destas na sua terra? A seguir só o que sei:
Rúmen: também chamado de pança, dobrada, dobradinha ou bucho, o rúmen é o principal e maior parte do pré-estômago. Chega a comportar 200 litros, no boi adulto. Tem uma parede revestida de papilas que dão a ele o aspecto de toalha felpuda. Para chegar a este aspecto clarinho, deve ser lavado, raspado, esfregado com sal e limão ou fubá e limão. Isto quando preparado artesanalmente. Nos frigoríficos, recebem ainda um pouco de cloro. Por isto, em casa deve ser bem lavado antes de consumir.
Omaso ou folhoso: Não contei as páginas, mas um dos nomes é sessenta-folhas
Este prato de sessenta-folhas temperado com óleo de gergelim, delicioso, comi no restaurante Hong He (Rua da Glória, 622a – bairro da Liberdade, São Paulo). Foto horrível, eu sei, mas didática.
Omaso ou folhoso. Também conhecido como sessenta-folhas ou livro, tem a parede interna toda disposta em folhas, que faz mesmo lembrar um livro com as folhas repletas de papilas. Devem funcionar quase como aqueles nossos processadores de alimentos manuais.
Retículo ou barrete. Finalmente nosso bucho favinho ou casinha-de-abelha. É o menor dos pré-estômagos e tem o interior forrados desta textura em relevo como favo de abelha. Entre ele e o rúmen há uma grande abertura, quase uma divisão apenas estilística. Já com o omaso a passagem se faz por um orificio mais estreito.
Os três têm o mesmo sabor, só que com texturas diferentes. O rúmem é mais gostoso de mastigar por ser mais espesso; o retículo é mais gracioso no pato e também mais macio; enquanto o folhoso possibilita cortes mais inusitados.
A receita com bucho favinho
Ingredientes
1 quilo de bucho casinha de abelhas (cerca de 2 unidades)
1 pedaço de casca de laranja
7 xícaras de água quente
2 dentes de cravo
2 folhas de louro
2 colheres (chá) de sal
1 pedaço de courinho de bacon
2 colheres (sopa) de azeite
3 dentes de alho amassados
70 g de bacon picado (use o courinho para cozinhar junto com o bucho)
2 cebolas médias picadas
1 colher (chá) de páprica defumada picante* (opcional)
Meio pimentão verde picado em quadradinhos (70 g)
Meio pimentão vermelho picado em quadradinhos (90 g)
1 lata de tomate pelado com seu caldo passado no passador de legumes
500 g de batatas cortadas em rodelas grossas
100 g de linguiça de pernil artesanal cortada em rodelas ** 200 g de chouriço (linguiça de sangue) **
1/2 xícara de salsinha picada
Modo de fazer: pique o bucho em quadradinhos cm cerca de 2,5 centímetros. Lave bem com água morna e suco de um limão. Escorra bem e coloque numa panela de pressão grande com a água, a casca de laranja com os dois cravos espetados nela (para depois tirar), as folhas de louro, o sal e um pedaço de pele de bacon (que depois pode ser tirado também). Tampe a panela, leve ao fogo alto. Quando pegar pressão, abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 40 minutos. Antes de abrir, tire do fogo e espere acabar toda a pressão. Certifique-se que o bucho esteja bem macio, se não, volte a cozinhar mais um pouco com a panela destampada, acrescentando mais água fervente se necessário. Tire a casca de laranja, os cravos e, se quiser, o courinho do bacon. Acrescente a linguiça mais dura picada e deixe cozinhar por cerca de 20 minutos, sem fechar a panela. Enquanto isto, à parte, aqueça o azeite, doure nele o alho e o bacon. Junte a cebola e deixe murchar. Junte a páprica e mexa bem. Acrescente os pimentões, o tomate e a batata. Despeje este refogado sobre a dobradinha e deixe cozinhar até a batata ficar macia. Se for preciso, junte mais água quente. Antes de servir, junte o chouriço e deixe voltar a ferver. Desligue o fogo, prove o tempero e corrija, se necessário. Espalhe por cima a salsa e sirva. Puro, com pão. Ou com arroz.
