quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Tansagem. Coluna do Paladar, edição de 11 de outubro de 2018

Hoje tem coluna Paladar. No jornal impresso e no site. Aqui também: 

TANSAGEM

Dia desses, me sentei num banco em frente ao restaurante Arturito esperando as portas se abrirem quando olhei para uma jardineira da qual brotavam displicentemente algumas ervas comestíveis, como major-gomes, violetas e a mais elegante de todas, uma roseta de tansagem-grande. Senti-me observando a aquarela La Grande Zolla, do artista renascentista Albrecht Dürer (1471 – 1528) que parece ter arrancado uma pá de solo vivo do parque para retratar os matos espontâneos da época, dentre os quais pelo menos duas comestíveis, dente-de-leão e a mesma tansagem-grande que estava na minha frente. E, sim, ali há ervas não convencionais no menu, mas vindas de produtores.  

Restaurante Arturito 

Hoje tansagem é o tipo de erva mais lembrada por seus atributos fitoterápicos que pelo seu uso alimentício. Caso resolva afinar suas pesquisas sobre as espécies que atendem por este nome, logo vai poder comprovar qual é a maior vocação desta planta. É claro que por vezes as duas coisas andam juntas, sendo ela um ótimo exemplo de comida medicinal ou remédio comestível, como se vê na receita de lentilhas com tansagem no grande tratado “Matéria Médica” do botânico grego Dioscórides, que viveu no século I a.C. Aliás, a erva tem ali diversas aplicações.

Eu a conheci primeiro como alimento e sabia de seus usos como remédio para garganta mas não liguei um fato com outro quando alguns anos atrás um vizinho, médico cubano, veio me perguntar se eu conhecia por aqui uma erva que ele costuma usar em seu país. Disse o nome que só registrei mal e mal de ouvido. Pela descrição,  não identifiquei, mas cheguei em casa e passei algum tempo no buscador até descobrir a grafia correta em espanhol – llantén. Ele procurava, então,  a tansagem, erva nada rara por estas bandas. Colhi um belo exemplar com torrão de terra a poucos metros de sua casa e replantei num pequeno vaso que lhe dei de presente. Eufórico, queria saber onde poderia encontrar mais da planta e ficou surpreso de saber que crescia praticamente aos seus pés. A partir daí passei a dar mais atenção aos seus vários usos medicinais. Mas aqui vamos falar de comida.

Há pelo menos três espécies do gênero Plantago que atendem por nomes populares como tanchagem, transagem, tranchagem,  plantagem. São elas: Plantago australis, P. lanceolata e P. major. A primeira é bastante comum e tem folhas com leve penugem e roseta bem aberta, a segunda tem folhas estreitas como lanças apontadas para cima e na P. major as folhas têm formado ovalado de colher, com base afilada. Há várias características em relação às folhas, raízes e flores que diferenciam as espécies, mas em comum todas elas apresentam nervuras proeminentes, por dentro das quais passam linhas brancas que podem ser facilmente notadas quando a folha é quebrada na base. Estes fios podem ser puxados na hora de preparar ou são seccionados quando as folhas são cortados na transversal. E as flores e sementes são agrupadas em espigas eretas e longas. Os termos em inglês, plantain; em italiano, piantaggine; e em castelhado, llantén, também nomeiam estas três espécies de mesmo gênero e com usos culinários e medicinais parecidos, tirando algumas particularidades.
Quem tem esta erva por perto, e ela é endêmica em praças, calçadas e parques -  pode se aventurar um pouco mais na coleta de outras espécies e em situações de sobrevivência, afinal pequenos arranhões, urticária de urtigas e picadas de abelhas podem ser resolvidos esfregando na área atingida folha amassada de tansagem.  E a planta mais velha tem ainda fibras flexíveis e resistentes que podem ser usadas ​ para improvisar  linhas de sutura,  pequenas cordas e linha de pesca.  
Para comer, claro, o ideal é que tenha plantas no quintal de casa e para isto pode sair à caça de sementes ou esperar que nasçam espontaneamente. Uma hora ou outra elas sempre vêm. Na primavera e verão será fácil encontrar as sementes.  Outra opção é comprar as folhas em feiras de produtores orgânicos. Certamente haverá tansagem onde há cultivo de hortaliças, pois é uma daquelas ervas daninhas que seguem os caminhos do homem – suas sementes se misturam aos grãos de cereais e assim viajam mundo, colonizando solos compactados, evitando erosão e sobrevivendo a constantes atropelamentos – certamente já pisou em algum pezinho de tansagem, tente olhar os gramados por onde anda. Isto faz dela uma planta resiliente, resistente e fiel aliada, que estará sempre por perto quando precisarmos.

Parece que até o final do século X, ela ainda teve uso expressivo na cozinha europeia, especialmente antes da chegada das espécies da América.  Depois foi perdendo importância. Há registros de uso tradicional da tansagem nas cozinhas dos países mediterrâneos, como Espanha, Itália, Eslovênia, Croácia, Turquia e Líbano e o costume ainda sobrevive em algumas regiões. As folhas externas são usadas para alimentar animais e as internas, mais tenras, para saladas ou como verdura em sopas, purês, refogados, recheios de pasteis, quiches, para dar cor a massas, fazer risotos etc. Agora, não dá para esperar que tenha a mesma popularidade de um brócolis ou de uma alface, pois a tansagem tem lá suas idiossincrasias.

