quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Compota de figo verde


Está aí uma fruta que veio de longe. O Ficus carica viajou pra cá da bacia do Mediterrâneo, especificamente de Cária, região da Ásia Menor, daí o nome. Até hoje não comi figos tão bons quanto os que comi na Europa, duas vezes colhidos deliciosos diretamente das calçadas.  São doces, mais densos na textura e mais concentrados no sabor. O que leva a concluir que não se deram tão bem por aqui.  Agora, com este tempo seco, eles podem ficar melhor, mas ainda prefiro os verdes para fazer doce.  Estes, sim, se comportam tão bem quanto os verdes de lá. São saborosos e conservam o aroma fresco e herbáceo das folhas frescas, mas ainda não têm a doçura da fruta fresca, que precisa vir do açúcar.


As minhas figueiras
Já plantei duas figueiras no sítio e eles crescem bem com caules tortuosos e ramos frágeis. Percebi que o que está rodeado de outras plantas, num pequeno amontoado biodiverso, cresceu melhor e produziu mais frutos que aquele que está sozinho, sem companhia além das braquiárias da proximidade. As folhas protegidas estão bonitas, verdes e vistosas mesmo agora com a estiagem.  Para quem nunca viu, elas lembram as da parreira e são tenras quando novas, tornando-se mais firmes e ressecadas com o tempo; são bastante perfumadas e liberam pigmento em contato com água quente (pigmento mais acastanhado) ou de um verde lindo em álcool, por isto podem ser usadas para aromatizar e aromatizar chás, licores, geleias e compotas (só não serve como bronzeador, pois provoca queimaduras graves na pele).

Na verdade, dentro dos conceitos botânicos, o figo não é exatamente um fruto, mas um sicônio, resultado de uma inflorescência em que o receptáculo se espessa envolvendo as centenas de flores, que ficam agrupadas no centro. No figo verde é muito fácil ver estas minúsculas flores no miolo (quando o fruto amadurece, elas ganham o aspecto de sementes). Depois de cozido, o figo se torna inteiramente verde e algo translúcido. Se for cozido em tachos de cobre, a cor fica ainda mais viva.   

Estes verdes da minha compota não são de minha produção, ainda pequena, mas ganhei do caseiro, que trouxe da casa de alguém da cidade, que tem uma figueira muito produtiva no quintal. 

Carlos chegou com um saco cheio das frutas bem frescas com a proposta de que eu preparasse-os em calda e desse a metade para ele. Sinceramente não estava com muito tempo, mas não tive escolha, afinal não ia deixar estragar essas preciosidades.

Minha mãe sempre fez compota de pêssego verde e também do figo, antes que os passarinhos acabassem com as frutas maduras. Para os dois,  o processo de tirar a pele é o mesmo. Ferver, deixar no freezer e um dia depois limpar as frutas congeladas sob água corrente, puxando a pele com as pontas dos dedos.  As frutas despeladas assim, puxando a pele, ficam lindas, mas no caso do pêssego prefiro começar e terminar o doce no mesmo dia e então prefiro descascar as frutas uma a uma. E no caso do figo não acho necessário tirar a pele. Gosto da textura dela, como se fosse uma frágil cápsula que rompo com os dentes para atingir a polpa macia, translúcida, perfumada e doce.  O preparo fica muito mais fácil e o resultado nada a dever aos figos pelados.E tanto na compota de pêssego quanto na de figo, nada de cravo, canela, casca de limão, que é pra sentir o perfume das próprias frutas que já são suficientemente complexos.

Só tome cuidado para não mexer com os figos embaixo de sol, pois podem queimar a pele. E se tiver algum machucado nas mãos, use luvas quando estiver cortando as pontas, pois a seiva contém ficina, uma enzima proteolítica como as que encontramos no mamão, no kiwi e no abacaxi – ela agride ainda mais ferimentos expostos.  Então, à receita. 




Compota de figo
Como fiz:  lavei bem os figos, cortei a pontinha, fui deixando-os imersos em água fria e furei todos com o garfo, para que a calda entrasse. É a parte mais trabalhosa, mas necessária para que fiquem encharcados com a calda. Escorri, coloquei numa panela grande, cobri com água e aferventei por 10 minutos. Joguei a água fora, coloquei outra água quente e fervi por mais 10 minutos, para tirar o amargor. Pesei as frutas antes de cozinhar: 1,2 kg. Coloquei, então, as frutas ainda quentes numa panela com a mesma quantidade de açúcar . Cobri com água fervente e levei ao fogo para cozinhar por cerca de 2 horas em fogo baixo ou até que ficassem bem macias, sempre completando a calda com mais água quente à medida que secava. Neste tempo, retirei de vez em quando um pouco de espuma que subia à superfície.  Quando os figos estavam macios, deixei a calda reduzir um pouco para ficar na consistência de um xarope brilhante.  Enquanto isto, esterilizei os vidros onde os figos seriam acomodados (basta colocar tudo numa panela, cobrir com água fria e levar ao fogo; depois que ferver, conte 15 minutos, desligue o fogo e escorra).  Coloquei os figos ainda quentes dentro dos vidros também quentes. Cobri com pano, esperei esfriar, tampei, dei a parte prometida ao Carlos, presentei amigos e o resto, nhac, gelado, com creme.  Experimente colocar fatias finas em sanduíches com folhas, presunto e algum queijo cremoso. 