Rendimento: de 8 a 10 porções
Nota: * usei páprica espanhola defumada ou, pra ser exata, o Pimentón de la Vera, delicioso. Mas, se não tiver, use páprica picante comum. Se tudo der certo e não surgir nada de extraordinário até lá, falo deste produto amanhã. ** Só usei estes dois embutidos, uma linguiça dita portuguesa extremamente maturada e saborosa e um chouriço bem temperado e fresco, porque ontem me deu vontade de comprá-las no Mercado da Lapa. Mas não se aflijam por elas. São boas, mas sua dobradinha também ficará deliciosa se usar um pedaço de paio (que pode ser cozido inteiro junto com o bucho e depois picado) ou pedaços de linguiça calabresa a serem cozidas com as batatas. Ou só mesmo o pedacinho de bacon.
Outra receita com bucho favinho, AQUI.
11 comentários:
Caso alguem queira preparar uma dobradinha na Alemanha :-)
bucho = Pansen,
Bucho favinho = Netzmagen,
Livro 60 folhas =- Blättermagen
Tripa = Kutteln ou Kaldaunen
bj
Márcia!!
Obrigadíssima. Embora dificilmente vá fazer dobradinha na Alemanha, adorei saber os nomes. Ficará aqui como um complemento. Obrigada, obrigada, obrigada. bjs, n
Oi moça, adoro dobradinha e não como há séculossss. Estou salivando com o seu post.
Me deu água na boca!
Olá, adorei a aula de anatomia-bovina-intestina, mas o que eu estava querendo mesmo é saber onde encontro bucho-casinha-de-abelha. Explico: juntei uma turma de amigos doidos por dobradinha para apreciá-la uma vez por mês aqui na Casa da Lana (rua Purpurina 293, Vila Madalena, fone 3892-5645, Sampa) e quando estava na 4a. edição o favinho sumiu. Meu fornecedor(Mercado de Pinheiros)culpa os portugueses e sua festa da Tripa, o Google diz que são os chineses e eu desconfio que alguém descobriu como transformar tripa em urânio ou coisa que o valha... Se tiver alguma dica, me diz, sim? Abraço,
Lana
PS. Outro dia a Nina Horta publicou uma carta minha na coluna da Folha e recebi um montão de telefonemas de "loucos-por-dobradinha"...
Oi, Lana!
Que bom saber disso, que há os loucos por dobradinha! Não sabia que estava em falta o bucho casinha de abelha. Há cerca de um mês vi no Mercado da Lapa. Depois, não reparei mais. Talvez ainda encontre por lá. Boa sorte! Beijos, n (se eu descobrir antes, te aviso)
Estou procurando os embutidos de qualidade que existem neste nosso país continente. Procuro alguém que faça embutido de bode no Ceará, alguém que faça bons embutidos de carneiro, mistos com porco, e, algum produtor cuja historia tenha raízes portuguesas. Tudo isso porque estou pondo de pé um livro sobre embutidos pela editora Senac-SP e me faltam estes itens...
Alo amigos:
Anatómicamente la res bovina posee cuatro estómagos: Retículo, Rumen, Omaso, y Abomaso
Sin embargo, la literatura gastronómica hace referencia únicamente a tres piezas anatómicas como materia prima sujeta de ser comestible: El Rumen, La Panza y el Librillo, correspondientes al Omaso y Abomaso, respectivamente..
Abrazos: Jorge orellana Jiménez
orellana@cotas.co.bo
De esta manera, la panza la encontramos en Iberoamérica, con diferentes denominaciones, tal como ilustramos a continuación para algunos países:
Mondongo: Argentina, Centroamérica y el Caribe, Colombia, Panamá, Paraguay, Uruguay, Venezuela
Panza: Bolivia, México, Perú y Guatemala
Guata: Chile, Ecuador
Dobrada: Portugal
Bucho: Brasil
orellana@cotas.com.bo
Gente, minha preocupação quando clamei por informações nesta área, era com a buchada, porque decidi colocá-la no livro sobre embutidos, classificando-a como um tipo presente entre os povos que praticam o pastoreio de caprinos, dos portugueses aos gregos, dos franceses aos do Magreb. Para tanto, conceituei o embutido como alimento composto de produtos cárneos envolto por material orgânico resistente ao calor, maleável para dilatar seu diâmetro ao ser preenchido por recheio, além de invólucros inorgânicos comestíveis como tecido e sintéticos.
Oi tudo bem ! E o lampredotto e o mesmo ! Comida rua na Itália em Florença ?
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