Na mesa italiana, a erva esteve presente desde tempos remotos, especialmente em momentos de escassez, junto com chicórias silvestres, urtigas, dente-de-leão, rúcula e outras ervas espontâneas. Atualmente, o movimento de retomada da biodiversidade à mesa para trazer de volta às panelas espécies comestíveis esquecidas tem despertado interesse não só no Brasil mas no mundo todo por estas plantas tidas às vezes como daninhas. Por isto já não é difícil nos depararmos com receitas saborosas com a erva. É o caso de inúmeras fórmulas de pestos di piantaggine ou de zuppa (sopa) di piantaggine entre outros pratos tradicionais ou contemporâneos.  Para fazer o pesto, coloque no copo do liquidificador 30 folhas de tansagem picada, 15 g de amêndoas, 20 g de queijo parmesão ralado,  5  colheres (sopa) de azeite de oliva, 2 colheres (sopa) de água e meio dente de alho (opcional).  Ligue o aparelho e triture até ficar um molho homogêneo.  Sirva com massa

Embora possam ser consumidas cruas, as folhas são meio adstringentes e amargas. Já quando cozidas são gostosas, com taninos e amargores bem atenuados e um sabor agradável de cogumelos em destaque, resultado de uma associação destas espécies com fungos. Nas flores e sementes o sabor de cogumelos secos é ainda mais marcante e podem ser consumidas em qualquer estágio – quando as espigas estão ainda bem tenras, podem ser cozidas como pequenos arpargos e quando as sementes estão já maduras, basta debulhar e usar em pães, biscoitos, bolos etc – com ou sem as fibras que as envolvem.

As folhas mais firmes, quando aferventadas por 4 minutos em água salgada, ficam com consistência de algas. Uma outra forma  de consumir as folhas é como chips, temperando com azeite e temperos e deixando secar no forno em temperatura baixa.  Ficam bem crocantes e podem ser servidas como aperitivo ou algas secas – veja receita. E um jeito de fazer que adoro é simplesmente cortar bem fininho como couve e refogar como tal. É só dar um susto no azeite bem quente com alho,  para murchar, temperar com sal e nhac!




Chips de tansagem

30 folhas grandes de qualquer espécie de tansagem
2 colheres (chá) de óleo de gergelim ou azeite
1/4 colher (chá) de sal
1/2 colher (chá ) de pimenta calabresa
1 colher (sopa) de sementes de gergelim branco e/ou preto
1  colher (chá) de açúcar

Pré-aqueça o forno a 150 ºC. Lave as folhas e seque-as com pano de prato limpo e seco.  Em uma tigela grande misture as folhas com o tempero. Espalhe as folhas de uma só vez em assadeiras. Talvez seja necessário mais de uma assadeira.  Se puder forrá-la com papel siliconado, melhor.

Deixe assar até as folhas ficarem crocantes, mas não queimadas, cerca de 10 a 20 minutos,  dependendo do tamanho das folhas.  Tire do forno, espere um pouco e prove. Se ainda não estiverem crocantes, leve ao forno novamente por cerca de um minuto.
Quando estiverem completamente frias, guarde as folhas em recipiente que feche hermeticamente. Assim podem ser conservadas por várias semanas.  Sirva como aperitivo ou use como tempero -  esfarele sobre o arroz, por exemplo.



14 comentários:

Leticia Cinto disse...

Caramba, que quadro lindo! Fui pesquisar pra ver como era e adorei :) Nunca comi tansagem, mas vejo sempre por aí. Vou colher algumas sementes e cultivar em algum vaso. Adorei as ideias e a receita. Obrigada!

Malu disse...

Como encontrar essa folha?!

Unknown disse...

Acompanho seu blog há anos, mas depois do Instagram, passei a visitá-lo bem menos e percebi que tô perdendo várias publicações aqui :( enfim, esses dias estava com uma tosse seca horrível, dessas que não deixam a gente dormir, apesar de ser enfermeira, não gosto muito de tomar remédios kkk minha vó me indicou um chá de tansagem,dei uma consultada no livro "Plantas medicinais nativas e exóticas"do Lorenzi e acabei tomando o chá por uns dois dias e a tosse simplesmente melhorou, sem gastos, sem muito esforço, com um matinho do quintal.
Infelizmente não valorizamos a diversidade alimentar e medicinal que temos em nossos quintais. Essa divulgação de informação que vc faz é extremamente importante.
Abraços

Unknown disse...

Gostei

Unknown disse...

Muito bom

Carlos Mello disse...

Neide Rigo boa tarde ! fiz agora pro almoço ela refogada como couve, gostei, precisa ser bem mastigada ! um abraço !

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Andrés Sandoval disse...

Vou fazer no forno, que delícia, Neide! Acabou tudo o que trouxemos pro fim de semana. Incrível como a falta faz a gente aproveitar as coisas!

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Gostei muito de sua reportagem sobre a tançagem, até fiz o Chips na Air freyer, tem um certo amargorzinho bem suave