quinta-feira, 11 de maio de 2017

Mamão de vez. Coluna do Caderno Paladar de 11 de maio de 2017.

Hoje tem coluna Nhac no Paladar. Está no jornal impresso, no site do caderno e aqui. 





A HORA E A VEZ DO MAMÃO DE VEZ 


Para quem acha que só falo de esquisitices,  hoje venho com um alento.  Pelo menos mamão é uma das frutas que todo mundo conhece e mais consome. Talvez não em toda sua plenitude, não em todos os estágios. E aqui está a desculpa para voltar a  falar dele:  mais um estágio não convencional, além do totalmente verde.  

Talvez você nunca tenha ouvido este termo popular  “de vez”.  Mas é como se diz por aí para designar uma hortaliça, geralmente fruto, que já saiu da tenra idade mas também não chegou à completa maturidade para ser consumido ao natural.  Verdolengo ou inchado são outras denominações para tal fase. 

Várias frutas podem ser consumidas assim e a manga é um exemplo clássico pois não tem amargores ou taninos que impeçam seu consumo em todos os estágios. Só é ácido, mas limão também é.  No entanto, hoje vou falar do mamão que tem sim, em todas as idades, um certo amargor perto da casca, que desaparece assim que é descascado.  A polpa que sobra está livre, então, de qualquer empecilho ao consumo cru ou cozido. 

De origem o mamão (Carica papaya) é centroamericano, então, apesar de encontrarmos por aqui usos para o fruto verde e verdolengo, quase sempre é como doce.  O mamão totalmente verde ainda é usado nas zonas rurais como legumes, mas o de vez quase sempre vem acompanhado de açúcar em compotas. Quando viajamos por aí – e pode ser via you tube –  pela América ou por outros continentes onde a fruta está espalhada, principalmente Ásia e África, é que vemos o número enorme de possibilidades de uso para esta espécie que desembarcou aqui sem manual de instrução.

O fato é que pouco uso damos aos mamões ainda duros – e quase sempre os compramos assim pra deixar terminar de amadurecer em casa. O uso mais comum é mesmo maduro, bem macio, ao natural ou em sobremesas, tão doce e tão agradável,  não posso deixar de reconhecer. Outro dia, porém, publiquei no instagram a foto do mamoeiro que tenho na frente de casa com alguns frutos já inchados e manchados de laranja, começando a amadurecer. Logo uma pessoa comentou que costumava fazer com o fruto alaranjado mas não maduro um ceviche,  temperando os cubos com cebola roxa, coentro, limão e sal.   Fiquei interessada e fui pesquisar mais. 

Tradicionalmente ceviche ou cebiche é uma salada de peixe marinado em ingrediente ácido, presente na América do Sul andina e bastante popular no Peru, isto a gente sabe.  O que desconhecia é que há ceviches de várias frutas incluindo abacates, mangas e mamões.  E o mamão usado é sempre de vez para manter sua integridade.
Neste estágio o mamão tem a vantagem de ainda ser firme e rico em amido, mas já está colorido e ligeiramente adocicado. Na cozinha, um leve adocicado o torna mais versátil podendo ser usado em pratos doces ou salgados. E o fato de não estar macio é desejável quando se quer levá-lo ao fogo com temperos ou fazer cortes regulares sem o risco de a polpa se desintegrar.  Para comer como fruta a consistência bem firme não é tão fácil, mas na salada salgada funciona bem e por isto o ceviche fez sucesso aqui em casa, sem deixar de testar outras técnicas. Na empolgação, cortei a polpa em tiras com descascador de legumes, enrolei,  fatiei e aferventei, resultando pequenas fitas, uns fettuccini de mamão que cobri com molho de tomate. Fiz ainda lascas temperadas como salada;  os cubos entraram em curry de frango; foram cozidos em água salgada e temperados com vinagrete de cebola, tomate e salsa e preparei também um purê batendo os pedaços - cozidos em água salgada por 10 minutos e escorridos – no liquidificador e finalizando na manteiga com cominho, gengibre e gotas de limão. 

