Perto de Belém |
Hoje tem coluna Nhac no Paladar. Está no jornal impresso e lá no blog do caderno:
E tem quinta sem trigo, afinal não só a fruta in natura, mas também os beijus feitos com a pupunha e banana, são ótimas opções ao pão de todo dia. Reproduzo aqui o texto original com outras fotos além das que aparecem no jornal, que tirei em Belém e na Ilha do Marajó.
Perto de Belém - uma pupunha caída no chão |
No Paladar de Hoje:
Pejibaye, pijuayo, pibá - é tudo pupunha
Por Neide Rigo
Quem chega a Belém
do Pará a partir de meados do primeiro semestre se depara com um espetáculo de
cores de tirar o fôlego. Está a pupunha em plena safra. Seus cachos em tons
berrantes se acumulam nas ruas, pendurados em bancas, amontoados em carrinhos ou
deitados no chão. Às vezes os frutos já cozidos e descacheados aparecem sobre
uma bandeja carregada por um ambulante que vai se esguelhando entre os
fregueses, barracas e balaios do mercado do açaí ou do Ver-o-Peso: - Olha a pupunha, olha a pupunha! Nesta época,
para muitos paraenses, é o pão que come com café. A safra, porém, pode variar
conforme o tipo e a região.
Estou falando do
Pará porque foi lá que estive recentemente para participar do Festival
Ver-o-Peso da Comida Paraense, a convite da Embrapa Amazônia Oriental. Mas a
pupunha (Bactris gasipaes, Kunth) é
nativa das florestas tropicais da América do Sul e Central e está por toda esta
região. Um nome comum, em espanhol, é pejibaye
e em inglês, peach palm fruit. Porém
recebe outros específicos como chontaduro
e cachipay na Colômbia, pijuayo no Peru; pijiguao na Venezuela, tembé
na Bolívia e pibá no Panamá. Estes
nomes podem interessar a quem quer aprofundar a pesquisa sobre os usos deste
fruto, que são muitos.
Na América
pré-colombiana, o uso da pupunha entre os indígenas tinha uma importância muito
maior, não só como fonte de carboidratos, mas também de gordura, visto que a
variabilidade genética, morfológica e de composição é tão grande que há frutos de
10 a 250 g, com ou sem caroços, mais amiláceos, outros mais gordurosos, mais
lisos ou fiapentos, com casca de aparência uniforme, bicolor ou listrada, de
cor esverdeada, amarela, laranja ou vermelho intenso. E a planta ainda pode ter
caule liso ou espinhento. Alguns tipos são mais adaptados à produção de
farinha, outros, ao consumo direto, à extração de óleo ou do palmito.
Fora do Brasil, a
polpa é usada para fazer bebidas, tortillas, tamalles, bolos, saladas e
doces. Por aqui não é diferente. Entre
vários povos indígenas amazônicos ela é tão importante quanto à mandioca, talvez não mais porque só produza
durante uns quatro meses no ano. Para os povos Yanomami, Tukano, Mayongong, Dessana, Tucuna e Baniwa, só para
citar alguns, a importância se vê pelas festas que coincidem com a safra e os vários
mitos ao redor do cultivo e colheita. Variações das bebidas fermentadas podem
ser encontradas entre povos indígenas dos países produtores. A massa fermentada
a partir do fruto cozido é conservada por vários meses para ser diluída em água
no momento do consumo. Esta bebida refrescante recebe o nome genérico de
caiçuma entre nós ou de chicha em vários países da América Central – no Peru a
encontramos como masato de pijuayo.
Outras formas de prolongar
o uso para além da safra são as conservas salgadas dos frutos, as compotas, os
doces em pasta ou a farinha feita através da desidratação da polpa sobre
moquéns ou sob o sol. Em casa, cozinhei, ralei e sequei no forno baixo. Pena
que no Brasil tudo isto ainda é feito apenas artesanalmente, em pequena quantidade.
Não estamos muito
acostumados a comer frutas que não sejam suculentas ou que sejam impróprias
quando cruas. A pupunha é assim. Crua, pode ter cristais de oxalato de cálcio
na casca, que irrita a boca. Cozida e sem casca, está perfeita. Não é uma fruta suculenta e sim seca e amilácea
como uma batata doce ou uma castanha portuguesa. Aliás, seu gosto confunde-se
quando tentamos compará-lo a um sabor conhecido. Castanha portuguesa, abóbora, pinhão, batata-doce,
milho cozido e até alcachofra são alimentos lembrados numa mordida.
