Eles chegaram dispersamente, presentes de comer, de plantar para comer, de cozinhar pra comer, de temperar pra comer, de abrir e abocanhar. De amigos queridos e até de quem nunca vi pessoalmente, como o excelente livro do Francis Mallmann com dedicatória e tudo, Setes Fogos, à venda na Livraria Cultura. Está aqui ao meu lado desde que chegou. Cada dia dou uma bocada, sonhando com as delícias.
Azeite de argan, ganhei dois, um da amiga Mônica Manir e outro do Pedro Henrique, que sempre me trazem mimos de suas viagens. O sabor amendoado deste azeite é incrivelmente bom.
Panforte também ganhei dois, um da Tanya Volpe e outro da Neka, que me mandou também granola. Ainda bem que ninguém vai me perguntar qual panforte é o melhor. Vai dar empate.
A Janaína, do Aliás, me mandou feijões (alubias maragato) que trouxe da Espanha. Um tanto já cozinhei e o que sobrou, advinhe se não vou plantar em Piracaia. É para lá que vão também os mangaritos que Mara Salles acabou de me trazer, todos já em brotos. A colheita no próximo ano será boa.
Talvez volte amanhã. Se não, meu muito obrigada aos mais de três mil leitores que passam por aqui todos os dias e àqueles mais assíduos que fazem comigo este blog através dos comentários, críticas e sugestões. A todos, meu desejo de um mundo melhor e um ano novo de saúde e alegrias!
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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Bolinhos de fubá com amendoim. Ou quinta sem trigo 43
Inspirados nos beñes que fiz no Senegal e com a lembrança dos bolos de frigideira que minha mãe, tias e as duas avós faziam e chamavam de bororó ou caxambu (e eu nunca vi estes nomes em outras famílias), resolvi fazer estes bolinhos que ficam fofos e com sabor intrigante, diferente dos tradicionais bolos de fubá com erva-doce. Assim como aconteceu naquelas oficinas, estes também podem ser fritos como bolinhos de chuva. Mas eu gosto assim, sem gordura, cozido na chapa. São tão sequinhos que o açúcar com canela mal gruda na superfície. Pode ser uma opção sem glúten e mais leve às rabanadas para as crianças com doença celíaca. E também adultos, claro. Aliás, esqueçamos o light com a ideia que acabo de ter, acho que vou chacoalhar este açúcar aí de cima, guardar na geladeira para ressecar um pouco e, quem sabe, na noite de natal empanar com leite, ovos e fubá, fritar e aí sim cobrir com açúcar e canela. Será que vai funcionar? A ver.
Bolinho de frigideira com fubá e amendoim
2 ovos
1/3 de xícara de açúcar (usei cristal, orgânico)
1/2 xícara de água
1 colher (sopa) de água de flor de laranjeira ou suco de limão
1 pitada de sal
1/4 de xícara de farinha de amendoim (amendoim torrado e triturado no liquidificador ou passado pelo moinho)
3/4 de xícara de fubá (usei orgânico)
Raspas de um limão
Meia colher (chá) de bicarbonato de sódio ou 1 colher (chá) de fermento químico
Açúcar com canela para polvilhar
Na batedeira, bata os ovos com o açúcar até formar uma mistura fofa. Junte a água e a água de flor de laranjeira ou suco de limão e continue batendo. Adicione os demais ingredientes, menos o açúcar de polvilhar, e bata numa velocidade menor, só para homogeneizar. Aqueça uma chapa de pedra ou uma frigideira anti-aderente e unte a superfície com óleo. Coloque pequenas porções, ajeite com a colher para que fiquem redondas e deixe cozinhar em fogo baixo, até a superfície de cima começar a ficar firme. Vire com uma escumadeira e deixe dourar do outro lado. Se quiser, frite em bastante óleo. Escorra bem e polvilhe farinha de baobá (baobá passado por peneira).
Rendimento: cerca de 20 bolinhos
Bolinho de frigideira com fubá e amendoim
2 ovos
1/3 de xícara de açúcar (usei cristal, orgânico)
1/2 xícara de água
1 colher (sopa) de água de flor de laranjeira ou suco de limão
1 pitada de sal
1/4 de xícara de farinha de amendoim (amendoim torrado e triturado no liquidificador ou passado pelo moinho)
3/4 de xícara de fubá (usei orgânico)
Raspas de um limão
Meia colher (chá) de bicarbonato de sódio ou 1 colher (chá) de fermento químico
Açúcar com canela para polvilhar
Na batedeira, bata os ovos com o açúcar até formar uma mistura fofa. Junte a água e a água de flor de laranjeira ou suco de limão e continue batendo. Adicione os demais ingredientes, menos o açúcar de polvilhar, e bata numa velocidade menor, só para homogeneizar. Aqueça uma chapa de pedra ou uma frigideira anti-aderente e unte a superfície com óleo. Coloque pequenas porções, ajeite com a colher para que fiquem redondas e deixe cozinhar em fogo baixo, até a superfície de cima começar a ficar firme. Vire com uma escumadeira e deixe dourar do outro lado. Se quiser, frite em bastante óleo. Escorra bem e polvilhe farinha de baobá (baobá passado por peneira).
Rendimento: cerca de 20 bolinhos
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Senegal - temperos naturais x aditivos artificiais
Pimenta-do-reino e pimenta malagueta |
Djar ou pimenta-de-macaco |
O djar, que conhecemos aqui como pimenta-de-macaco, sobre a qual já falei aqui e acolá), é usado para fazer o café touba, e confere um aroma especial que parece ser uma combinação de várias especiarias refrescantes. Ninguém usa a especiaria para mais nada além do café, mas ela fica incrível em bolos, como este de licuri, por exemplo.
