Hoje tem coluna no Paladar, do Estadão. Você pode ler no próprio jornal impresso, no blog do caderno ou aqui no Come-se. As ervas e flores do quadro são todas da horta comunitária City Lapa, aqui na minha rua, do meu quintal e do quintal da vizinha.
Entre ervas e flores
Numa tarde bastante iluminada recebi a visita da Carla Saueressig, uma
das maiores especialistas em chá de São Paulo,
para conhecer as ervas aromáticas que cultivamos na horta comunitária da
minha rua e, entre manifestações de alegrias e de surpresa, saiu com a ponta do nariz verde como sua roupa,
de tanto cheirar folhas. Às vezes
espremida, esmigalhada ou só tocada, e Carla sabe o que é melhor, cada espécie
provocava um tipo de reação.
Dias antes Ana Luíza Trajano, do restaurante Brasil a Gosto, também esteve aqui para me trazer seu novo livro e conhecer
o espaço, que é mais um jardim de utilidades que uma horta clássica, e só no
final de visita, depois de já termos tomado chá em casa, é que percebi que a
fragrância cítrica que nos acompanhava vinha de sua mão que não havia soltado
as folhas de gerânio-de-cheiro e um galhinho de verbena que colheu momentos
antes. E foi embora segurando o arranjo.
Carla está, desde 1999, à frente d’ A
Loja do Chá - Teegschwendner, no Shopping Iguatemi e desde então participa
de provas e ajuda na criação de blends para a marca alemã. A simpática loja cheia de caixinhas e gavetas
etiquetadas não vende só os chás importados , mas também ervas, especiarias e
flores nacionais, como o mate, o chocochá
à base de nibs de cacau e misturas criadas por ela como o “pão de mel”, que
combina cacau, cardamomo e erva-doce. E
muitas outras opções para chás e infusões.
Para quem não sabe, chama-se chá
a bebida preparada com folhas de Camellia
sinensis, que podem ser tratadas de forma diferente conforme o resultado
que se deseja. Chá branco, preto ou
verde são todos preparados com a mesma folha. Bebidas feitas com outras espécies são
chamadas de infusões, mas no Brasil costuma-se
chamar todas de chá indistintamente. Afora
a questão semântica, o importante é saber o que se está tomando. Entendemos que um chá de hortelã é feito
apenas com esta erva, mas um chá com jasmim leva as folhas a C. sinensis mais as flores do
jasmim. Mais importante ainda é que
deveríamos tomar mais chás e menos refrigerantes, por exemplo.
Uma das queixas de Carla é de que no Brasil há pouca produção de ervas
aromáticas de qualidade. E quando há, são apenas aquelas mais comuns ou as
medicinais. Aliás, o que emperra o
consumo de chá de ervas aromáticas é que muita gente pensa nele apenas como
medicamento e não como fonte de prazer, como se dá com o café. Carla e eu
sabemos que é comum a gente convidar alguém para tomar um chá de erva e a
pessoa perguntar para que serve.
Emagrece, é bom para o fígado, é calmante, abaixa a pressão, colesterol? Pouca gente terá uma reação do tipo: Chá de verbena? Ah, que delícia!
Claro, todas ervas aromáticas e especiarias são medicinais, embora nem todas as medicinais sejam
aromáticas e gostosas, mas não precisamos ficar o tempo todo pensando em doença
ou só lembrar dos chás quando ela chega. Podemos pensar em chá como bebida que adoça a
vida, revigora a alma e ainda por cima acalma
os nervos, hidrata o corpo, promove saúde e evita doenças.
Carquejas, cavalinhas, milfolhas e
outras ervas amargas, deixemos para quando realmente precisarmos, na
doença. Na saúde, vamos levando com os chás gostosos. Nem vamos ficar inventando problemas. Não bastassem os problemas reais, vivemos a
buscar alguns imaginários, botando a
culpa no que comemos ou no pobre do fígado, que raramente se faz sentir – só pra lembrar, a escritora americana Elisabeth Bishop, quando
morou no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, ficava impressionada com a fixação
do brasileiro em falar dos males do fígado.
Hoje, não seria muito diferente e haja boldo! Não à toa, é a erva mais colhida na nossa horta.
A fitoterapia é uma opção terapêutica barata, eficaz e apropriada para a
maior parte dos problemas de saúde, porém as ervas aromáticas deveriam atrair
primeiro pelo aroma e pelo sabor, que é uma forma de nos atrair para o consumo
desinteressado e prazeroso. Os
benefícios para a saúde, e são vários, podem vir como mensagem subliminar. Moradores da
Ilha de Icaria, na Grécia, plantam ervas como sálvia, hortelã e alecrim
para preparar infusões que tomam no dia a dia, porque fazem bem para a saúde e também porque apreciam.
E, dizem, este pode ser o segredo da longevidade de que
tanto se vangloriam.
No interior da Bahia, manjericão não é conhecido como tempero, mas como
chá. Um chá gostoso que se dá a menino doente. Já o chá de flores e folhas de
catingueira, que lembra um suave perfume de jasmim de coloração amarelada, é
tomado por prazer, adoçado, no lugar do café.
