Por aqui a primavera chegou e não perguntou se estamos passando pela pior seca dos últimos anos. As plantas estão se comportando como se nada estivesse acontecendo, cheias de brotos, cheias de flor. Brócolis, cará-moela, taiobas, uvas, manjericões. Nem por isto alguém vai poder me apontar o dedo dizendo que ter planta no quintal é um luxo no atual momento volume-morto.
É Uauá-BA, mas por aqui não está diferente |
O fato é que economizar água já não é mais aquilo de usar a máquina de lavar só quando tiver roupas sujas em quantidade suficiente para enchê-la, escovar dentes com a torneira fechada, desligar o chuveiro enquanto se ensaboa ou usar a água da máquina de lavar para lavar o quintal. Tudo isto é o óbvio. Agora, com as torneiras realmente secas e com os reservatórios em seus piores momentos, é preciso ir além. Mas o pouco que nos resta de água podemos dividir com nossas plantas.
Dizem que não há racionamento, mas já há uns dois meses que a água é cortada à noite e só volta pela manhã no meu bairro. Quem chega em casa tarde e sai de manhã para trabalhar tem que depender da água da caixa que nem sempre suporta os gastos de uma família. Aqui em casa, por enquanto, só a torneira com água que vem direto da rua é que seca. A caixa, embora pequena, tem conseguido nos suprir. Isto porque temos racionado de verdade.
A água da pia da cozinha, já estava guardando e, no banheiro, o copinho do sifão do lavatório foi tirado para recolher a água de lavagem de mão num balde (a economia aí não é muito grande - cerca de um balde por dia). Mas percebi que o grande gasto de água se dava mesmo na lavagem de roupa. As máquinas podem chegar a usar 120 litros por lavagem. Queria descobrir um jeito de usar menos água e ainda reaproveitá-la integralmente para regar as plantas (a lavagem do quintal pode esperar). Então, o único jeito de aproveitá-la integralmente era reduzir drasticamente o uso do sabão (amaciante já não uso há bastante tempo). Quanto menos sabão, menos água para enxague. Testei algumas possibilidades que vou mostrar aqui. Dá só um pouco de trabalho e, como só lavo roupa uma vez por semana, toda a água acumulo e vou usando pura ou diluída com a da cozinha, dependendo do método usado.
ME - da captura das leveduras até a fermentação com água e melado de cana |
Minha primeira aventura foi substituir o sabão em pó por ME (Microorganismos Eficientes), usados como inoculante para fazer o adubo natural bokashi - um tipo de probiótico para o solo. O ME pode ser comprado pronto, mas resolvi fazer o meu, claro. Não é muito simples, mas é divertido. Tive que levar um tanto de arroz cozido a um bosque para captar as leveduras e ir buscar depois de alguns dias. Tem que separar os fungos escuros e só deixar os coloridos. Depois disso, mistura-se melado e água e deixa mais uns dias fermentando em ambiente anaeróbio, até acabar a produção de gás. No final, terá uma mistura cheia de leveduras e enzimas que pode ser usada não só como inoculante para o bokashi como também como produto de limpeza e vários outros usos. No livreto explicativo, que você pode acessar aqui, diz que é bom como desengordurante, para lavar banheiro, azulejos, lavar roupa e tirar o cheiros de roupas e ambientes. Então, comecei a usar para lavar toalhas, lençóis e roupas limpas só suadas. Funciona bem e fica melhor se a roupa for seca rapidamente ao sol ou na máquina de secar elétrica. A roupa fica com cheiro neutro. Se a roupa fica úmida por muito tempo, os microorganismos parecem continuar crescendo. Só estou relatando aqui por curiosidade, pois sei que ninguém vai ter paciência para cultivar ME (eu cultivo o meu adicionando mais arroz cozido e melado, como se fosse um kefir). A vantagem é que toda a água - a de lavagem e um enxague pode ser jogada no jardim.