Netetou: outro tempero intrigante são as sementes fermentadas da espécie Parkia biglobosa, conhecidas em wolof como netetu ou netetou (em mandinga, sumbala, sunbala, sungala, sumara; em hausa, dawadawa ou daddawa; e, em Yoruba, iru). A planta chamada de nére é uma fabácea encontrada em várias regiões da África e tem diversas utilidades. As sementes trituradas viram farinha, as folhas jovens podem ser consumidas depois de cozidas como verdura; os grãos torrados fazem as vezes do café; as flores podem ser consumidas em saladas e o netetou é usado para dar sabor a molhos de cebola e sopas e atenuar o sabor forte de certos peixes. Aliás, toda a planta, da casca à raiz, tem propriedades fitoterápicas.
Netetou, que eu trouxe |
O netetou é um tempero tradicional feito especialmente por mulheres ao sul de Casamance e envolve várias etapas, como o cozimento das vagens por longas horas, socar em pilão com areia para tirar a pele e depois nova cocção para amaciar. Só então vai para sacos de jutas para fermentar por mais de dois dias. São vendidos os grãos soltos ou aglomerados em bolas. O sabor lembra de natô, bem punjente. Aliás, há várias adulterações do netetou tradicional e uma delas é usar a soja - usam ainda sementes de hibisco, de baobá ou outros grãos. Mas quem conhece, sabe diferenciar.
Pode não ser muito extensa a paleta de temperos senegaleses, mas as mulheres sabem usá-lo com propriedade. São temperos pungentes, alguns picantes e outros ácidos como hibisco seco, tamarindo e baobá, formando um bom equilíbrio. Sem falar na pasta de amendoim que confere sabor amendoado a muitos pratos.
Ingredientes para o molho de cebola que leva ainda as pimentas lá de cima |
Caldo maggi: o problema é que a indústria alimentar é tão eficiente e poderosa no seu marketing que atualmente todo prato senegalês salgado leva caldo maggi ou cubos genéricos, como se os pratos tradicionais fossem ruins antes da existência deles, o que não pode ser verdade. Enquanto o netetou é rico em proteínas e certamente em vitaminas do complexo B por ser fermentado, os cubos são ricos em sódio e outros aditivos que não fazem bem a ninguém. Então, por que?
Ingredientes para o beñe |
Mas os aditivos não recomendáveis numa cozinha saudável e gostosa não ficam só nos pratos salgados. Alguém inventou que para que os beñes (bolinhos levedados, entre um sonho e um bolinho de chuva) ficassem gostosos, precisavam levar, entre os ingredientes, suco em pó - corante, aromatizante e flavorizante. E assim todos os beñes ficaram com cor de pêssego ou abacaxi, sendo que umas raspinhas de laranja ou limão fariam melhor papel.
Ingredientes para o suco de baobá |
O mesmo acontece com os sucos. No dia da apresentação do resultado da primeira oficina fiquei muito feliz em ver que seria servido suco de baobá, bebida feita com ingrediente local, bem em sintonia com a proposta das aulas. Uma grande quantidade de polpa foi deixada de molho. Misturaram bem para a massa se soltasse das sementes. Depois peneiraram e pronto, pra mim, bastava botar açúcar que já estava delicioso, pois o baobá é acido e tem sabor pronunciado. Mas juntaram noz moscada e água de flor de laranjeira. Até aí, ainda tudo bem. Continuava gostoso, embora o sabor da fruta já começasse a se dispersar. Mas foi então que começaram a estragar o suco sem dó. Juntaram leite em pó, muito açúcar, açúcar vanila, essência de banana e suco em pó sabor abacaxi. Não consegui mais encontrar o rico baobá subjugado pela artificialidade impiedosa.
Na apresentação da última oficina também fizeram refresco de bissap, muito popular no Senegal. É preparado com as flores secas de hibisco, a mesma água de jamaica dos mexicanos. Quando feito a partir da infusão de água e açúcar é uma delícia refrescante sem igual. Só que não reconheci na bebida o gosto do bissap nunca mais. Não vi fazendo, mas tenho certeza que juntaram ali também um suco em pó sabor framboesa, morango, vai saber. Por que, meu Deus, por que?
Senegal - Mercados
Koumpentoum |
Mbour |
Na viagem de fevereiro conheci o mercado de peixes em Dakar e fiquei impressionada com o colorido e o frescor dos peixes. Desta vez visitei um mercado de rua pequeno no vilarejo de Kompentoum, mais para o interior, e, em Mbour, no litoral ao sul de Dakar, um grande mercado aberto, que começa na rua, adentra por galerias fechadas e chega ao mar, onde tem o mercado de peixes. Ali, sim, pode ser encontrado de tudo: hortaliças coloridas arrumadas caprichosamente, frutas cheirosas como laranjas e melancias, cebolinhas frescas, montanha de sal cujas porções são retiradas com pá, especiarias para salgados e doces, feijões de corda de várias cores, polpas brancas de baobás e bissaps secos (hibiscos) para os sucos, kenkeliba para o chá, incensos, roupas, óculos, cangas, roupas usadas, tudo. E, no porto, os peixes que chegam ainda vivos, se sujando na areia. Ao lado dos barcos, milhares de conchas - a carne branca e firme é vendida já cortada em cubos, para cozidos. Dá vontade de perguntar sobre tudo, mas todo mundo quer vender para turista e ali, nem que quiséssemos, poderíamos disfarçar nossa condição. É uma pressão violenta para que gastemos nosso dinheiro. Se apenas perguntamos o preço e não levamos, querem saber porque não. Se o preço é alto, querem saber quanto você acha justo. Não tem esta de perguntar por perguntar ou só estou dando uma olhadinha, como fazemos aqui. Por isto, não comprei muita coisa. Mas que tive vontade, tive.