Obs: figos verdes pré-cozidos e embalados à vacuo podem ser encontrados em supermercados e sacolões. 

15 comentários:

Leticia Cinto disse...

Nhanhanham, que delícia!!! Minha mãe fazia essa compota e também uma com mamão verde e as folhas do figo. O gosto era exatamente igual ao da compota de figo :) Adorei ver a figueira crescendo no meio da pequena floresta!

Angela Escritora disse...

os passarinhos chegam antes de mim nos figos, paciência. Hoje postei umas compras que achei a sua cara,dá uma olhada lá, os feijões, a Yonana e o macarrão da vovó!

Léo disse...

Oi Neide, você conhece o licor feito com as folhas da figueira?
Vale a pena experimentar.

marta disse...

Oi Neide,
Aqui no mediterraneo, os figos nascem em qualquer lugar. Ano passado, nunca comprei figo verde, peguei direto das calçadas, parks, atraves dos muros das casas, etc...e fiz bastante doce de figo. Ainda, estamos no inverno, mas assim que vi este teu post já salivei pensando na minha colheita publica . Agora é a época dos cítricos e algumas calçadas tem plantaçōes de laranja e tanjerinas de um lado e de outro e já estāo maduras e ninguem colhe. Está lindo, as ruas e a praça central aqui com todas estas frutas, mas parece que só eu fico admirando e cobiçando. Nada melhor do que colher a fruta direto do pé. Boa colheita por aí.

jp diniz disse...

Como sempre, um texto cheio de magia que me dá vontade de experimentar, mas estamos em Fevereiro e ainda falta muito para os figos em Portugal. Mas experimentarei, por certo

Anônimo disse...

Hummmmm, Neide, tô salivando aqui,deu vontade de experimentar seu doce. Adoro figos, em calda, secos, in natura ... Sabe,eu não gostava, mas um dia meu pai foi ao CEASA (vender hortaliças) e voltou para casa todo feliz trazendo uma caixa deles (= várias caixinhas de papelão !!) especialmente para mim. Não tive coragem de dizer que não apreciava e enquanto comia, acabei gostando de figos. Todo ano, compro e como sozinha, já que meu marido e filhos não gostam. Suas plantas estão lindas e seu caseiro é show de bola, hein?? Beijos, Liliana.

Mariangela disse...

Neide,este post me deu água na boca.Eu ando há tempos louca para comer figos em calda e aqui não existe,fazem o pessego em calda mas o figo não. E tem bastante figo por aqui,não sei porque não fazem.Em Lisboa comprei uns figos(tipo o Rami,acho que chama assim) e só tinha a cara bonita mas muito sem gosto.Sigo com a vontade!! Beijos em voces!

Neide Rigo disse...

Letícia, gostei da ideia do doce de mamão com as folhas.

Ângela, obrigada pela citação no blog. Amo tudo isto.

Léo, conheço, sim, inclusive cito neste post. Gosto muito.

Marta, sorte sua, hem?

João Pedro, em Portugal não se faz compota com os figos verdes?

Liliana, parece incrível alguém não gostar dos figos bem docinhos.

Mari, também você quer ter tudo de bom aí, né? Quando eu for te visitar, levo pra você.

Um abraço,
n

Anônimo disse...

Vovó demora diiiias pra fazer esse doce, fica fervendo e trocando a água no tacho de cobre coberto por folhas de bananeira.. é um exercício de paciência, uma arte.
Neide, tenho alguns pés de figo aqui e diferente de todo mundo que geralmente "sofre" pra tê-los bonitos, eu simplesmente não faço nada, a terra é seeeca de dar dó e sempre colho muitos figos. Esse ano por causa do calor eles ainda estão produzindo (geralmente frutificam até dezembro). As plantas estão cheias de figos novinhos enquanto outros amadurecem.. os passarinhos tem feito a festa. ;)
Vah

Ana Vantine disse...

Neide, Você nao tira a casca?

Vivian Munhoz disse...

Tão bom quanto o doce é ler suas receitas e postagens, Neide! Tenho duas figueiras plantadas por mim e meu marido, uma delas está na sombra, não produziu nada além de folhas...a menor, porém, está carregada...nunca fiz doce de figo, mas com essa sua receita acredito que me darei muito bem! Obrigada.

Simone disse...

Fiz hoje a receita!! Perfeito!!!

Andréia disse...

Tenho 4 figueiras em casa, mas e nao gosto de figo verde. Que bom que vi essa postagem, vou tentar fazer a compota, pois me dói o coração ver tanto desperdício de figo, o mesmo p os marmelos, sendo que este, não gosto mesmo nem do doce rsrsrss.

Anônimo disse...

Se é que posso dar uma dica, gostaria de lhe dizer que as folhas de figueira se podem usar para "embrulhar" peixe que se destine a assar em brasas. As folhas dão uma aroma adocicado que complementa magistralmente o tempero que tenha escolhido para o seu grelhado de peixe. Carpe diem.

Viviane disse...

Neide do céu!!! porque fui ler seu post depois de colocar os figos no congelador? A maneira como você descreve o doce feito com casca fez eu me arrepender de descascá-los... Nham nham..