Saponária - 5 bolinhas limparam toda esta roupa |
Estava comprando flores no Ceagesp com minha vizinha Ana quando avistei um arranjo de bolinhas verdes ornamentais, lisas e brilhantes com cara de uvas. Perguntei o que era e o vendedor respondeu: saponeteira. Já ia indo embora quando fiquei matutando, saboneteira, saboneira..., com este nome só pode ter saponina, deve fazer espuma. Voltei, comprei o maço e assim que cheguei em casa, junto com a Ana, amassei uma, esfreguei um paninho e, claro, fez espuma. Peguei o que tinha de mais gorduroso sobre a pia e lavei com o paninho. Pimba na bolinha! Fez espuma e desengordurou um potinho de manteiga. Só então fui buscar informações e fiquei sabendo que estas bolinhas, Sapindus saponaria, são chamadas de sabão de soldado justamente porque substituem o sabão. Ou já substituíram um dia. E fiquei sabendo também que as nozes de espécie parecida, na Europa, são vendidas como sabão ecológico. As de lá chegam do Nepal, o que gera certa discussão sobre sustentabilidade, mas as nossas são nativas e na cidade de São Paulo há algumas espalhadas por aí (eu já ganhei minhas mudas da amiga Ana Laura). Ainda preciso testar frutos do juazeiro (minha faxineira diz que a mãe usava como sabão e pasta de dente e a gente sabe que também tem saponinas, por isto as indústrias usam em cremes dentais). Mas só não uso mais destes frutinhos porque acabei com todos e minha árvore ainda é pequena. É só bater no liquidificador, em água morna, umas 5 bolinhas, peneirar e jogar o líquido na máquina de lavar. Descobri que a melhor coisa a fazer para limpar a roupa quando usa métodos não ortodoxos é deixá-la de molho de um dia para outro. A sujeira amolece e sai facilmente com a agitação da máquina. Se você tem um tanquinho, melhor ainda, porque a espuma realmente aparece. Mas espuma não é fundamental. Então, encontrando uma árvore em frutos, faça o teste. A roupa fica macia (o cabelo, não, já vou avisando).
Com ou sem bolinha, água limpa igual |
Bolinha de cerâmica x Água pura
Eu nem conhecia estas bolinhas, mas quando estava comentando com minha amiga Carol sobre as bolinhas de saponária, ela pensou que eu falava destas de cerâmica encapadas por uma concha de plástico furada e que promete lavagem de roupa sem sabão. Fiquei encantada com a promessa e acabei ganhando uma da minha vizinha Ana. Lavei imediatamente uma maquinada de roupa bem suja do sítio. Deixei de molho de um dia para outro e lavei. E tchan tchan... a roupa saiu razoavelmente limpa e ainda pude aproveitar toda a água e usar um enxague apenas. Acabei fazendo propaganda e devo ter influenciado duas ou três vizinhas a comprarem também - aproximadamente R$ 70,00 cada uma. Depois de mais duas ou três lavagens, duas ou três propagandas, resolvi que antes de propagandear no blog, por exemplo, deveria fazer outros testes, já que os dizeres na caixa me parecem meio fantasiosos, pseudo-científicos. Todos os selos na caixa são de tecnologia e design. Como o produto é coreano, não dá nem pra saber se são verdadeiros estes selos. Será mesmo possível que simples bolinhas de cerâmica possam ser tão poderosas a ponto de esterilizar, higienizar, eliminar cheiros? E a promessa de que dura 1095 lavagens com eficiência comprovada em laboratório (sic)?
Bem, resolvi testar uma mesma maquinada de roupas sujas sem usar a bolinha e nada mais. Um molho, uma batida, centrifugação e um enxague. E, pasme, o resultado foi o mesmo. Ou seja, se você tem roupa limpa, só empoeirada e suada pra lavar, deixar de molho em água e depois lavar e enxaguar leva ao mesmo resultado que a bolinha proporciona. Conclusão, a bolinha serviu pra mostrar que usamos muita artilharia para pouca briga. Usamos mais produtos de limpeza do que realmente precisaria. Parei de fazer propaganda.
