Para muita gente que foi, chefes e jornalistas, o assunto já parece velho, porque as notícias e fotos foram circulando ao vivo pelas redes sociais, como um jet ski barulhando ondas. Mas, como meu único canal é este, tenha paciência que vou contando aos poucos, no ritmo da canoinha a remo direto dos igarapés.
Entre tantos passeios e comidas boas que tivemos em Belém, a visita à ilha do Combu era a mais esperada. Já conhecia o chocolate Filha do Combu quando uma vez ganhei do Thiago Castanho, no Paladar. Achei tão incrível, que não comi. Experimentei e guardei na geladeira da posteridade (sim, eu tenho uma geladeira só pra pérolas). Agora, já posso comer aquele e os mais novos pacotinhos que trouxe de lá.
Dona Nena é quem faz estas poquecas de cacau numa ilha do distrito de Outeiro, chamada de Combu, quase de fronte ao Mercado Ver o Peso, em Belém. Já tinha visto fazer chocolate artesanal em Ilhéus muitos anos atrás. Mas lá colocavam açúcar. Na Bahia inda se faz muito com ou sem açúcar. Já Dona Nena (Izete dos Santos Costa), faz do jeito que aprendeu com o pai. De fato, não foi um aprendizado continuado. Ela precisou recuperar a receita que já não sabia mais executar e não é mais comum no Pará. Errou um pouco até chegar ao perfeito grau de torração e ao moinho ideal para triturar (um moedor manual de cereais, igual àquele que uso para fazer tortillas mexicanas). O processo é trabalhoso, mas fácil de entender quando ali é possível acompanhar todos os passos, já que a produção é pequena, feita numa pequena cozinha. O cacau vem do quintal, uma linda floresta à beira do rio. O grão é despolpado, fermentado, seco, torrado, despelado à mão - acho que é parte mais trabalhosa, feito grão a grão, e triturado. A pasta gordurosa e cremosa que saí do moinho logo endurece, por isto é embalada na folha do cacaueiro enquanto ainda é macia suficientemente para ser moldada. Vem da folha do açaí o amarrilho. Um luxo.
O resultado é a barra perfumada, ligeiramente amarga, cem por cento cacau. Delícia sem igual. Dona Nena produz também brigadeiro feito do jeito clássico, com leite condensado, mas usando seu chocolate amargo triturado. E, em vez de chocolate granulado, nibs de cacau, feitos a partir do próprio grão quebrado miudinho. Na recepção havia uma garrafa térmica com chocolate quente feito também com o próprio chocolate.
O brigadeiro é assim |
Sugestão minha e da Janaína |
Quem quiser saber mais sobre o feitio do chocolate artesanal veja este vídeo de Marion Valadier, uma jovem francesa, namorada do filho de uma amiga, que veio ao Brasil fazer um estágio numa fazenda baiana em Rio de Contas. Aqui está o pedaço do filme (eu tenho a versão completa em cd, com cerca de 1 hora): O grão de cacau, de Marion Valadier. Para ter o filme, compre direto com ela - tem seu contato no Vimeo, aí no link.
Algumas fotos da visita à Ilha do Combu.
Perguntei sobre estas mudas que vi num balde no quintal e dona Nena disse que são os visitantes que põem ali as sementes do cacau que provam |
8 comentários:
Nossa, que coisa mais bonita! Fico tentando adivinhar o cheirinho dele daqui! Mas, me conte, e o processo de fermentação, como é? Eles tiram a polpa e deixam trancado num potão, ou vai fermentar no sol? Nunca entendi direito como se faz!
Que bacana esse seu jeito de escrever, que leva a gente junto com você. Sentei para ler e me transportei para Belém! Neide, será queo cacaueiro vai bem por aqui (Estado de São Paulo)? Morro de vontade de ter um pé de cacau em casa pois a polpa também é deliciosa!
Neide,gosto muito de seu blog,suas postagens são de uma simplicidade que me tocam,pois me trazem boas lembranças...
Minha tia Nina,que é da Bahia,fazia pra mim uma bola de cacau,e eu acompanhava todo o processo,a diferença é que ela pilava os graos torrados,até ficar uma massa e fazia uma bola e colocava perto do fogão de lenha pra secar ligeiro...Qd fikei uma moçinha e aguentava o braço do pilão, eu pilava pra ela ...
então eu levava pra casa e pelas manhãs ralava a bola,e fazia o chocolate quente. Ah, lembro deste cheiro até hoje! Deu saudades...<3
Neide, uma vez eu fiz uns "copinhos" de folha de bananeira para servir casquinha de sirí num bufê, com uma pazinha daquelas de madeira que vinha grudada dentro do potinho de biscoito tipo hóstia cheio de goiabada que a gente comprava na venda quando criança (você também comeu isso quando criança)? Pois eu cortei quadrados da folha, depois fiz um pique com a tesoura em um dos cantos até o centro. Aí deslizei as "metades" cortadas até as duas pontas seguintes se encontrarem e predi por fora com um palitinho de bambu, como um cone meio aberto. Ficou um chuchu! Se quiser posso mandar a foto por email. Acho que ia ficar bom com seus brigadeiros, se fosse feito de folha de cacau. Abraço!
Guilherme, espero que tenha recebido meu email.
Nadia, acho que por aqui é muito frio para o cacau. Sim, com a polpa se faz um suco divino.
Tekka, a técnica de pilar era a usada pelos mais antigos. Agora estão usando a máquina de moer cereais que é muito mais prática. Boas lembranças.
Elisa, já vi vários tipos de suportes com a folha de bananeira. Mas me mande o seu. Talvez fique bom com a folha de cacau. Obrigada!
Um abraço,n
Socorro! Visitei algumas ilhas do rio Tocantins, no Pará, na semana passada e ganhei uma poqueca de quase meio quilo. Não tenho ideia do que preparar com ela, tentei triturar e substituir o achocolatado no preparo do brigadeiro, não deu certo, ficaram uns grãozinhos sem se dissolverem. Sou leiga na cozinha e estou com pena de que esse cacau se perca, já que é uma raridade.
Por favor, se tiver alguma sugestão do que eu possa preparar, ficaria muito grata...
Ah, e parabéns pela postagem, não conhecia o blog e me encantei pela forma como escreve.
Nathalia,
tente bater no liquidificador com leite quente antes de fazer qualquer coisa com ele.
Um abraço,n
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