quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Zé Pão, queijo, queijo

Sobre o Zé Pão, a Romilda e João Vitor, esta família de produtores de queijo em São Roque de Minas, na Serra da Canastra - MG, já falei um pouco ontem e dois anos atrás, nestes posts: http://come-se.blogspot.com.br/2014/01/serra-da-canastra-casa-dos-produtores.html e 
http://come-se.blogspot.com.br/2012/01/na-casa-do-ze-pao-e-da-romilda.html

Mas sempre há um pouco mais a dizer. Zé Pão é uma figura quieta, gentil e trabalhadeira que quando a gente acorda já está no curral tirando leite, ainda escuro. Se vai a um compromisso à noite na cidade, uma reunião por exemplo, pede desculpas, se despede mais cedo que todo mundo e vai pra casa dormir porque no outro dia tem que acordar às 4 e meia, às vezes até antes, se não não dá conta de terminar a ordenha até a hora do almoço. Sorte que tem uma companheira que acompanha. A forma como trata a mulher Romilda - são casados há mais de 30 anos -  deveria ser um exemplo a muitos marmanjos destemperados que se dizem educados na cidade grande. É Bem pra cá, Bem pra lá.  Se ela pede qualquer coisa, mesmo que ele esteja no meio de um trabalho, reconhece na hora a urgência da empreita e se apressa na execução, com cara boa, sem reclamar, com gosto. Pode acender o fogo pra mim, Bem? É pra já, ele responde e sai em passo apressado. Acabou a água? Lá vai ele conferir as conexões do cano. A recíproca é igual. Zé Pão se senta num banco ao lado da mesinha onde ficam o filtro de água e o pequeno tonel de cachaça. Dá umas bicadas, mas só depois que terminou tudo, no fim da tarde, sem contudo perder a sobriedade. Se o menino faz qualquer comentário maldoso sobre o hábito, Romilda é a primeira a ralhar para defender o marido, "respeita seu pai, menino".  Para o menino, ele faz todos os gostos. 

De vez em quanto Romilda pega um copinho de café e  vai até a janela enquanto bebe e pensa na vida olhando longe. Zé Pão se aproxima, a abraça acompanhando o olhar dela e fala "vai chover" ou "a serra tá bonita".  Uma vez ela já ficou muito chateada com ele com a frase dita numa hora de irritação de um dos dois:  "Vai cangar grilo" teria xingado  Zé Pão como quem diz vá pentear macaco, catar coquinho na ladeira ou enfim não enche. Ela virou as costas ofendidíssima e o deixou só. Logo deram os dedinhos certamente.  Ela diz que não moraria no Senegal porque não ia aceitar dividir seu homem com nenhuma mulher, não, como é a prática islâmica por lá. E que não gostaria de ter morado na cidade porque não encontraria em lugar algum homem como aquele seu Zé Pão da Canastra.  Enfim, eles se amam de verdade e se tratam com carinho e respeito. 

Quando dá oito e meia, nove horas, Romilda para o que está fazendo no curral, vai até a casa, coloca café doce até metade de uma caneca de alumínio areado, uns pedaços de bolo e pão de queijo numa vasilha e volta para junto do marido que completa a caneca com leite esguichado direto da teta da vaca. E ele sabe qual delas tem o melhor leite. Sai quente, espumoso, cheiroso, como nenhuma máquina ou estabilizante são capazes de produzir. Zé Pão se acocora sobre o banquinho de um só pé e vai despejando leite aos pouquinhos sobre a bocada de pão a ser mordida. Molhar o pão de queijo no leite seria o esperado, mas talvez não o faça para não comprometer a pureza. Da próxima vez pergunto. 

Descobri que ele toma o lanche quando chegou à metade das vacas ordenhadas. São quarenta e tantas, na mão. Quando o recipiente de 60 litros está quase cheio ele para, coloca aquele peso todo no ombro e anda até a casa de queijos. No intervalo para o almoço, senta-se à mesa e se serve de arroz bem branco, ainda saindo vapor dos furinhos formados na superfície, feijão de caldo grosso perfumado a alho e cozido a baixa temperatura durante longas horas da manhã no fogão de lenha, carne de porco ou frango caipira na panela de ferro e legumes refogados (é disso que eu gosto, ele diz). Depois do almoço não dá pra parar muito, não. Logo é hora de voltar ao trabalho na casa de queijo. Os dois trabalham juntos e quietos e quando se falam é com sorriso no rosto. Reviram o queijo do dia anterior, separam o pingo, fazem novo queijo, higienizam tudo e deixam o ambiente em ordem para o outro dia. 