Atualmente, tanto
no Brasil quanto na Costa Rica, os dois grandes produtores, a maior parte do
cultivo não é para a produção de frutos e sim de palmito, pois trata-se de um
palmeira que se desenvolve rapidamente, bem mais que a palmeira juçara, cujo
extrativismo predatório para extração de palmito quase a levou à extinção, e
tem a vantagem de perfilar, ou seja, é possível extrair vários palmitos de uma
só planta. A produção de palmito poderia se limitar a lugares que não produzem
frutos, como em São Paulo, maior produtor. O problema é que o palmito tem ótima
demanda e boa distribuição por todo o país. Assim, mesmo as pupunheiras
produtivas de frutos do Norte podem dar lugar a plantas jovens para a extração
do palmito, o que é preocupante, pois o fruto pode virar artigo ainda mais
raro.
É que do ponto de
vista nutricional, os frutos são muito mais interessantes que o palmito, pois são
fontes concentradas de energia, seja aquela vinda dos carboidratos, nos frutos
mais farinhentos, ou da gordura rica em ácidos graxos insaturados, nos mais
oleosos. Eles têm ainda alto teor de pró-vitamina A, que poderia evitar
problemas de carência de hipovitaminose entre escolares, por exemplo.
Variedades não aproveitadas para o consumo direto poderiam facilmente virar
farinhas para, com vantagens nutricionais, complementar ou substituir
completamente o trigo em pães, tortas, mingaus ou biscoitos. Sem falar dos
caroços, que encerram uma amêndoa muito branca, crocante, com gosto de coco e
igualmente nutritiva.
A palmeira ainda
fornece madeira usada na construção de barcos, casas e artesanato além das flores
jovens, também comestíveis.
Como ingrediente, a
pupunha aparece aqui e ali em pratos de chefes e na cozinha doméstica, mas numa
posição muito inferior à importância que representa. Muitos usos foram
esquecidos, talvez por ser carimbada como comida de índio. E isto não é só
aqui. Tanto que na Costa Rica, a pupunha está incluída na Arca do Gosto,
projeto do Slow Food que cataloga e divulga produtos em risco de
desaparecer.
Na Ilha do Marajó,
por onde também passei, já foi mais
consumido o mingau de pupunha com banana da terra, hábito indígena. E me
contaram que antigamente faziam beijus de pupunha, cuja receita se perdeu no
tempo. Foi pensando neste mingau, nos
beijus e nas tortillas das América Central, que fiz estes beijus de pupunha com
banana e farinha de mandioca, como umas tortillas, para comer com recheio de
carne de porco e as castanhas da pupunha picadas. Mas como recheio de carne moída
com feijão também ficam bons. Se você não encontra pupunhas no mercado da
esquina – apesar de a fruta ser resistente e viajar bem -, não deixe de
encomendar ao próximo amigo que passar pelo Norte e experimentar esta versão e
tantas outras possibilidades.
Como preparar
Cozidas: as cascas brilham de óleo |
Comprei e cozinhei diferentes tipos. Tem pra todos os gostos |
Mais escuras, mais pálidas, mais farinhentas, mais oleosas |
Os frutos: lave bem os frutos, coloque numa
panela, cubra com água e cozinhe de 50 a 80 minutos ou até amaciar – espete com garfo para saber. Se for para
comer puro, acompanhado de café, coloque sal na água, uma colher de sopa para
cada 5 litros. Para descascar, basta ir puxando com os dedos a película,
começando pelo bico. Para usar, basta partir o fruto ao meio, tirar o caroço e
socar no pilão, passar na máquina de moer carne ou ralador, bater no
liquidificador ou processador, a depender do uso. Um outro jeito de cozinhar é
manter no cacho. Quando os frutos começam a se soltar é porque estão prontos.
Depois de cozidos, eles se conservam por vários dias na geladeira. Podem ser
também congelados.
No centro da fruta, o coquinho ou amêndoa |
A polpa cozida foi tirada do redor. Sobrou o coquinho com casca fina |
Só uma martelada leve basta para quebrá-lo |
É só picar e usar |
As amêndoas: depois de cozidos os frutos, separe
os caroços ou coquinhos e quebre-os com um martelo, sem fazer muita pressão
para não esmagá-los. Eles quebram facilmente. Tire as amêndoas, pique finamente
e use em recheios, dourados na manteiga sobre peixes, no pão etc.