Sabão caseiro
Devido à falta de saponária e à conclusão de que as bolinhas de cerâmica não passam de efeito placebo, tenho recorrido ao sabão caseiro que faço de tempos em tempos com óleo usado aqui em casa e o da faxineira. A receita está aqui. Uso apenas um pedaço do tamanho de um cubo de gelo ou menor até e bato no liquidificador com um pouco de água quente. Despejo esta quantidade na máquina de lavar e deixo de molho de um dia para outro. Lavo normalmente, centrifugo e uso apenas um ou dois enxagues dependendo da sujeira da roupa. Esta quantidade de sabão mal chega a fazer espuma, então, uso a água da lavagem e do enxague misturadas para regar as plantas.
Para clarear roupas amareladas
Em vez de água sanitária, basta bater algumas folhas de mamão, coar e deixar de molho neste suco, sob o sol, as roupas que pretende clarear. Já mostrei aqui.
Para captar a água que vai regar o jardim
Instalei estes galões ao lado da máquina de lavar e desviei a mangueira de saída para uma das tampas - que só abro quando a máquina está em uso. Inicialmente era apenas um, mas tinha que sair correndo para encher mais baldes. Então comprei uma conexão de piscina, fiz buracos nos dois recipientes e encaixei perfeitamente sem deixar margem para vazamentos. Assim que um galão encheu, a conexão leva a água para o outro. Nos dois, instalei mangueiras, também bem ajustadas, sem vazamentos, que tampo com rolhas. Para facilitar o trabalho, encomendei este banquinho para meu cunhado Darly, marceneiro (que gentilmente me presenteou), assim posso enfiar baldes embaixo das mangueiras. Esta água usada da máquina não é muito cheirosa depois de um ou dois dias, mas como os galões ficam totalmente fechados você só vai sentir o cheiro na hora de usar - e, sei por experiência, as plantas nem ligam pra isso. E carregar baldes para molhar as plantas é garantia de músculos fortes.
O perfume
Claro, a roupa lavada sem sabões perfumados não será uma roupa perfumada, mas simplesmente com cheiro de roupa limpa, que significa sem cheiro algum. É difícil mudar comportamentos, trocar aquele cheiro de amaciante ou sabão em pó por cheiro algum, eu sei. Mas não custa tentar. O bom é que não teremos cheiro de produtos de limpeza interferindo na fragrância do perfume (e eu adoro perfumes). Experimente usar vinagres perfumados como amaciante. E para deixar panos de cozinha ou lençóis cheirosos, gosto de juntar à água de enxague uma boa quantidade de infusão de limão com manjericão-cravo ou manjericão-anis. Pode não restar muito do perfume depois de a roupa estar seca, mas ao menos na hora de estender no varal. Outra possibilidade é, se você ainda passa roupas - eu só passo camisas e o resto passo pelo batente da porta -, use uma água perfumada com água de flor de laranjeira ou de rosas.
Como manter a horta comunitária em tempos de seca
Nossa horta comunitária City Lapa está sofrendo, mas não está morta. Tive a ideia de instalar lá uma "cacimba" para que os vizinhos depositassem ali água de reúso (de enxágue de verduras, de roupas etc). Escrevemos um convite no poste convocando a colaboração e deixamos lá. Algumas pessoas não acreditavam que o galão não seria roubado, mas já tem mais de dois meses e está lá, sempre com um certo volume de água doada por voluntários anônimos. Quando chego lá e encontro um pouco de água, pego o regador, que também fica pendurado no poste, e rego as plantas mais agonizantes. E assim elas têm se mantido.
A terra sempre úmida conserva as minhocas para o bravo sabiá laranjeira |