Pois é, voltei. Toda picada de micuim de búfalo, mas voltei do Marajó. Não consegui postar durante a viagem, de modo que sobrou muita coisa interessante pra mostrar, mas antes preciso organizar as lembranças. Enquanto isto, a coluna do Paladar da última semana. Há tempos queria falar do nosso cardamomo, mas desejava antes ter a oportunidade de conhecer a planta, o que aconteceu há alguns dias. No jornal, o link é este: http://blogs.estadao.com.br/paladar/pacova-para-comer-e-para-perfumar/. Mas aqui reproduzo o texto original, mais fotos do passeio de coleta e uma receita de bolo e outra de açúcar, exclusivas para o blog. E amanhã tem Pará.
Pacová
Até hoje
não sei de onde vem a expressão “não me enche os pacovás”, mas ouvi tanto
quando criança que resolvi ver no dicionário se pacová era sinônimo de
paciência. Um tipo cardamomo brasileiro era a descrição do verbete. Cardamomo,
a especiaria indiana muito aromática, só vim a conhecer mais tarde. E, ainda
assim, antes de ver um fruto seco do nosso pacová, que descobri em bancas de
ervas medicinais não tem muito tempo. Já a planta em flor e com frutos frescos,
conheci só há alguns dias.
Em
tupi-guarani, pacová quer dizer folha enrolada, daí a profusão de plantas com
este mesmo nome popular, incluindo a banana-da-terra, um tipo de alpínia e outro
filodendro comum nos viveiros. Mas o pacová de que falo é aquele mesmo dos
dicionários, Renealmia exaltata, parente do cardamomo, cujas sementes são repletas de óleos
essenciais. Na China, há um tipo parecido que costumam defumar para usar em
pratos salgados.
A planta
está presente em quase toda a América tropical e às vezes cultivada como planta
ornamental. E, como resiste a algum
tempo de seca e até a frio intenso, pode ser encontrada em todo o território
nacional, preferencialmente no interior de bosques em terrenos úmidos e
sombreados.
O que fiz
há alguns dias foi ir atrás dos frutos em seu ambiente natural. Quem me guiou
foi Carlos Gomes, que nasceu em Piracaia, interior de São Paulo, e conhece
todos os matos e plantas medicinais. Andamos mais de uma hora por trilha até
chegarmos ao local onde havia uma reunião de pacovás com mais de metro de
altura e folhas parecidas com a de alpínias, galangas ou lírios do brejo. Numa mesma planta havia lindos cachos de
flores rosa forte e frutos, alguns ainda vermelhos como grãos de café, outros
mais velhos, já púrpuras como jabuticabas e uns poucos enegrecidos e secos,
prontos para usar. A maioria dos frutos,
no entanto, Carlos já havia colhido na maturação coletiva da semana santa. Em
sua varanda, há várias pencas de pacovás de cabeça pra baixo secando presas ao
madeirame do telhado.
Algumas
pessoas da cidade ainda usam as sementes como medicamento para dor de estômago
e má digestão, como em todo o Brasil, mas conhecer a planta quase ninguém
conhece e Carlos se orgulha de saber o dia certo de ir colher. Segundo ele, a
planta guarda um mistério, pois a maioria dos frutos amadurece exatamente na
semana santa, não importa ela se caia em março ou abril. E nesta mesma época as
flores estarão desabrochando para dar vida a novos pacovás que levarão um ano
para amadurecer.
E usar como
condimento na cidade também ninguém usa, ao menos que se saiba. Eu conhecia o sabor e o perfume dos cardamomos
comprados nas lojas de plantas medicinais e já havia usado em receitas no lugar
do cardamomo. Mas agora, com vários frutos em mãos, colhidos no pé, parece que são
ainda mais parecidos com o cardamomo – as plantas são parentes, ambas
zigimberáceas como o gengibre. Certamente na composição de um de outro vários
componentes do óleo essencial coincidem.
