terça-feira, 18 de maio de 2010

Delícias de Silveiras. Parte 2 - A Festa da Broa


O moinho fechado, a fornalha vazia
Uelinton Cesar mostra a broa aberta
Leitoas e frangos de prenda para o leilão
O fubá de moinho de pedra usado nas broas
A festa da broa
As broas embaladas em folhas de caetês são lindas, mas precisam ser desembrulhadas e cortadas antes de servir. Fica a sugestão de um cesto de palha forrado com pano de saco de farinha em vez da bacia plástica.
Sou reporter da pior espécie. Chego quando a festa já começou e me vou antes do forró final. Queria ter ido na sexta-feira para acompanhar o feito do fubá no moinho de pedra, que fica ao lado da ponte de chegada ao bairro Bom Jesus da Bocaina. Mas só vi o moinho do lado de fora, fechado com cadeado. Queria ter visto as cozinheiras com as mãos nas broas, feitas de olho, como dizem. Acompanhado a colheita de folhas de caetês para embrulhar as broas. Espiado a fornalha quente em atividade. O preparo dos frangos da prenda, quatro inteiros fritos de uma só vez num panelão. E as leitoas pururucando no forno de lenha.
Mas cheguei no meio da festa, quando todo o preparo já tinha acontecido. Acompanhei um pouco o leilão dos frangos e quem arrematava, por 14, 15 reais, levava uma garrafa de vinho. Consegui também conversar com o Uelinton, um dos organizadores da festa e saber um pouco da história. Mas não aguentei ficar até o final. Ainda bem que o Globo Rural estava lá e logo a gente vê a festa inteira na televisão. O João Rural também acompanhou tudo para um documentário. E eu fui dormir com as galinhas.
O som profissionalizado, produzido por caixas acústicas enormes, era alto era demais para mim (mulher de otorrino e lambendo os cinquentinha costuma ter pouca tolerância a som alto), que começo a ficar irritada quando não consigo ouvir o que me falam e preciso elevar o tom para ser ouvida. Queria ter ficado mais, ter visto a distribuição das broas depois do leilão e quem sabe até ter dançado um pouco o forró. Mas as festas são como o povo do lugar quer e não como a gente de fora gostaria de ver. Eu fiquei sonhando com um arrasta pé ao som das sanfonas e com o quentão corta-frio que durante muito tempo acompanhou as broas e foi substituído por modernas caipiroscas de frutas e cervejas vendidas nas barracas.
De qualquer forma, é bonito ver como o evento agrega e mobiliza os moradores. Uma equipe grande de voluntários de todas as idades trabalha dia e noite para a festa acontecer. E todo mundo se diverte.
Festa da Broa, como começou: conversei com Uelinton Cesar Schubert Barbosa, de Cachoeira Paulista, mas há 15 anos morando no Bairro de Bom Jesus da Bocaina, em Silveiras, onde trabalha como professor primário. Ele é uma das pessoas que está à frente da festa hoje. Mas conta que a festa começou em 1984 por obra do morador José Silveiras que fez um pedido a São Gonçalo. A promessa pelo pedido atendido era oferecer uma festa em homenagem ao santo com distribuição de comida ao povo do bairro. A igreja estava intimamente ligada à festa, que incluia missa e hinos. Então, não nasceu como Festa da Broa, mas como Festa de São Gonçalo, onde era servida comida. Com o tempo, em vez de comida, começaram a servir broas com café. O povo começou a apelidá-la de Festa da Broa e o nome pegou e virou oficial. Embora a igreja ainda ceda seus espaços para a comemoração, a festa hoje é uma manifestação pagã, sem qualquer vínculo religioso.
