O PEQUI, A POLPA E SUA
CASTANHA
Dizem
que ele, o pequizeiro, é o rei do Cerrado e o título não poderia ser mais
apropriado, afinal entre suas reinações e generosidades o que tem a oferecer é
muito mais que a polpa dourada que se pode roer ou o espinho que faz doer. O
fruto é uma caixa de surpresas e a planta inteira garante o sustento dos seus
súditos, homens e animais, de tantos usos que tem. Dependendo da região, pode
receber outros nomes como piqui, piquiá, amêndoa-de-espinho, piquiá-bravo,
grão-pequiá, pequerim, pequiá-pedra e suari, quase todos derivados do tupi py
e qui, casca e espinho, respectivamente.
Embora
outros tipos de pequi possam ser encontrados espalhados pelos Cerrados do Mato
Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Tocantins, Bahia, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e
até São Paulo, é na rica flora do Brasil Central que o pequi se destaca e o que
domina por ali é a espécie Caryocar brasiliense, árvore rústica, forte,
tortuosa, de folhas grandes e secas e flores atrativas que, quando caem, alimentam animais silvestres.
Durante
a safra que começa em novembro e se estende até fevereiro, aproximadamente, inúmeras
famílias rurais coletam o pequi para seu próprio sustento e para obtenção de
renda através da comercialização do fruto e seus produtos, que não são poucos.
A
massa amarela que recobre o caroço pode ser congelada ou conservada em óleo ou
salmoura; um óleo perfumado de cor laranja é extraído da polpa e outro azeite clarinho
de sabor discreto vem das amêndoas - ambos são usados na cozinha. Aliás, pouca
gente fora da região de origem conhece a amêndoa e posso dizer, sem precisar
guardar devidas proporções, que ela se compara em qualidade às clássicas
europeias amêndoas, nozes ou avelãs. Se juntarmos a castanha de pequi aos
nossos coquinhos, tal licuri, além da castanha do maranhão, da monguba, da
castanha amazônica, do baru, da sapucaia, castanha de caju ou ainda outras não
nativas que se dão bem por aqui, como a castanha da árvore chapéu-de-sol ou
amendoeira-da-praia, teremos um repertório de castanhas de fazer inveja por aí.
Mas,
continuando com as utilidades da planta, temos ainda licores feitos da castanha
e da polpa, farinha, sabão, cosméticos, corantes, alimentação animal,
medicamentos etc, geralmente tudo de fabrico artesanal.
Pode
nos parecer estranho usar o termo roer na mesa civilizada, mas em se tratando
de pequi é o melhor verbo para se conjugar. A não ser que a polpa já venha ao
prato cortada em lascas e, claro, seria o ideal em restaurantes ou em serviços
menos informais, o melhor jeito de se comer pequi é pegar com as mãos e roer o
caroço. É assim que é comido quando colocado inteiro na famosa galinhada ou no
arroz de pequi, por exemplo – roendo a
polpa macia que recobre a semente. As
conservas em lascas ou o creme feito com elas são encontradas mais facilmente
em mercados municipais ou empórios de produtos brasileiros mesmo na entressafra.
Só
para entender a anatomia do fruto, ele é composto de casca grossa de superfície
verde, mais clara internamente, fácil de cortar e um caroço ou mais, de formato
ligeiramente ovalado no tamanho de uma gema ou do ovo inteiro, coberto da fina camada
oleosa e perfumada, cremosa, em diferentes tons de amarelo dependendo do tipo.
Logo abaixo da polpa do caroço, há uma camada mais clara e dura e em seguida
outra com os espinhos entranhados protegendo
o cerne branco que é a deliciosa castanha.
Quando
o fruto é roído, a camada superficial de polpa macia sairá no dente e é aí que
mora a perspicácia no trato para evitar aborrecimentos. O dente não deve
insistir na barreira mais dura que separa a polpa da camada lenhosa cheia de
espinhos, que é como um acolchoado de finas farpas com vida própria. Uma
dentada em falso e verá o inferno se instalar dentro da sua boca.
É
típico fruto que deveria vir com manual de instruções. Uma vez vi um italiano
desavisado dando uma mordida num caroço de pequi que perfumava o arroz e em
seguida a dona do restaurante teve que passar horas tirando os espinhos da
gengiva e céu da boca com pinça. O grande problema é que as micro farpas, do
tamanho de uma vírgula, são soltas, alucinadas e parecem ter uma afinidade
mórbida pelas nossas superfícies. Mal encostam numa ponta de dedo e já vão
entrando causando muita dor. Imagine numa mucosa.
