Hoje tem coluna Nhac do Paladar no Estadão impresso, no site do caderno e também aqui ;)
UBAJAÍ
Muita gente deve ter se perguntado recentemente
que raios de fruta vem a ser esta tal de ubajaí alardeada pela imprensa, junto
com outras ilustres desconhecidas e igualmente nativas, como super frutas da mata
atlântica. É que elas foram objeto de estudo feito por importantes instituições
de pesquisa - Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo - USP em parceria com
a Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas -
Unicamp e a Universidade de La Frontera,
no Chile. Foram cinco frutas nativas da mata atlântica as escolhidas para a
pesquisa, sendo uma do gênero Garcínia,
bacupari-mirim (G. brasiliensis), e
as outras quatro da família das Mirtáceas, gênero Eugenia. São elas:
araçá-piranga (E. leitonii),
cereja-do-rio-grande (E. involucrata),
grumixama (E. brasiliensis) e a ubajaí (E. myrcianthes). A conclusão
do estudo é que estas frutas apresentam em sua composição altas porcentagens de
compostos bioativos, principalmente antinflamatórios e antioxidantes,
fundamentais para a manutenção da saúde, além, claro, dos nutrientes como as vitaminas
e os minerais já conhecidos.
Ubajaí
pertence à mesma família da uvaia, da goiaba e da
pitanga, só para citar parentes mais conhecidos. Se, de um modo geral, a gente já
não tem mais intimidade nem com a uvaia que, um pouco menos que a pitanga, se
espalha pela cidade de São Paulo, por exemplo, as outras frutas estudadas então
são ainda mais negligenciadas e desconhecidas, correndo o risco de extinção.
Pouca se sabe da ubajaí e teremos poucas chances de vê-la in
natura nos mercados, pois apesar de ser mais firme no toque que a uvaia, é mais
facilmente oxidável, pretejando facilmente se não protegida ou preparada com
brevidade. Em compensação, a muda pode ser comprada e plantada numa praça perto
de você com a vantagem de ser uma árvore linda. Seu porte elegante com folhagem
brilhante e flores chamativas fazem dela excelente opção como árvore ornamental
e não deve faltar em projetos de reflorestamento pois os frutos são apreciados
por veados campeiros e vários outros bichos. A floração branca e perfumada, que dura poucos
dias, é um espetáculo tão lindo como o das cerejeiras em flor, festejado pelos
japoneses. Sem falar que a espécie é
muito resistente a secas e suporta até geadas. Depois de três anos de plantada
a partir da semente, a planta já está em condições de frutificar. E quando
floresce, é só contar dois meses para podermos colher frutos, que também fazem
a alegria dos pássaros, e congelar a polpa, bastando lavar, secar, tirar as
sementes e congelar em aberto, sem prejuízo de sabor e valor nutricional.
Só para fazer uma comparação - irresistível quando vejo
frutas brasileiras desprezadas, também não vemos facilmente mirtilos,
framboesas e groselhas in natura, mas “red berries” virou sinônimo destas frutas
vermelhas importadas que encontramos sem dificuldade em supermercados de
grandes cidades. Então, espero que não esteja longe o dia em que
encontraremos para comprar “frutas da mata atlântica” , nem que seja assim, um
conjunto de frutas amarelas e vermelhas riquíssimas em sabor e nutrientes. Com
grande potencial econômico, seria uma grande oportunidade de renda sustentável
para a agricultura familiar além de satisfazer cozinheiros ávidos por sabores
nativos.
Quando começamos a horta comunitária na minha
rua, a Horta City Lapa, descobrimos no meio das braquiarias e entulhos um
arbusto pequeno com uma plaquinha pendurada onde se lia “pêssego do mato”. Apesar
da pesquisa na vizinhança, nunca descobri quem a plantou ali e só depois de
frutificar pela primeira vez foi que descobri o nome científico e, a partir
disto, tudo sobre ela.
Fruta-de-veado, uvaião, pêssego do mato e
uvaí são outros nomes populares e parece que ubajaí vêm do guarani e quer dizer
"fruta torcida". De fato a fruta é meio disforme, mas tem a pele amarela
de veludo como a uvaia. Quanto ao sabor, lembra abacaxi, a própria uvaia e tem um
quê de cebola que não distorce o sabor frutado. Como outras frutas similares, é
ótima para geleias e molhos salgados como vinagrete ou molhos apimentados ou
agridoces. O suco feito com ela fica delicioso, assim como os drinques e os sorvetes.
A polpa é suculenta e com fibras macias que lembram a polpa de alguns tipos de
pêssegos quando maduros. Quando está mais firme, pode ser picada facilmente
para ser usada como tempero acidulante, em molhos vinagretes, por exemplo.
Em São Paulo há algumas árvores espalhadas
entre ruas e praças. Não é tão comum como pitangas, mas a florada é
inconfundível, portanto fique de olho nas mirtáceas que florescem no final de
agosto, logo depois das cerejeiras do Japão. Se avistar uma árvore inteiramente
florida como se tivesse sido coberta por flocos de neve, cheirosa e ruidosa, de tanto de abelha nativa que atrai, é ela.
A receita a seguir é baseada na de sambal, um molho do Sudeste Asiático que
pode ter fórmulas variadas, mas em geral é bem apimentado e pode levar uma
fruta como tamarindo para conferir o sabor agridoce. Ubajaí é ácida e doce com
um quê de cebola, logo vai muito bem, no lugar do tamarindo, neste molho para acompanhar carnes de panela,
peixes fritos, frango assado ou legumes grelhados. Ou coloque um pouco no recheio de sanduíches,
no lugar de ketchup, e nhac!
Molho agridoce picante de ubajaí
1 xícara de pimenta dedo-de-moça madura,
lavada, sem os cabinhos, mas com sementes, picada grosseiramente - pode
combinar com outras pimentas
1 xícara de cebola roxa picada grosseiramente
1/4 de xícara de óleo de girassol
1/4 de xícara de açúcar
1/2 colher (chá) de sal
300 g (uma xícara cheia) de polpa de ubajaí sem sementes picada finamente
Coloque no liquidificador as pimentas, a cebola e um pouco da água - o
suficiente para bater. Bata até triturar bem. Numa frigideira, aqueça o
óleo e despeje a mistura do liquidificador. Deixe fritar bem, até a mistura
começar a se separar do óleo, soltando perfume de cebola dourada. Junte, então,
o açúcar, o sal, a polpa da ubajaí picada e deixe cozinhar até o molho ficar
cremoso e denso, mexendo de vez em quando. Coloque em vidro aferventado
enquanto ele ainda está quente – despeje aos poucos, com o vidro sobre um pano,
para não quebrar. Tampe e guarde na geladeira por até 15 dias. Sirva frio
como acompanhamento de carnes, aves, peixe, legumes assados ou complemento para
sanduíches.
Rende cerca de 2 xícaras