Mbour |
Mbour |
Em kompentoum circula menos dinheiro e, embora toda a comida seja preparada em grande quantidade como mostrei aqui, fiquei impressionada com os pacotinhos de certos ingredientes como feijão e macarrão cabelo de anjo, como você pode ver nas fotos do álbum abaixo. São pacotes tão pequenos que cabem na palma da mão fechada. As aletrias talvez sejam para a papinha de bebês, não descobri. Os feijões, quem sabe, para decorar o arroz. Na mesma feira podemos encontrar pacotes pequenos com os temperos locais ou não, como massa de tomate em saquinhos, netetou, djar, lalo, pimenta malagueta seca e até vinagre ou caldo maggi em pó. Há também pequenos moinhos que trituram a farinha de milhete, de sorgo e de milho e fazem a manteiga de amendoim que me fez falta no café da manhã.
Apesar da diferença de tamanho, tanto o mercado de Mdour como o de Koumpentoum, me fizeram lembrar das feiras de rua da Bahia, como a de São Joaquim, por exemplo. Até o embrulhinho do amendoim é igual. Porém, senegaleses gostam de ser muito mais coloridos. Veja as fotos - juntei os três lugares de que falo.
Senegal - Café da manhã e bebidas quentes
Mesmo nos hotéis mais ajeitadinhos, tirando o ótimo Massa Massa, de Thiés, o café da manhã nos lugares por onde andei, no Senegal, não era a refeição mais apetitosa e reconfortante do dia. Chegava a ficar desanimada quando via aqueles sachês de nescafé e de leite em pó. Era sempre assim, mesmo nas aldeias. O leite é coisa rara e por isto servem os pozinhos, que são muitas vezes desengordurados para tirar o creme e reconstituídos com gorduras vegetais. Até que lembra leite (agora, pense no lixo que representam estes sachês individuais por todo canto).
O pão tipo baguete chamado de tapalapa é feito com trigo branco em fornos de barro e é facilmente encontrado nas aldeias. Para acompanhar, margarina feita em Dakar que não derretia nem depois de um dia inteiro sob sol quente. No começo estranhei bastante, mas depois inventei um jeito de tornar a refeição mais atraente. Como não gosto de margarina, para não comer o pão seco, preparava um copo de nescafé com leite, adoçava com um cubo de açúcar e ia comendo nacos de pão encharcado até me sentir satisfeita. Dava pra começar bem o dia assim, mas ficava pensando porque não o café touba? Ele aparecia de vez em quando, mas era raro diante da onipresença do nescafé.
Por lá não se bebe bebida alcóolica. As rodinhas são formadas por outro motivo. Durante o dia, no fim da tarde ou à noite, nas vilas ou nas aldeias, é possível ver grupos de homens, mulheres, jovens e até crianças sentados em cadeiras em volta de um braseiro com uma chaleira de água quente. É momento de descontração e alegria. Fazem ali o chá da China adoçado e perfumado com menta. Mas não é simplesmente fazer a infusão e beber. Há um ritual. Primeiro que ninguém faz chá para beber sozinho e depois, precisa de muita paciência para ficar passando parte do chá de um copo para outro até formar bastante espuma. Quando a espuma está branca, volumosa e densa, despeja-se tudo de novo na chaleira e a bebida quente é servida em copos pequenos como de licor. Quanto há menta, bem, colocam-se as folhas. Se não, uma balinha tipo walda resolve. Veja uma das fotos do álbum. Diante dos elogios do chá fortemente mentolado, embora super doce como sempre, o rapaz desembrulhou o segredo de um guardanapo de papel às gargalhadas pela malandragem inocente. De vez em quando as rodinhas mudam o repertório e preparam café touba.
Falando em chá, num dos dias quando dormimos na aldeia, o café da manhã foi servido no quarto de alguém. Eu havia acordado muito cedo, já tinha passeado bastante e estava morrendo de fome. Já eram quase nove horas quando nos chamaram para o café no quarto de alguém - nos sentamos na cama e o café foi posto no chão. Tudo igual aos outros: pão, margarina, cubos de açúcar e sachês individuais de leite e nescafé. Mas, para nossa alegria, entrou em cena um chá pelo qual me apaixonei. Era o Kenkiliba, folha de uma árvore da espécie Combretum micranthum, parente da planta que temos aqui na caatinga, a Combretum leprosum ou mofunbo, cujas folhas são usadas por seus efeitos anti-asmáticos. No Senegal, o chá é usado como digestivo, contra malária, hipertensão e há quem a indique até conta HIV e doenças de fígado. Mas também pode ser servido por ser gostoso no lugar do chá da china. Achei aromático quase como um chá mate e, junto com leite, me fez lembrar os chais indianos.
Nas estradas ele é vendido amarrado em grandes cilindros afunilados como uma grande baguete amarrada. Fiquei arrependida por não ter trazido um desses amarrados, mas comprei na feira um pouco das folhas soltas e já estou lamentando que logo vão se acabar.
Ninguém pediu minha opinião, mas se pedissem para sugerir um café da manhã senegalês bem gostoso, ele teria pães feitos com milho, milhete ou sorgo, como os feitos pelo Michel e James, com manteiga de amendoim, farta por lá, café touba, beñes de banana e milhete e amendoim sem fritura, infusão de kenkeliba com leite, melancia e refrescos de hibisco, de baobá e de tamarindo. Eu ficaria bem feliz em começar assim meu dia.