O de flores de umbu lembra um pouco o chá de flor de sabugueiro, com
ligeiro perfume de mel. Já o limãozinho
(Pectis brevipedunculata), encontrado
na época de chuva à beira do Rio São Francisco – e também na Amazônia, lembra a verbena e pouca gente conhece, mas
quem já provou do seu chá, sabe o potencial que tem. Bobo de quem acha que estes chás são coisas
de gente pobre que não tem café. E sorte de quem estas iguarias por perto, um
verdadeiro luxo.
Mas Carla sabe que está longe o dia em que folhas e flores da Caatinga
chegarão ao mercado de chás, assim como ervas como as que plantamos na horta
comunitária: manjericão-anis , manjericão-cravo, gerânio cheiro-de-rosas,
gerânio-limão, canelinha, flores de lírio-do-brejo, malvaviscos vermelhos, flores
azuis de feijão-borboleta e tantas outras.
De nosso encontro, surgiu a ideia de um festival com chás brasileiros a
começar pelos da Caatinga, com tanta preciosidade escondida. Depois viriam
outros. Carla foi embora levando dois pacotes para estudar melhor, um de chá de
flor de catingueira e outro de folhas de umbu, azedinho.
Enquanto este dia não chega, vamos
nos divertindo com o que temos. Podemos
comprar ervas secas em lojas de chá, como a da Carla, encomendar as frescas
mais raras na Fazenda Maria ou tê-las em casa a partir de mudas da Sabor de
Fazenda ou feitas com galhos ou sementes que se ganham. Aproveitar cascas secas de frutas como de
cítricos e abacaxi também é uma boa ideia - Carla contou que a mãe sempre
mantinha as cascas de laranja penduradas para secar e depois perfumar
chás. Algumas espécies quando secas
ficam melhores para chás, é o caso da casca de laranja. E podemos ainda colher folhas de pitanga e de
goiaba, que também fazem chás perfumados, lembrando as frutas. Temos também as
flores de jasmim, de murta, de laranjeira, as tagetes, os cravos, malvaviscos e
tantas outras. Não será por falta de opções ou de dinheiro que vamos deixar de
tomar chás.
O picolé que apresento tem sabor agradável de rosas dado pelas folhas do
gerânio cheiroso e não pelas rosas, que só enfeitam, mas tome-o como uma partida
para suas próprias criações. Você pode mudar as ervas e flores conforme sua
disponibilidade.
Ficam as dicas
Para preparar infusões de ervas, um litro de água quase fervente, um
punhado de ervas, fogo desligado, chaleira tampada por 10 minutos e está
pronto. Se usar especiarias ou frutos, é
bom ferver por 5 minutos antes de deixar em repouso.
Combine ervas de acordo com suas características. Por exemplo, há ervas
que fornecem cor mas quase nada de sabor. Junte com outras que tenham sabor mas
pouca cor, como exemplo: flores azuis de feijão-borboleta com manjericão-anis;
perpétua-do-mato, que é vermelha, com folhas de gerânio cheiro-de-rosas, ou
gerânio cheiro-de-rosas com pétalas de rosas ou flores de perpétua pink etc.
Com a infusão pronta, use-a adoçada ou não para preparar ponches,
gelatinas, picolés, drinques, sorbets ou para cozinhar frutas.
Se for usar frutas, escolha aquelas que
não se desfazem para não turvar a bebida. Maçãs, abacaxis e cascas de laranja são
boas escolhas.
Chá de rosas em
palitos. Ou Picolé de gerânio com rosa
Infusão transpartente
com gerânio cheiro-de-rosas e verbena
2 xícaras de água
¼ de xícara de açúcar
1 xícara de folhas frescas de gerânio cheiro-de-rosas
½ xícara de folhas frescas de
verbena (erva-luísa)
2 colheres (sopa) de suco de limão
Algumas mini-rosinhas vermelhas
orgânicas ou cultivadas por você
Folhinhas de verbena
Leve a água com o açúcar ao fogo. Quando começar a querer ferver,
desligue o fogo, junte as folhas lavadas, tampe e espere 10 minutos. Escorra, espere esfriar e junte o suco de
limão.
Coloque o líquido em forma de gelo com formato bolinha. Espalhe entre
elas pétalas de mini-rosa e folhinhas de verbena. Deixe congelar. Fazer assim é um jeito de prender no lugar as
pétalas que sempre insistem boiar no líquido.
Infusão colorida com
gerânio cheiro-de-rosas e hibisco
2 xícaras de água
¼ de xícara de açúcar
1 xícara de folhas frescas de gerânio cheiro-de-rosas
2 sépalas de hibiscos secos ou frescos (os de fazer chá, da espécie Hibiscus sabdariffa) ou 2 malvaviscos
vermelhos para colorir
2 colheres (sopa) de suco de limão
Leve a água com o açúcar e hibisco ou malvavisco ao fogo. Deixe ferver
por 3 minutos, desligue o fogo, junte as folhas lavadas, tampe e espere 10
minutos. Escorra, espere esfriar e junte
o suco de limão. Leve ao freezer por uma
hora pra ficar bem gelado.
Monte o picolé: em forminhas de
picolé, distribua as bolinhas de gelo com as pétalas de rosa e despeje por cima
a infusão colorida bem gelada.
Se quiser, deixe um espaço nas forminhas e, com a mistura já congelada,
despeje por cima uma infusão usando mais hibisco – feita da mesma forma que a
infusão colorida, só que mais forte.
Rende: 6 a 8 picolés