As bananas para o beiju |
Que fica como uma tortilla ou um chapati |
É só passar manteiga ou rechear e nhac! |
BEIJUS DE PUPUNHA E
BANANA COM RECHEIO DE CARNE DE PORCO
Para os beijus
200 g de banana da terra cozida
200 g de pupunha cozida e ralada
40 g de farinha de mandioca fina
1 pitada de grãos de cominho tostados
½ colher (chá) de sal
2 colheres (chá) de açúcar
Bata tudo no processador ou passe as bananas cozidas em espremedor de
batatas e, numa tigela, misture junto
com os outros ingredientes com as mãos, até formar uma bola. Divida em 10 porções e faça bolinhas. Coloque
as bolinhas entre duas folhas de plástico e pressione usando duas tábuas
pequenas de cozinha ou uma prensa mexicana para tortilhas, até que fiquem bem
finas. Se preferir, use rolo de macarrão e tente abrir o mais circular possível,
sempre entre folhas de plástico. Puxe uma folha de plástico e mantenha a outra.
Passe o círculo para a mão aberta com o plástico que sobrou virado pra cima. Tire
a outra folha. Sobre uma chapa ou frigideira antiaderente bem quente, deixe
cair o beiju que está na mão, com cuidado para não quebrar. Cozinhe por cerca
de 1 minuto ou até dourar. Vire e deixe dourar do outro lado. Repita o mesmo
procedimento com as demais.
Recheio de carne de
porco
2 dentes de alho
1 colher (chá) de sal
1 colher (sopa) de suco de limão
350 g de carne de porco finamente picada na ponta da faca
2 colheres (sopa) de azeite
1 colher (chá) de colorau (urucum)
1 colher (chá) de cominho tostado e triturado
1 cebola pequena picada
1/3 de pimentão médio verde picado
1/3 de pimentão médio vermelho picado
1 pimenta dedo de moça picada
1 tomate médio sem sementes picado
As amêndoas da pupunha usada na massa
4 colheres (sopa) de salsinha picada
Soque o alho com o sal, junte o suco de limão e tempere a carne. Deixe
descansar por 1 hora.
Numa panela, coloque o azeite , deixe aquecer e junte a carne. Cozinhe,
mexendo, até dourar (cerca de 20 minutos). Acrescente o colorau e o cominho e
mexa. Em seguida, junte a cebola, os pimentões, a pimenta e o tomate.
Acrescente as amêndoas (quebre os caroços da pupunha e retire o cerne ou
amêndoa) sem casca, picadas. Cozinhe,
mexendo sempre, por cerca de 5 minutos ou até os legumes ficarem macios. Prove
o sal e corrija, se necessário. Por fim, acrescente a salsa e sirva com os
bijus.
Rende: 10 porções
Cena comum nas ruas de Belém ou de Soure, na Ilha do Marajó |
São coloridos |
Vendedores em Soure, Ilha do Marajó, sempre nos cachos |
Não há banca que suporte. Colocam os cachos na rua mesmo |
Cerca de 3 reais o quilo, no cacho |
No Mercado do Açaí |
No Marajó, a arara gosta do fruto cozido. Curucacas roubam as frutas no pé |
6 comentários:
Olá Neide, parabéns pelo seu trabalho! Eu sou do interior de São Paulo e adoraria experimentar a pupunha, o palmito eu tenho comprado por aqui e gosto muito. Na capital tem pra vender? Obrigada e abraço.
Janete
Oi Neide
Muito bacana essa matéria, mesmo!
Tem muita pupunha por aqui, mas o fruto não é consumido.
Eu ja tinha ouvido falar que é consumido no norte/nordeste, mas nem sabia como.
Que bom, é sempre um prazer estar aqui no seu blog e aprender essas simplicidades extraordinárias
Um beijo!
Boa noite Neide. Aqui em Ubatuba existe uma fazenda de pupunha. O proprietário vende na feira, in natura, e na época das frutas, de vez em quando leva um ou dois cachos. Comprei no ano passado para experimentar e amei o sabor, a cor e a textura, mas fiz apenas um pirão, sem caldo de nenhuma carne. Congelei em porções e durou um ano. Delicioso.
Imagino seus beijus tão lindos, que manjar devem ter ficado. Mas as castanhas daqui são impossíveis de comer. Pequenas, duras e sem sabor. Como você disse, deve ser outra variedade.
Oi Neide, a amiga perguntando no facebook sobre essa espécie, e pensei logo em voce :) voce conhece?
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=801950683169493&set=a.476628989034999.111803.100000637071053&type=1&theater
Muito grata, Neide! Vou passar pra ela. Bj :)
Oi Neide... A banana da terra cozida vc usa madura ou verde? Obrigada!
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