Veja as fotos:
O pão tipo baguete chamado de tapalapa é feito com trigo branco em fornos de barro e é facilmente encontrado nas aldeias. Para acompanhar, margarina feita em Dakar que não derretia nem depois de um dia inteiro sob sol quente. No começo estranhei bastante, mas depois inventei um jeito de tornar a refeição mais atraente. Como não gosto de margarina, para não comer o pão seco, preparava um copo de nescafé com leite, adoçava com um cubo de açúcar e ia comendo nacos de pão encharcado até me sentir satisfeita. Dava pra começar bem o dia assim, mas ficava pensando porque não o café touba? Ele aparecia de vez em quando, mas era raro diante da onipresença do nescafé.
Por lá não se bebe bebida alcóolica. As rodinhas são formadas por outro motivo. Durante o dia, no fim da tarde ou à noite, nas vilas ou nas aldeias, é possível ver grupos de homens, mulheres, jovens e até crianças sentados em cadeiras em volta de um braseiro com uma chaleira de água quente. É momento de descontração e alegria. Fazem ali o chá da China adoçado e perfumado com menta. Mas não é simplesmente fazer a infusão e beber. Há um ritual. Primeiro que ninguém faz chá para beber sozinho e depois, precisa de muita paciência para ficar passando parte do chá de um copo para outro até formar bastante espuma. Quando a espuma está branca, volumosa e densa, despeja-se tudo de novo na chaleira e a bebida quente é servida em copos pequenos como de licor. Quanto há menta, bem, colocam-se as folhas. Se não, uma balinha tipo walda resolve. Veja uma das fotos do álbum. Diante dos elogios do chá fortemente mentolado, embora super doce como sempre, o rapaz desembrulhou o segredo de um guardanapo de papel às gargalhadas pela malandragem inocente. De vez em quando as rodinhas mudam o repertório e preparam café touba.
Falando em chá, num dos dias quando dormimos na aldeia, o café da manhã foi servido no quarto de alguém. Eu havia acordado muito cedo, já tinha passeado bastante e estava morrendo de fome. Já eram quase nove horas quando nos chamaram para o café no quarto de alguém - nos sentamos na cama e o café foi posto no chão. Tudo igual aos outros: pão, margarina, cubos de açúcar e sachês individuais de leite e nescafé. Mas, para nossa alegria, entrou em cena um chá pelo qual me apaixonei. Era o Kenkiliba, folha de uma árvore da espécie Combretum micranthum, parente da planta que temos aqui na caatinga, a Combretum leprosum ou mofunbo, cujas folhas são usadas por seus efeitos anti-asmáticos. No Senegal, o chá é usado como digestivo, contra malária, hipertensão e há quem a indique até conta HIV e doenças de fígado. Mas também pode ser servido por ser gostoso no lugar do chá da china. Achei aromático quase como um chá mate e, junto com leite, me fez lembrar os chais indianos.
Amarrados de Kenkeliba encostados à árvore |
Nas estradas ele é vendido amarrado em grandes cilindros afunilados como uma grande baguete amarrada. Fiquei arrependida por não ter trazido um desses amarrados, mas comprei na feira um pouco das folhas soltas e já estou lamentando que logo vão se acabar.
Ninguém pediu minha opinião, mas se pedissem para sugerir um café da manhã senegalês bem gostoso, ele teria pães feitos com milho, milhete ou sorgo, como os feitos pelo Michel e James, com manteiga de amendoim, farta por lá, café touba, beñes de banana e milhete e amendoim sem fritura, infusão de kenkeliba com leite, melancia e refrescos de hibisco, de baobá e de tamarindo. Eu ficaria bem feliz em começar assim meu dia.
Veja as fotos:
Senegal - cozinhas e jeitos de cozinhar e comer
Como disse nos posts anteriores, nos vilarejos do Senegal não é comum haver um cômodo da casa chamado cozinha ou algo similar. Pode, sim, haver um local fechado para se guardar os utensílios e mantimentos, como se vê numa das fotos do álbum abaixo. As casas resumem-se a várias cabanas com cerca de 25 metros quadrados que servem de quarto, mas também de sala íntima e até de sala de jantar, se necessário - quando lá fora está muito quente ou chove, a comida é servida nesta parte da casa. De resto, a ala social e de cozinha é o páteo aberto.
Demora-se muito no preparo do alimento. Não só porque é feito sempre em grande quantidade para a família numerosa, mas também porque não existe muitas facilidades. O feijão de corda tem que ser debulhado no pilão, peneirado, escolhido. O arroz consumido em grande quantidade geralmente é importado e já vem limpo, mas muita gente nos vilarejo consome o arroz local que também vai ser limpo no pilão. Para o pilão vai ainda o milhete, cereal farto por lá, mas de limpeza super trabalhosa, pois o grão é minúsculo e revestido com película resistente que tem que ser removida para o preparo da farinha, do mingau e do cuscuz. Por isto, muita gente tem trocado o milhete pelo arroz. Nas cidades maiores é comum vermos bujões de gás com uma boca de fogo, fácil de transportar para o quintal e recolher se for preciso. Nas minhas oficinas usamos estes fogareiros. Mas nas aldeias o fogo de lenha é improvisado no chão, sobre o qual se apoiam grandes panelas com pezinhos.
A comida é feita geralmente em panelas grandes, mexida com enormes escumadeiras. Muita gente da família pode ajudar no preparo coletivo da comida, mas numa casa onde há duas ou mais esposas, elas se revesam a cada dois dias ou uma por semana, a depender da combinação, já que nem sempre elas se combinam e a disputa para ver quem faz a melhor comida para o marido pode ser acirrada.
