terça-feira, 28 de agosto de 2012

Ritmos de jardim


Videira

Capuchinha


Pimenta Nina Horta 

Camapu que ganhei da Daniela

Flor de rúcula 

Adoraria ter paciência para meditar, porque é uma prática que me faz bem. Na verdade, é só se programar para isto, eu sei. Mas há outra atividade que me faz desligar enquanto pratico, da qual eu não tenho como fugir, porque o ritmo do jardim e o tempo seco impõem. E que me obriga a ter alguma rotina, de que eu  tanto gosto - a vida em ciclos como a natureza que nos rege.  E os resultados visíveis desta ação dão um prazer inexplicável. 

Regar as plantas pela manhã me consomem no máximo 10 minutos diários, marcado de relógio como diz a Eliana. Cinco para molhar e outros cinco para conferir os avanços que alegram o espírito. É uma das poucas coisas que podemos fazer diariamente com resultados positivos tão rápidos, um bom exemplo do conceito ação e reação.  

Tem gente que rala, dá um duro danado, e os resultados demoram tanto para vir. Às vezes nunca vêm. Mas cuidar de um jardim, nem que seja apenas dar água passando os olhos, alegra até os mais desiludidos e pessimistas, pois não tem como dar errado. É lógico que não estou falando da grande lavoura nem da monocultura, é só de um jardim. Olhar uma planta todos os dias faz você enxergar os primeiros pulgões e cochonilhas e arrancá-los na unha. Perceber folhinhas de manjericão recheadas de larva minadora e arrancá-las todas faz de você uma pessoa vitoriosa quando percebe nos dias seguintes novas folhas surgindo no lugar. Depois de desligar a mangueira é que me abaixo até as plantas e noto a cada vez uma novidade capaz de alegrar o dia. Se acha que seus dias são sempre iguais, precisa  urgentemente ter um jardim ou uma jardineira na janela. 

Às vezes me esqueço de uma planta ou uma semente e quando vejo ela já está alta pouco se importando para o meu olhar, mas não ignorando meus zelos - disso tenho certeza. Não, não sou de abraçar e conversar com árvores, mas é bom saber que elas respondem bem aos meus cuidados. Outro dia, em Piracaia, resolvi que não perderia dois pequenos limoeiros todos inteiramente cobertos de fumagina, com aparência de pó de carvão, resultado do ataque de cochonilhas de anos. Tomei coragem e arranquei todas as folhas, uma a uma, enterrei fundo e longe, peguei um balde com escova de tanque e sabão de coco e dei um banho de espuma bem dado como quem tira macuco de calcanhar de menino.  Fiquei curiosa pra chegar o outro sábado e ver como a planta tinha reagido. Toda cheia de novas folhas, verdes, brilhantes. 

Se você olha todos os dias para as plantas do seu jardim, não vai deixar chegar neste estado, assim como não deixamos criar macuco nos pés de nossos filhos. E não adianta, há certas coisas que não dá para delegar. Cuidar do próprio jardim é uma delas. Claro, se você faz questão apenas do resultado estilístico adornando a casa, se isto te deixa feliz, contrate alguém, mas se você quer todos os dias tomar na veia uma pequena dose de prazer, sentir uma sensação de leveza que dilui os aborrecimentos por vir, conquistar um estado de alma difícil de conseguir nas atividades mundanas e pagas, comece colocando uma semente para germinar, espete um galho de rosa na terra, enterre a raiz da cebola ou da cebolinha comprados na feira, apoie a semente de um abacate num copo com água, bote para germinar as sementes da melancia, sei lá, invente. Observe, em você e na planta, as mudanças a cada dia. Você vai acordar com mais ânimo, só para ver se aquela vida respondeu aos seus estímulos. 






Galho de camapu (phisalis)




Sementes abandonadas numa jardineira


Claro, há plantas que independem de você e de seus préstimos, que conservam seu vigor em suas batatas, por exemplo. E aí, a recompensa também é boa.  Achar que aquele crem tinha morrido e de repente rever as folhinhas das quais nem se lembrava mais subindo pelo muro é quase mágico, assim como acompanhar os primeiros brotos de uma videira podada que parecia pau morto. Tudo isto pode se passar em cinco minutos: descobrir que as sementes enviadas pela leitora Nilce estão germinando, assim como as sementes desconhecidas que encontrei na gaveta; ver que o galho da rosa cor de rosa roubado de uma casa abandonada vai vingar e já mostra as primeiras folhas;  perceber que é tempo de capuchinha pelas flores que começam a se espichar por trás de um vaso; que as sementes abandonadas numa jardineira começam a inchar e mostrar os germes; que os passarinhos andam comendo daquela pimenta; que o camapu ganhado da Daniela já tem frutos maduros e que o galhinho quebrado brotou em outro vaso; que o amaranto que eu trouxe do Cerrado germinou no terceiro dia; que os ingás no sol estão melhores que os que ficaram à sombra; que já despontaram flores amarelas nos dois vasos com planta seca que achei na rua, que a for de rúcula é bonita e tem quatro pétalas etc etc. Com tanta novidade a cada dia, é difícil que esta sensação não contamine o dia, é difícil fugir da metáforas óbvias e evitar esta sensação de recompensa quase viciante. Aliás, se você está fugindo de um vício, tente substituí-lo pela jardinagem e depois me conte. 