E eu ali com meu braço espichado empunhando uma canequinha com pouco café para completar com leite. E como gostamos destes queijos canastras tão trabalhosos. Quem quiser provar o queijo do vizinho e parente Zé Mário, sobre o qual falo depois, tem lá na A Queijaria.  Do Zé Pão, tem pra vender não. 

Umas fotinhas de lá (e, por favor, autor do  https://www.facebook.com/vendadaroca, não roube as fotos para postá-las sem crédito como se fossem suas, não, que é feio e eu posso ficar brava) 

Zé Pão tira leite 

Enche minha caneca e a dele

Toma seu lanche molhando o pão de queijo com leite

A casa de queijo

Os panos usados para escorrer o soro lavados secando ao sol
Minha bagagem da viagem: queijos do Zé Pão e do Zé Mário (o com pano
branco é meu:  fiz com pingo da Canastra e leite de Piracaia) maturando
naquela queijeira improvisada feita pelo Zé Marcos aqui de casa








9 comentários:

aveloh disse...

Belo retrato!

Milaresendes disse...

Oi Neide! Essa é a primeira vez que paro pra comentar, mas quero que saiba que acompannho teu blogue desde o ano passado... mais precisamente desde o texto sobre algo que fizeste com ovo de tracajá! (sou muito curiosa ecresolvi ler para saber que bicho era esse) e depois do primeirotexto nunca mais parei...
Parabéns! És a única pessoa que meu marido aceita que eu leia o blogue para ele! (nem o meu o interessa...)
Adoramos o jeito como descreve tuas viagens e tuas excursões culinárias, és formidável!
Meu marido é do interior do Rio Grande do Sul, de Giruá e é um saudosista mais que assumido, vive o presente sempre contando os causos de outrora...
Que viagem bela pela Serra da Canastra!
Temos no momento cinco gatos e adorei a tua receita caseira de comida para eles, tá na minha lista de possibilidades para esse ano.
Desculpa um comentário tâo espichado mas é que hoie foi o dia que resolvi sair da passividade de leitora e admiradora para o de comentadeira!
Bjkas
Mila e Eduardo

Anônimo disse...

Acompanho seu blog mas na espreita. Lindo relato! Parabéns sempre.

obat tradisional disse...

hehe like in my village

Neide Rigo disse...

Aveloh, obrigada.

Mila e Eduardo, leitores assim dão ânimo pra gente continuar escrevendo. Obrigada. Poxa, cinco gatos? Que disposição! Por favor, continuem comentando. Nem sempre tenho tempo para responder, mas leio todos com carinho.

Roselaine, obrigada! Fique só na espreita, não. O espaço está aberto para colaboração dos leitores, com quem tanto aprendo.

Um abraço, n

Stefano disse...

Agradeça sempre por conhecer gente ansim...deu saudades de muitos que conheci nessa vida e que sei não voltarei a ver.
Precisamos de um virus de boagentisse pra esparramar nesses urbanoides. A vida é facil gente...é nóis que complica tudo despejando mau humor.
AAAAAAAAAAAAA que inveja de ti Neide.

Forte abraço.

Gilda disse...

A gente fica jururu quando você viaja e ficamos sem novidades, mas quando você volta, minha nossa! Vale a pena ter esperado. Formidável seu relato, fotos encantadoras.

PEROLA SOARES disse...

Amei sua matéria , gostaria de saber o se o zé do pão e a Romilda vende queijo vc pode passar o telefone para mim meu mail . hednatomaz@hotmail.com obrigada

PEROLA SOARES disse...

Amei sua matéria , gostaria de saber o se o zé do pão e a Romilda vende queijo vc pode passar o telefone para mim meu mail . hednatomaz@hotmail.com obrigada