Na hora de comer, a comida é servida sempre bem quente, o arroz ou cuscuz por baixo e a mistura por cima, que pode ser peixe, frango ou carne de cabrito ou vaca, sempre com algum legume ou ao menos muita cebola. Ou pode ser só carne com pão. Como não há geladeira, a comida é sempre muito fresca e saborosa. Minha única implicância é em relação à quantidade de óleo excessiva e o tal caldo maggi que aparece em tudo. Nas aldeias, menos. Antes, o óleo de amendoim extraído artesanalmente era o preferido, mas hoje nem todos tem acesso a este óleo mais puro - em muitas aldeias ainda há prensas para isto -, e optam pelo óleo refinado do mercado. E quanto ao caldo maggi, sinceramente acho que é dispensável já que os temperos como pimentas malaguetas, pimenta-do-reino, cebola, massa de tomate, tamarindo, vinagre e ervas são ingredientes que sempre acompanham os tais cubos - eles poderiam sair de cena que ninguém sentiria falta. Mas falo dos tempero depois.
Para comer, as mãos. Direita, sempre. Colher, só se estiver acontecendo uma oficina como a nossa por perto. Mas não é comum nas casas, mesmo para medir ingredientes - nas oficinas fiquei sabendo que minhas medidas em colheres não seriam tão fáceis de serem seguidas. Para servir mingaus - com bolinhas de milhete, por exemplo, são usadas colheres feitas de cabaça, mas quem come tem que entornar a caneca ou cuia. Pratos de louça, individuais, também não há. Precisei de um numa das oficinas e não encontraram de jeito nenhum, nem nas casas, pra emprestar. Só travessas grandes de aço inoxidável ou bacias. Os utensílios costumam ser lavados com duas ou três bacias de água apoiadas no chão. Para secar, qualquer superfície mais alta e ensolarada serve de escorredor, como se vêem nas fotos. Pano de prato não há.
Uma coisa interessante é que as mulheres não se agacham como os ortopedistas preconizam, dobrando os joelhos. Elas se abaixam com as pernas retas, fazendo um vê com o corpo. E o mais incrível é que, seja por isto ou por treinar o equilíbrio da coluna com bacias de água na cabeça ou filhos nas costas, elas são as mulheres mais eretas que já vi. Não se vêem mulheres arcadas, com ombros caídos e corpos pendendo para um lado, como é comum vermos por aqui.
Aqui, mais fotos:
Demora-se muito no preparo do alimento. Não só porque é feito sempre em grande quantidade para a família numerosa, mas também porque não existe muitas facilidades. O feijão de corda tem que ser debulhado no pilão, peneirado, escolhido. O arroz consumido em grande quantidade geralmente é importado e já vem limpo, mas muita gente nos vilarejo consome o arroz local que também vai ser limpo no pilão. Para o pilão vai ainda o milhete, cereal farto por lá, mas de limpeza super trabalhosa, pois o grão é minúsculo e revestido com película resistente que tem que ser removida para o preparo da farinha, do mingau e do cuscuz. Por isto, muita gente tem trocado o milhete pelo arroz. Nas cidades maiores é comum vermos bujões de gás com uma boca de fogo, fácil de transportar para o quintal e recolher se for preciso. Nas minhas oficinas usamos estes fogareiros. Mas nas aldeias o fogo de lenha é improvisado no chão, sobre o qual se apoiam grandes panelas com pezinhos.
A comida é feita geralmente em panelas grandes, mexida com enormes escumadeiras. Muita gente da família pode ajudar no preparo coletivo da comida, mas numa casa onde há duas ou mais esposas, elas se revesam a cada dois dias ou uma por semana, a depender da combinação, já que nem sempre elas se combinam e a disputa para ver quem faz a melhor comida para o marido pode ser acirrada.
Na hora de comer, a comida é servida sempre bem quente, o arroz ou cuscuz por baixo e a mistura por cima, que pode ser peixe, frango ou carne de cabrito ou vaca, sempre com algum legume ou ao menos muita cebola. Ou pode ser só carne com pão. Como não há geladeira, a comida é sempre muito fresca e saborosa. Minha única implicância é em relação à quantidade de óleo excessiva e o tal caldo maggi que aparece em tudo. Nas aldeias, menos. Antes, o óleo de amendoim extraído artesanalmente era o preferido, mas hoje nem todos tem acesso a este óleo mais puro - em muitas aldeias ainda há prensas para isto -, e optam pelo óleo refinado do mercado. E quanto ao caldo maggi, sinceramente acho que é dispensável já que os temperos como pimentas malaguetas, pimenta-do-reino, cebola, massa de tomate, tamarindo, vinagre e ervas são ingredientes que sempre acompanham os tais cubos - eles poderiam sair de cena que ninguém sentiria falta. Mas falo dos tempero depois.
Para comer, as mãos. Direita, sempre. Colher, só se estiver acontecendo uma oficina como a nossa por perto. Mas não é comum nas casas, mesmo para medir ingredientes - nas oficinas fiquei sabendo que minhas medidas em colheres não seriam tão fáceis de serem seguidas. Para servir mingaus - com bolinhas de milhete, por exemplo, são usadas colheres feitas de cabaça, mas quem come tem que entornar a caneca ou cuia. Pratos de louça, individuais, também não há. Precisei de um numa das oficinas e não encontraram de jeito nenhum, nem nas casas, pra emprestar. Só travessas grandes de aço inoxidável ou bacias. Os utensílios costumam ser lavados com duas ou três bacias de água apoiadas no chão. Para secar, qualquer superfície mais alta e ensolarada serve de escorredor, como se vêem nas fotos. Pano de prato não há.
Uma coisa interessante é que as mulheres não se agacham como os ortopedistas preconizam, dobrando os joelhos. Elas se abaixam com as pernas retas, fazendo um vê com o corpo. E o mais incrível é que, seja por isto ou por treinar o equilíbrio da coluna com bacias de água na cabeça ou filhos nas costas, elas são as mulheres mais eretas que já vi. Não se vêem mulheres arcadas, com ombros caídos e corpos pendendo para um lado, como é comum vermos por aqui.