Uma das broas servidas é enrolada na folha de caetê e a receita tradicional vem do Sertão dos Marianos, um dos bairros de Silveiras. Quem me deu a receita, sem muita exatidão, foi Vicentina de Fátima Florenço, da família dos Marianos. A folha de caetê sempre foi útil para embalar este tipo de preparo, pois a broa já sai do forno embrulhada para as viagens. Um papel alumínio ecológico. Preparo parecido pode ser encontrado em outras cidades paulistas, goianas e mineiras com o nome de pau-a-pique, curisco ou joão-deitado, feitos também com folhas de bananeira. Já mostrei e dei receita de uma destas broinhas aqui. Quanto às folhas de caetês, já falei delas no post sobre as pamonhas do Vale do Paraíba embaladas com ela e naquele sobre a culinária dos índios guarani.
Outra das broas servidas é feita pela dona Maria Mendes, com quem não consegui conversar. Mas, segundo João Rural, é a mesma que aparece em seu livro "Sabores do Tempo dos Tropeiros", só que feita sem embalar em folha de bananeira ou caetê. Uma coisa interessante destas broinhas é que antes do surgimento do trigo eram feitas basicamente de milho triturado em moinhos de pedra e outros amidos locais. Inhame, batata doce ou abóbora, além de conferir sabor, também umedecem e amaciam o fubá. Hoje já admitem um pouco de trigo.
As receitas abaixo não foram testadas por mim. Mas trouxe folhas de caetê e pretendo testar em breve. Por enquanto, deixo o registro para quem quiser tentar fazer. Depois me conte.
Broas de fubá com abóbora
- receita de Vicentina de Fátima Florenço
1 dúzia de ovos
1,5 kg de açúcar cristal
500 g de abóbora madura crua ralada
500 g de amendoim torrado, sem pele e triturado
2 xícaras de óleo
1/2 colher (sopa) de bicarbonato de sódio
2 colheres (sopa) cheias de fermento químico em pó
2 kg de fubá de moinho de pedra
1 kg de farinha de trigo
Folhas de caetês (ou pedaços de folhas de bananeira
Numa bacia, coloque os ovos, o açúcar, a abóbora, o amendoim, o óleo, o fermento e o bicarbonato. Mexa bem. Junte as farinhas aos poucos, mexendo sempre. Coloque colheradas sobre as folhas de caetês (cortadas as pontas, para ficar um retângulo), enrole como charuto e leve ao forno de lenha pré-aquecido para assar.
Broa de fubá com inhame, batata-doce e abóbora
(receita de pau-a-pique, do livro do João Evangelista de Faria - João Rural, Sabores do tempo dos tropeiros)
3 xícaras de inhame (taro) cru, ralado
4 ovos
5 xícaras de açúcar cristal
1/2 xícara de óleo
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
3 colheres (sopa) de manteiga
2 xícaras de gordura de porco
3 xícaras de abóbora madura crua, ralada
Erva-doce e cravo a gosto, triturados
3 xícaras de batata-doce cozida e amassada
12 xícaras de fubá
4 xícaras de farinha de trigo
Canela em pó a gosto
2 xícaras de leite
Folhas de bananeira ou de caetê
Numa bacia grande, coloque o inhame, os ovos e o bicarbonato. Junte o açúcar e mexa um pouco. Coloque o óleo, a manteiga e a gordura e continue mexendo para que a massa se incorpore. Junte a massa de abóbora misturada com o cravo e a erva doce triturados e mexa. Adicione a batata doce e misture bem. Coloque o fubá, a farinha de trigo e a canela e mexa bem. Vá juntando o leite aos poucos até dar o ponto*. Corte as folhas de bananeira em quadrados de 20 centímetros ou use folhas de caetês. Enrole com as folhas roletes da massa. Leve para assar em forno bem quente. Depois de 20 minutos, retire do forno, salpique água fria e cubra com pano por meia hora.
* o leite não aparece no modo de preparo, mas acho que é assim que entra (alguém lá me falou que era para ir amolecendo a massa, se precisasse)
Nota: para fazer broas como as servidas na festa, sem embalar, basta colocar porções da massa em assadeira untada e enfarinhada e levar para assar até dourar. Cubra com pano até esfriar.
João Rural e seu famoso fusca, colhendo folhas de caetês na beira da estrada - para eu trazer e testar as receitas
Pós-post: Já testei a receita e o resultado está aqui.