12 comentários:

Anônimo disse...

No seu texto está a tradução de tudo o que sinto trabalhando na minha hortinha. Abç
Izabel

Isis disse...

Nesse último final de semana eu e minha mãe começamos nossa hortinha em casa. Na verdade, já a havíamos começado quando plantamos a ora-pro-nóbis, os carurus do reino e aquele outro feijãozinho que eu não lembro o nome. Estão crescendo firmes e fortes! Também reguei as plantas e o jardim de casa e fiquei observando o movimento dos besouros que se escondiam embaixo do vaso. E pude compartilhar de todos os sentimentos descritos no seu texto. =D
Bjs!

Anônimo disse...

Neide, você pratica meditação todos os dias, sem perceber. Quando você rega suas plantas e se conecta com a vida na plenitude do momento presente, você realiza aquilo que chamamos de "meditação em movimento".
Thais Menandro

Juliana Valentini disse...

Neide, sua cozinheira/jardineira/escritora de mão cheia, que lindo post!
Me fez lembrar um arquiteto que conheci, que um dia passou por mim enquanto eu regava meu jardim e me disse "ah, que coisa boa, né? Quer me ver feliz? É só me deixar botar um calção pra passar horas jogando água nas plantas"
Me lembrei também de 10 dias atrás, quando comentei com você que passei uma hora e meia regando, que toma tempo pra caramba dia sim dia não... mas é gostoooooso demais!
Beijo!
Juliana.

Nadia Marrach disse...

Nossa, Neide, é isso mesmo! às vezes estou trabalhando e quando resolvo dar uma paradinha para descansar, vou atrás de um galho para podar ou
verificar se tem mais algum limãozinho amadurecendo que eu não tenha visto antes....é assim...quase um vício!!!!

eng, panerai disse...

Também estou plantando umas coisinhas aqui em casa em porto alegre RS! Mas a quantidade de vasinhos é grande, aos poucos vou partilhando com amigos e vizinhos.
o fisalis(camapu, tomate capote)está enorme e espero colher muitos frutos.
abraço e parabens pelo BLOG.

carla disse...

tedtenho salsinhas ,taiobas e ora-pro-nóbis . é tão bom quando quero comer, e elas estão lá ... Neide tenho aprendido a cada dia, a cada post obrigada!

Patricia disse...

tudo isso é verdade,lindo texto,linda atividade e teu carinho pelas plantas...tenho aqui um jardim assim também,sementes ganhadas,coletadas,galhos "emprestados",sementes das frutas que como,etc,e é uma maravilha,não tem coisa mais gratificante...mas ainda não achei chão pro meu pinheiro do coração...e Alfred,o abacateiro de estimação de meu filho,tenho medo que morra no baldão,pois ele quer porque quer mais terra,Neide,terei que correr contra o tempo!

Marlene disse...

Lindo texto, exatamente como eu sinto. Fico enfiada num apartamento o dia todo, temos uma chacrinha onde vamos nos fins de semana e semana passada falei pro meu marido: como eu seria mais feliz se pudesse morar lá, poder levantar de manhã e ir regar as plantas. Mas tenho que ter paciência, estou aposentada e o dia que ele se aposentar vamos morar na chacrinha, as vezes deixo ele sózinho na cidade onde trabalha e fico cuidando das plantas. Adoro.

Maria das Graças disse...

Neide, já vivi essa prazeirosa experiência: criei um belo jardim e cuidei dele. E era assim mesmo do jeito que voce descreve. É estimulante. A gente se sente responsável. E vibra com qualquer nova descoberta.
Quando vi a foto da physalis lembrei-me de como me empanturrava com elas na caatinga nordestina. Hoje compro as colombianas e dou sementes para amigos que tem um pedacinho de chão. E eles tem colhido muitas e me delicio com geléias que me dão.
A capuchinha se espalhava forrando os canteiros.
Hoje o meu jardim se resume à parte superior do microondas e à meia parede que divide a copa da área. No dia de hoje tenho uma orquídea e uma bromélia em flor. Raiz de priprioca que trouxe de Belém que está dentro de um vidro e já brotou e que eu olho todos os dias e fico matutando onde vou plantar. É mesmo um vício.

juju gago disse...

:)
belo texto,
sempre é, mas este especialmente.

Ju

Anônimo disse...

Neide, que texto lindo. Também adoro regar minhas plantas, todas em vasos. Faço mudas de frutíferas e acabo doando a amigos, por não ter uma chácara para plantar. Um dia terei meu cantinho no campo. Bjs, Liliana