Aqui, mais fotos:
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Senegal - as casas, as construções
Nas cidades grandes do Senegal as casas são convencionais, mas basta se afastar um pouco rumo aos povoados do interior que começamos a ver grandes terrenos cercados com muros de blocos ou de fibras vegetais. Mal comparando, seria como nossos condomínios de casas, com a diferença que aqui os vizinhos pouco se conhecem e que lá o terreno é ocupado por uma só família, às vezes constituída do marido, suas mulheres, seus filhos, seus pais e às vezes seus irmãos que se distribuem por pequenas cabanas.
Tive a curiosidade de medir várias dessas cabanas e todas têm o mesmo tamanho de aproximadamente cinco por cinco metros, segundo meus cálculos em passos. A estrutura do telhado com troncos amarrados e cobertura vegetal é feita toda no chão e só depois apoiada sobre as paredes. O tamanho pequeno colabora com este fácil deslocamento. Dentro dela, cama, algum móvel ou vara para roupas, fotos nas paredes e alguns poucos objetos pessoais.
No páteo é onde as coisas acontecem. Como a chuva é coisa rara na maior parte do ano, tudo pode ser feito ali, de descansar a se banhar, passando por socar os cereais no pilão, secar os grãos colhidos, fazer o chá de toda hora, cozinhar em panelões sobre lenhas e comer.
Estas construções têm baixo impacto ambiental pois são feitas com recursos locais. Para a cobertura vegetal é usada a planta salguf, nome em wolof da espécie Eragrostis cilaris, encontrada facilmente nos campos. Para as cercas vegetais usam os galhos de ndur ou Cassia tora. As paredes podem ser feitas com tijolos de adobe, combinando barro e alguma planta - encontrei poucas cabanas feitas assim. Ou blocos crus feitos com cimento e areia local.
Quase todas as construções que vi nos vilarejos começavam com o feitio dos blocos em moldagem manual - a mistura de areia com cimento, úmida como uma farofa, é colocada numa forma, prensada com a força dos braços de quem faz e depois desenformada direto no lugar onde vai ficar até secar. Um a um. Quase como fazer torrões de açúcar. Os blocos preparados assim têm cor de terra e por isto as cabanas mesmo sem reboco são sempre tão charmosas. Tanto a palha da cobertura como a cor terrosa das paredes se confundem com a paisagem natural do lugar, tornando-se parte dela, diferente dos nossos blocos cor de cimento, menos feios quando rebocados ou caiados, mas totalmente destoante das cores da natureza. Por dentro as cabanas podem ser caiadas, mas por fora, quase não vi cores. As do albergue onde fiquei eram caiadas - branco por dentro e cor avermelhada por fora. Mas não é comum.
Para proteger do sol, sempre há um elevado geralmente feito de alvenaria como um banco largo, coberto com sapê. Deve ter um nome. Ali brincam as crianças sem sapato ou descansam adultos depois do almoço. Se for de cimento, não precisa ter nada por cima. Se é de madeira, sempre haverá um tapete. Na frente das lojas sempre tem de madeira. Mas podem colocar colchões, especialmente quando chega uma visita, para ela poder descansar. Quando chegamos àquela aldeia no escuro, nos ofereceram colchão com lençol limpinho para o descanso. Achei até que já estavam me mandando dormir. Mas não, acham que você se cansou com a viagem e precisa descansar um pouco. Mas como não sou de descansar se não é pra dormir, agradeci e me aquietei pouco ali. Este mesmo elevado sombreado também é usado para servir o almoço e o jantar - fica todo mundo trepado ali, sem sapato, sentado em volta do prato de comida.
Nas aldeias os banheiros quase sempre se resumem a uma fossa com tampa. Para o banho propriamente dito pode-se usar uma cabana ou o próprio quintal. Não vi nenhuma cozinha dentro de casa. Costuma-se cozinhar com lenha na parte externa, assim também as casas não ficam esfumaçadas. Mesmo nas casas de alvenaria é assim, mas falo das cozinhas depois. E se a família não tem muitos recursos, assim que consegue prefere investir em um banheiro menos precário. A cozinha continua pra fora, não incomoda. Mas, melhor ver as fotos:
Senegal - as roupas, os panos
Os senegaleses dão muita importância para a vestimenta. Não são apenas peças para proteger o corpo do sol escaldante, do vento ou da areia. Crianças ainda vestem roupas comuns como calça comprida e camiseta, ainda que tenham sido embaladas quando bebês nos tecidos coloridos. E também os homens, que alternam bubus, conjunto de bata larga e calça, com calças jeans e camiseta ou camisa - talvez só durante o intervalo para lavar o traje. Mas, a não ser nas grandes cidades como Dacar ou Thiés, quase não se vêem mulheres trajando vestes diferentes dos lindos vestidos longos com pano de cabeça do mesmo tecido.
Há modelos femininos mais justos no corpo, com recortes decorados com enviés e fechados com ziper. Mas mulheres casadas parecem preferir modelos mais soltos, com ombros à mostra, uma ode à liberdade corporal. Embora a população do Senegal seja predominantemente muçulmana - nos vilarejos, mais ainda -, durante toda a viagem vi apenas uma mulher, aliás uma menina-moça casada, com véu e roupa que só deixava à mostra o rosto. As outras, não. Se a saia é fechada pela frente apenas com sobreposição, usam toda a sensualidade em danças para os maridos erguendo e abaixando o tecido em movimentos insinuantes para deixar as pernas e roupas íntimas à mostra. E as roupas íntimas podem ser um mínimo saiote enfeitado e um shortinho agarrado em cores berrantes. Como sei? Uma das alunas me mostrou às gargalhadas e perguntou se eu não dançava assim para o meu marido. Quando fico sem graça, fotografo. Ela nem ligou e até posou para a foto, que não mostro aqui. Imagino que como cada homem tem até quatro mulheres elas precisam usar de muitos artifícios para se destacar na competição e a roupa é um poderoso instrumento de sedução. Sim, há competição entre elas, fiquei sabendo.