14 comentários:

Nina disse...

Neide,

Adorei o seu registro. E concordo: o som mecãnico em altos brados está acabando com as festas populares...

Ah, ontem fui, com minha menina, a uma Seresta no Cemitério, que acontece há 16 anos aqui em Guaratinguetá.

Beijo!

vpaulics disse...

neide, fiquei morrendo de vontade de comer broa, mas acho que vou esperar até você publicar uma receita testada com quantidades mais razoáveis para famílias do tamanho das nossas. por mais amigos e vizinhos que se tenha, dois quilos de fubá é broa até não poder mais...
estou gostando destes seus passeios pelo interior.
bj. v.

Pela Arte de Educar disse...

Oi Neide, adoro a maneira como você reporta o que vê e sente,quem disse que não é uma jornalista aposto que para muita gente como eu você é sim.
Mas como a Verônica disse também vou esperar uma receitinha menor , a família aqui é pequena.
Ah! também não suporto som alto e como vc. já estou lambendo os cinquenta rsrsr.
Beijos.
Edna.

João Mario disse...

Olá

Passa lá no meu blog para participar do sorteio de aniversário (1 aninho) e concorra a um livro do Paul Bocuse...
Te aguardo.
bj
João Mario

clau disse...

Ali no Vale do Ribeira o pessoal tb usa folhas, principalmente de bananeira, para fazer pacotes para cozinhar seus pratos tipicos.
Ou as panelas de ceramica preta ali da regiao do Jaire.
Achei bem interessante esta sua "reportagem", Neide.
Bjs!

Unknown disse...

Neide,

Adorei sua visita em nossa festa e que tenha publicado esta reportagem com tanto carinho.Sua sugestão das broas serem colocadas em cestas cobertas com palhas foi uma ótima idéia que poderemos incorporar.

Ah, li os comentários acima e sugiro que para se fazer uma quantidade menor é só reduzir os ingredientes pela metade que o resultado será o mesmo.

Abraços.

Uelinton Cesar

Neide Rigo disse...

Nina, gostei disso: seresta no cemitério! Tinha comida?

Veronika e Edna, como disse o Uelinton aí nos comentários, é só dividir tudo proporcionalmente. Por exemplo, dividindo por 4, você terá: 3 ovos, 125 g de abóbora e 125 g de amendoim, 120 ml de óleo etc.. Mas, tudo bem, eu testo aqui.

Clau, é mesmo, no Vale do Ribeira também se usam estas folhas.

Uelinton, adorei estar com vocês e estão todos de parabéns. Mas, ligue não, que sou palpiteira mesmo. E pro ano que vem tenho ainda outro tanto de palpites guardados no embornal para o caso de aceitá-los (risos). Um grande abraço, N

Nina disse...

Oi, Neide,

Não tinha comida na Seresta no Cemitério, devia ter, né? Faz 16 anos que acontece esse encontro, que iniciou quando uma mãe - D. Eta - pediu para que houvesse música no dia do seu enterro. No dia não houve, mas um ano depois, sim. E desde então, a Seresta no Cemitério cresceu a ponto de se transformar em um Encontro Cultural que acontece há 16 anos, com diversas atrações espalhadas na cidade. O ponto alto, claro, é a Seresta.

Fui no Mercado Municipal daqui procurar hortelã-pimenta, pergunta daqui, pergunta dali, cheguei a uma banca que me vendeu um maço bem bonito e cheiroso do que me parece ser... Hortelã, só que com folhas muitoooo grandes. Na verdade, quem usava hortelã pimenta era minha avó e também conheço de pratos já preparados.

Beijo pra você

Neide Rigo disse...