Não
tem outro jeito, para chegar à deliciosa amêndoa é preciso passar pelas farpas,
mas se tomar alguns cuidados não há o que temer. Quando o fruto é cozido em
casa, depois de tirar a polpa ou roer, é só apoiar a faca em cima do fruto e
bater com um martelo. Algumas recomendações de quem sabe o que está falando:
use luvas de silicone; entre o fruto e a tábua use um pano de prato para
melhorar a adesão e evitar que as metades escorreguem e voem pela cozinha
depois da martelada; e mantenha
cachorros comilões longe do local para evitar acidentes caso algum caroço
insista em voar. Se conseguir passar por isto sem incômodo, terá a recompensa inesquecível.
Estas castanhas frescas são úmidas, leitosas e com sabor muito peculiar,
agradável, lembrando o pequi muito suavemente.
Quem não gosta de pequi certamente vai gostar da castanha.
Sorte
que podemos comprar as castanhas já prontas, sequinhas, torradas, mais gostosas
e crocantes que as cozidas. No Mercado Municipal
de Pinheiros, procure na banca do Cerrado. Ou encomende a quem for a Brasília,
Pirinópolis, Goiás Velho. Mas, se você tiver um tanto de pequi fresco e quiser
aproveitar para extrair a castanha - compro sempre na frente do Mercado
Municipal da Lapa quando é época -, faça assim: extraia manualmente a polpa (aproveite
para cozinhar junto do arroz, por exemplo) e deixe os caroços secarem ao sol
por cerca de 7 dias. Depois, corte com faca e martelo para extrair a castanha. Se
precisar, introduza a ponta de uma faca na cavidade onde está a castanha caso
ela não saia facilmente. Lave vem e certifique-se que não tenha espinho
grudado. Seque no forno bem baixinho, a
cerca 130 graus, até que fique crocante – cerca de meia hora. Use em tortas, recheios, sorvetes, biscoitos,
bolos etc. E no recheio desta panqueca que inventei. Nhac!
Panquecas de pequi com
recheio de abóbora
Massa
100
g de lascas de pequi cozidas ou em conserva, escorridas - cerca de 1/2 de
xícara
2
ovos
1
xícara de leite (240 ml)
1/2
colher (chá) de sal ou a gosto
70
g de polvilho doce – cerca de 10 colheres (sopa) rasas
Recheio
1 cebola
picada em quadradinhos
3
colheres (sopa) de manteiga
1 colher
(chá) de açafrão-da-terra / cúrcuma em pó (opcional)
¼ de
xícara de castanhas de pequi picadas
3 xícaras
de abóbora cabochá cozida e amassada com um pouco do líquido de cozimento.
Sal,
açafrão-da-terra e pimenta-do-reino moída na hora a gosto
Cobertura
3
colheres (sopa) de manteiga clarificada ou ghee
3
colheres (sopa) de castanhas de pequi picadas
Massa: bata todos os ingredientes no
liquidificador até ficar uma massa bem lisa. Cozinhe em camada bem fina em
frigideira antiaderente quente – sem precisar untar. Mexa bem a cada panqueca,
para evitar que o polvilho fique no fundo. Ajude a espalhar a massa com uma
colher. Doure de um lado, solte com uma
espátula e doure do outro.
Recheio: numa frigideira coloque a
cebola e a manteiga e leve ao fogo. Deixe refogar, mexendo sempre, até dourar.
Junte o açafrão-da-terra se for usar, a castanha de pequi e mexa. Acrescente a
abóbora e misture bem com o sal e a pimenta. Prove e corrija o sal se for
necessário.
Distribua
o recheio entre as panquecas e enrole-as.
Cobertura: numa frigideira, derreta a manteiga
clarificada ou ghee e junte as castanhas picadas. Espere começar a dourar,
desligue o fogo e despeje sobre as panquecas. Sirva quente.
Rende: 10 panquecas
8 comentários:
Pra falar de algo q concentra tantas qualidades - muitas delas segredo pros de fora -, textura, aroma, sabor por dentro, por fora, mais pra dentro ainda, só vc, Neide Rigo!! e ainda dá a receita!! Eu te amo!!
Clarice
Bom dia! Vendemos castanhas de pequi e de Baru diretamente do Norte de Minas, preservamos o cerrado e geramos renda para os extrativistas. Entregamos para todo o Brasil. Tel 038 99210_8790, castanhas Sementes da Vida. sementesdavida@yahoo.com.br também estamos no Facebok como castanhas SV e no Mercado Livre.
Olá, que site adorável e que descrição incrível. Estou fazendo uma pesquisa sobre o pequi, e ao ler o seu texto, minha boca encheu d'água e meu coração de amor.
Amei a matéria e as dicas pra retirar a castanhas e previnir os espinhos com essas dicas vai ficar mais fácil de extrair.
Coloquei os caroços pra secarem mas eles mofaram . sera que afetou as castanhas ? é perigoso come-las?
Ótima matéria! Parabéns! E obrigada por tantas informações detalhadas e ainda com direito à receita ��
ola adorei as informaçoes , pois adoro pequi acabei de comer no almoço.
Excelente matéria,amei!
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