Os homens também são vaidosos. E a qualidade da roupa - tipo de costura e de tecido, claro, dependem da condição social. Alguns usam o mesmo bubu durante três ou quatro dias, mas os mais vaidosos trocam a cada dois dias e vestem conjuntos bonitos, bem passados, às vezes de linho ou outro tecido bom, com bordados ou barrados decorativos. Os mais simples podem ser comprados prontos, às vezes costurados com pouco capricho - nos arremates, no tamanho do ponto, no corte. Muitos, porém, compram o tecido e mandam costurar no alfaiate. Era o caso do meu tradutor e do assessor de imprensa que nos acompanhou. Estavam sempre impecavelmente vestidos. A roupa não tem relação com a religião, é apenas a moda senegalesa que todos amam seguir, mas o gorro com pompom ou alguns tipos de decotes podem diferenciar confrarias do islamismo.
Há muitos costureiros espalhados pelos vilarejos. Vi mulheres também, mas há mais homens e até meninos pilotando a máquina de costura e o ferro de passar aquecido com brasas. Homens usam também tecidos decorados, mas as mulheres se destacam entre o colorido dos tecidos estampados ou, quando lisos, bordados. Uma ou outra usa turbante de cor diferente da do vestido. Isto acontece mais quando o lenço é de um tecido especial como renda com brilho ou voal, mas geralmente é feito do mesmo tecido que o vestido. E, se você só conhece dois ou três jeitos de amarrar um pano na cabeça, iria se maravilhar ao ver a diversidade de formas e laços. Quanto menos tímido o laço, mais bonito. Alguns são verdadeiras esculturas em cabeças de rainhas.
As lojas de tecidos são fartas. Um dia a estamparia africana já teve mais simbologias e foi feita com barro e técnica de batik - que impermeabiliza partes do tecido para que a tinta só tinja as áreas escolhidas. Hoje estes tecidos são mais raros e caros. Os tecidos mais comuns, encontrados nas lojas populares, são geralmente importados de países europeus ou Índia (China, talvez) com estampas que imitam o batik. Estes tecidos mais baratos são os usados na maioria dos vestidos que se vêem, mas também para servir de lençol, de cortina ou para amarrar bebês nas costas. Suas estampas, figurativas ou geométrica, são bonitas, grandes, em cores às vezes berrantes e combinações inusitadas. Nas lojas também há tecidos como lese de algodão, tules e organzas bordados e, embora estes tecidos mais caros sejam destinados a vestidos de casamento e festas, não é raro encontrar meninas-moças com vestidos festivos, com muito brilho e cores fortes, em dias da semana, em casa, sem nenhum motivo especial - não que eu tenha sabido.
Parece que as mulheres seguem à risca o desejo de estar bonitas seja onde for, com ou sem motivo. O motivo é estar viva, andar pela feira, carregar balde de água na cabeça, socar milhete no pilão ou simplesmente para dar um pouco de colorido àquela planície semi-árida onde as casas, as cercas, a areia fina e a vegetação na maior parte do ano parecem ter tudo a mesma cor marrom de fogo.
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Há modelos femininos mais justos no corpo, com recortes decorados com enviés e fechados com ziper. Mas mulheres casadas parecem preferir modelos mais soltos, com ombros à mostra, uma ode à liberdade corporal. Embora a população do Senegal seja predominantemente muçulmana - nos vilarejos, mais ainda -, durante toda a viagem vi apenas uma mulher, aliás uma menina-moça casada, com véu e roupa que só deixava à mostra o rosto. As outras, não. Se a saia é fechada pela frente apenas com sobreposição, usam toda a sensualidade em danças para os maridos erguendo e abaixando o tecido em movimentos insinuantes para deixar as pernas e roupas íntimas à mostra. E as roupas íntimas podem ser um mínimo saiote enfeitado e um shortinho agarrado em cores berrantes. Como sei? Uma das alunas me mostrou às gargalhadas e perguntou se eu não dançava assim para o meu marido. Quando fico sem graça, fotografo. Ela nem ligou e até posou para a foto, que não mostro aqui. Imagino que como cada homem tem até quatro mulheres elas precisam usar de muitos artifícios para se destacar na competição e a roupa é um poderoso instrumento de sedução. Sim, há competição entre elas, fiquei sabendo.
Os homens também são vaidosos. E a qualidade da roupa - tipo de costura e de tecido, claro, dependem da condição social. Alguns usam o mesmo bubu durante três ou quatro dias, mas os mais vaidosos trocam a cada dois dias e vestem conjuntos bonitos, bem passados, às vezes de linho ou outro tecido bom, com bordados ou barrados decorativos. Os mais simples podem ser comprados prontos, às vezes costurados com pouco capricho - nos arremates, no tamanho do ponto, no corte. Muitos, porém, compram o tecido e mandam costurar no alfaiate. Era o caso do meu tradutor e do assessor de imprensa que nos acompanhou. Estavam sempre impecavelmente vestidos. A roupa não tem relação com a religião, é apenas a moda senegalesa que todos amam seguir, mas o gorro com pompom ou alguns tipos de decotes podem diferenciar confrarias do islamismo.