Qualquer prato que recebe bem uma cenoura, pode ficar ainda melhor com o uso do mamão verdolengo. Ainda não explorei tudo o que tenho em mente, mas o farei aos poucos, à medida em que meu mamoeiro do quintal for produzindo.

E pra não dizer que não falei do doce do mamão de vez, você pode fazer igualzinho se faz o doce de abóbora na cal para ficar com superfície crocante e miolo macio. Ou, um doce mais simples: coloque 800 g de cubos de mamão numa panela, junte 1 xícara de açúcar e 3 cravos, tampe e deixe cozinhar na própria água, em fogo bem baixo, por cerca de 20 minutos ou até formar uma calda densa e os pedaços ficarem macios.

Muita gente passa por minha casa e fica namorando o mamoeiro carregado de frutos. Outro dia um caminhão parou na frente e o motorista veio perguntar se eu não vendia quatro dos verdes pra fazer doce. Disse que não, que estava esperando ficarem de vez.  Ofereci um de presente mas ele recusou, dizendo que um só não adiantava. Queria quatro. Sorte a minha. 

Só não entendo porque não se plantam mais mamoeiros pela cidade, nas calçadas, nas praças e nos jardins no lugar de grama. A planta é linda e vistosa.  O meu só precisou de trinta centímetros quadrados de terra na superfície. Com a profundeza, ele se vira, vai cavoucando seu espaço. E nasceu quase que espontaneamente.  Digo quase porque sempre saio com uma mãozada de sementes e vou espalhando pelas calçadas da rua e no meu próprio quintal. Vai que alguma vinga. Na horta comunitária já temos uns cinco pés, todos plantados assim, no arremesso. E crescem sem trato, rapidamente, sem precisar de agrotóxicos e produzem quase o ano todo.  

Bem, se você não tem um pé de mamão por perto, ainda assim é um estágio muito mais fácil de encontrar que o mamão verde, afinal quase todos os mamões do mercado são vendidos assim. Começou a ficar com a polpa alaranjada, já pode chamá-lo de vez para a sua cozinha. Um sinal de que está bom é quando já está inchado ou com algumas nuanças de cor laranja na casca. Como o mamão é um fruto que amadurece fora do pé, se quiser usá-lo verdolengo guarde-o na geladeira até o momento do preparo. Se não quer abrir mão da fruta madura,  compre dois,  um para guardar na geladeira, outro para amadurecer na fruteira.

E vamos plantar mamão! Para usá-lo em todas as fases, ampliando a safra, diversificando a mesa, pois sementes não nos faltam - antes que inventem mamões estéreis.




Ceviche de mamão de vez

500 g de mamão de vez (alaranjado mas ainda bem firme)
4 colheres (sopa) de folhas de coentro picadas
1 xícara de suco de limão
Sal a gosto
¼ de pimentão vermelho picado
2 pimentas dedo-de-moça, uma verde e uma vermelha, picadas (com ou sem sementes a depender se prefere mais ou menos picante)
1 cebola roxa fatiada

Descasque o mamão, tire as sementes e corte em pedaços pequenos.  Misture os outros ingredientes, espere meia hora e sirva com chips de mandioca (lascas de mandioca feitas com descascador de legumes e fritas).

Rende: 6 porções 

3 comentários:

Marília Kelen disse...

Neide,
que honra poder contribuir contigo de alguma forma! Tu sempre nos ensina tanto (e sabe tanto), que é difícil isso!
Grande beijo!

Anônimo disse...

Olá Neide!
Eu não como mamão, na verdade não suporto nem o cheiro, mas uso e abuso da tua receita de antipulgão feita da folha do mamoeiro. Excelente dica, nunca mais tive problemas nas minhas amadas plantinhas!
Beijos, Cris Yumi

Unknown disse...

Que ótima sugestão de receita! Não gosto muito da fruta madura mas vou experimentar as opções com a fruta de vez :) bjs Krys