A casca
arroxeada também é usada como medicamento e produz um chá avermelhado quando o
fruto está maduro e foi recém-colhido. Em volta das sementes, os arilos alaranjados são fiapentos e
tornam-se um pouco mucilaginosos quando mastigados. Não são gostosos, mas são
comestíveis, podem colorir e perfumar arroz e os jacus adoram. Já as sementes também não são gostosas para
comer, como não são o anis estrelado ou um dente de alho, mas na comida, em
pequena quantidade, dão sabor e aroma. E mastigadas, elas produzem uma ótima
sensação refrescante, deixando o hálito perfumado.
Se nunca
provou, procure em casas de produtos fitoterápicos. Experimente uma semente e
logo sentirá o sabor pronunciado não só lembrando o cardamomo, mas também algo
cítrico e mentolado. E, assim como o cardamomo, o pacová pode ser usado para
aromatizar o café, moendo um pouco das sementes junto com os grãos. Ou para compor mistura de especiarias – triturado
com pimenta-do-reino, cravo e canela, por exemplo, para usar em carnes, frangos
e vegetais. Para pratos doces, basta socar no pilão um pouco das sementes com
açúcar, peneirar e usar em chás aromáticos, bolos, biscoitos de especiarias e
docinhos como este de fécula de mandioca, em que tem seu lado cítrico
incrementado pelo capim santo.
Doce de goma de mandioca com capim
santo e cardamomo
Ingredientes
1 xícara de
leite de coco
As sementes
de 2 frutos de pacová socadas
10 folhas
de capim santo picadas
1 xícara de
açúcar
1 xícara de
polvilho doce (fécula ou goma seca da mandioca)
½ xícara de
coco ralado
Modo de
fazer: bata no liquidificador o leite de
coco com o pacová e o capim santo até ficar bem triturado. Passe por um pano e
esprema bem. Volte o líquido verde para o liquidificador com o açúcar e o
polvilho. Bata até homogeneizar. Espere meia hora, bata de novo e distribua a
mistura por forminhas de empadas de alumínio pequenas, ou de cupcakes de
silicone – coloque a massa só até a metade da altura da forminha. Não precisa
untar nenhuma delas. Cozinhe no vapor
por cerca de 20 minutos, com um pano entre a panela e a tampa, para absorver a
umidade e não molhar o docinho. Estará pronto quando ficar translúcido e a
superfície não grudar nos dedos. Desenforme ainda quente passando uma faca na
lateral e puxando. Passe por coco fresco, espere esfriar e sirva. Se preferir, espere esfriar, corte em pedaços
e passe por açúcar – ficam como balas de goma.
Rende: cerca de 30 docinhos
Receita do Bolo de aveia com pacová
1 xícara de manteiga
2 xícaras de açúcar mascavo
1 xícara de farinha branca
1 xícara de farinha integral
1 xícara de aveia
2 xícaras de leite
1 colher (chá) de bicarbonato
1 colher (sopa) de fermento em pó
1 pitada de sal
1 colher (chá) de noz moscada
2 bagas de pacová e 2 dentes de cravo socados com 1 colher (sopa) de açúcar e peneirados
1 colher (sopa) de canela em pó
2 xícaras de maçã descascada e picada
Bata manteiga e açúcar até formar um creme e junte aos poucos os outros ingredientes. Asse em formas untadas.
Açúcar de pacová
Soque e peneire açúcar e sementes de pacová a gosto. Use o açúcar para adoçar chás, cafés, refrescos e drinques. O arilo amarelo pode ser usado para tingir arroz.
Outras fotos
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Carlos e Silvana |
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Carlos entrando no bosque |
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O botão demora 1 ano pra virar fruto |
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O fruto imaturo |
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Fruto maduro |
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Quase dois metros |
O ambiente
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Ao redor tem líquem |
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E bastante água - Silvana bebe um pouco de água fresca na folha de caeté |
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E tem musgos e cogumelos |
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Marcos aproveita pra balançar num galho de limão zamboa |