Nina, que interessante esta festa. É, acho que festa pra ser festa tem que ter comida. Invente uma.

Bem, que bom que achou hortelã. As folhas são grandes e diferentes da hortelã comum,né? (sem talo, por exemplo) e mais gordinhas.
beijo, N

Anônimo disse...

Preciso saber o endereço da familia Mariano....exibida na reportagem deste domingo....dia 15/08 no globo rural....que falava da festa caipira em Silveiras - SP...meu contato: edsonmariano@hotmail.com

Anônimo disse...

OLÁ NEIDE, PARABÉNS PELAS REPORTAGENS!, GOSTO MUITO, PRINCIPALMENTE DASQUE TRATAM DAS COMIDAS REGIONAIS DO VALE DO PARAÍBA.
ESTIVE EM SILVEIRAS PELA PRIMEIRA VEZ PARA VER A FESTA DO TROPEIRO, GOSTEI MUTO DA CIDADE, DO POVO E DAS PAISAGENS DA REGIÃO, MAS INFELIZMENTE A FESTA ESTÁ BEM DESCARACTERIZADA DE COMO ERA ANTIGAMENTE PRINCIPALMENTE NO TIPO DE MÚSICA(EM ALTUR MÁXIMA) QUE NADA TEM A VER COM O EVENTO. GOSTARIA DE SABER EM QUE DIA DE MAIO QUE OCORRE A FESTA DA BROA, POIS FUI CONHECER O BAIRRO MAS O MOINHO E ESTAVA FECHADO E NAO TINHA NINGUÉM NAS RUAS.
ABRAÇOS
ANDRÉ LUIZ SP-SP

Neide Rigo disse...

Oi, André! Esta coisa da música alta também me incomodou muito. Seria tão bom encontrar violeiros e sanfoneiros, né?

Quanto à data, também não sei, porque acho que é definida ano a ano para que caia num fim de semana.

Um abraço, N

Anônimo disse...

É ISSO MESMO NEIDE, O TROPEIRISMO FAZ PARTE DA CULTURA CAIPIRA, QUE TEM COMO A VIOLA, SANFONA, PANDEIRO E RABECA COMO PRINCIPAIS INSTRUMENTOS MUSICAIS, E SEMPRE TOCADOS AO VIVO.
POR AQUELAS LINDAS MONTANHAS DEVE TER MUTOS SANFONEIROS E VIOLEIROS BONS QUE FARIAM A FESTA BEM MAIS ORIGINAL NÉ.
VOU FICAR ATENTO NO ANO QUE VEM PARA IR CONHECER ESTA FESTA.
ABRAÇOS NEIDE, E CONTINUE VIAJANDO AÍ QUE NÓS AQUI VAMOS DE CARONA PELO BLOG!

ANDRÉ

Anônimo disse...

Neide. Sou sua fã faz tempo. Agora tenho acompanho melhor pela Internet, antes era só pelá sua coluna no jornal. A festa antigamente era com sanfoneiros (festa da broa) . Hoje em dia está difícil até de ser organizada, faltam festeiros e esse ano quase que a tradição acabou . Não ia haver festa e ela foi realizada às pressas. Minha vovó (Maria Mendes ) , está em estágio avançado de Alzheimen, e já não reconhece e nem sempre lembra do passado. Tio Josias , dono do moinho de pedra , morreu faz pouco tempo, seu Ocílio Ferraz , também faleceu recentemente, devem estar fazendo festa no ceú .Espero de coração que está festa e essa receita não acabem sumindo ou se modificando muito. Aqui em casa , a receita e um sucesso. Adoro você. Minha vovó e minha mãe, me ensinaram muito sobre culinária e reaproveitamento de alimentos, elas nunca jogavam nada fora e eu aprendi a ser assim também. Obrigada por resgatar culturas e comidas que pouca gente conhece e usa.Acho você incrível.
Abraços
Francislaine(Lala)