Há muitos costureiros espalhados pelos vilarejos. Vi mulheres também, mas há mais homens e até meninos pilotando a máquina de costura e o ferro de passar aquecido com brasas. Homens usam também tecidos decorados, mas as mulheres se destacam entre o colorido dos tecidos estampados ou, quando lisos, bordados. Uma ou outra usa turbante de cor diferente da do vestido. Isto acontece mais quando o lenço é de um tecido especial como renda com brilho ou voal, mas geralmente é feito do mesmo tecido que o vestido. E, se você só conhece dois ou três jeitos de amarrar um pano na cabeça, iria se maravilhar ao ver a diversidade de formas e laços. Quanto menos tímido o laço, mais bonito. Alguns são verdadeiras esculturas em cabeças de rainhas.
As lojas de tecidos são fartas. Um dia a estamparia africana já teve mais simbologias e foi feita com barro e técnica de batik - que impermeabiliza partes do tecido para que a tinta só tinja as áreas escolhidas. Hoje estes tecidos são mais raros e caros. Os tecidos mais comuns, encontrados nas lojas populares, são geralmente importados de países europeus ou Índia (China, talvez) com estampas que imitam o batik. Estes tecidos mais baratos são os usados na maioria dos vestidos que se vêem, mas também para servir de lençol, de cortina ou para amarrar bebês nas costas. Suas estampas, figurativas ou geométrica, são bonitas, grandes, em cores às vezes berrantes e combinações inusitadas. Nas lojas também há tecidos como lese de algodão, tules e organzas bordados e, embora estes tecidos mais caros sejam destinados a vestidos de casamento e festas, não é raro encontrar meninas-moças com vestidos festivos, com muito brilho e cores fortes, em dias da semana, em casa, sem nenhum motivo especial - não que eu tenha sabido.
Parece que as mulheres seguem à risca o desejo de estar bonitas seja onde for, com ou sem motivo. O motivo é estar viva, andar pela feira, carregar balde de água na cabeça, socar milhete no pilão ou simplesmente para dar um pouco de colorido àquela planície semi-árida onde as casas, as cercas, a areia fina e a vegetação na maior parte do ano parecem ter tudo a mesma cor marrom de fogo.
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Senegal - a energia, a luz, a escuridão
Não sei se por seleção natural, por treinar os olhos ao perto na falta de luz ou no olhar sempre o horizonte daquela planície sem fim, o fato é que não vi, por onde andei e consegui enxergar, gente míope entre os senegaleses.
Luz falta sempre, mesmo em Dakar. Mas nos vilarejos é comum ficarem na mais completa escuridão. Ou sob uma luz tênue de alguma lâmpada ligada na bateria de carro - a mesma que carrega as baterias de celulares que quase sempre cumprem bem a função de lanterna. Ou, quem sabe, uma televisão ligada que também ilumina.
Queria chegar à aldeia onde passamos uma noite, perto de Koumpentoum, ainda de dia para poder ver e cumprimentar as pessoas às claras, mas várias paragens pelo caminho nos fizeram atrasar. Míope que sou, enxergo muito mal à noite. E, ainda no caminho, paramos numa feira em seu final mas ainda em balburdia, já no breu total. Eu dava passos na insegurança de quem vai tropeçar, mas nosso anfitrião seguiu seguro até a banca que vendia café touba (café aromatizado com pimenta-de-guiné ou djar, doce). A vendedora percebeu que havia no grupo três pessoas pálidas e desajeitadas e iluminou nossos rostos com uma lanterna. Não para ajudar, embora fosse solícita, mas para espiar. Enquanto tomávamos o café refrescante e delicioso, em copo grande com bastante espuma, ela de vez em quando nos iluminava a cara. Só por gosto de ver melhor o diferente. Assim, só chegamos à aldeia lá pelas oito da noite, ou talvez sete, não nos importávamos com os ponteiros. Só o sol e a lua eram nossos guias. As crianças brincavam em volta de uma fogueira. Algumas faziam lição na penumbra e outras se concentravam no chá que faziam sobre um braseiro e depois passavam de um copinho para outro para formar espuma. Um fogo cozinhava a comida no quintal - neste dia comemos cuscuz de milhete, e num canto uma mulher escolhia amendoins. Tudo no escuro.
Estive com eles, as duas mulheres do anfitrião e seus nove filhos, conversei dentro dos limites possíveis entre duas línguas que em nada coincidem, português e wolof, jantamos já bem tarde e fui para minha cabana com uma sensação horrível de que acordaria, me encontraria com aquelas mesmas pessoas e não as reconheceria, porque não consegui diferenciar suas fisionomias. Ao quarto alguns meninos foram junto, me ajudaram a carregar as duas malas grandes e um pequeno me mostrou a luz fraca que havia conseguido instalar para mim - a única privilegiada da aldeia com luz no quarto, ligada a uma bateria sobre uma mesa com vários celulares carregando. Outro menino me mostrou simpático um cadeado que ele mesmo conseguiu para que eu fechasse a porta de zinco mal encaixada e me sentisse segura. Como se precisasse.
Meu medo era só de bichos. Deixei a luz fraca acessa mas ela logo se extinguiu. Ao lado da cama, preventivamente, já tinha deixado uma vela acessa. Antes de dormir, a apaguei, com medo de acidentes, afinal tudo ali parecia tão inflamável, a começar pela cobertura de sapê. No meio da noite acordei quando algo com certo peso e molejo caiu do teto sobre minha perna. Esperneei um pouco para me desvencilhar e a coisa se foi. Não tive coragem de acender a vela e ver o que era. Um rato, um calango, um gato, não sei e não quis saber. Puxei o lençol, fiz uma cabana presa nos pés e na cabeça e tentei dormir sob um calor terrível. Acho que consegui pois logo chegou a manhã e eu me levantei.
Como previ, foi estranhíssimo não reconhecer as pessoas da noite anterior. Mas eles me reconheceram muito bem e isto foi confortante. Bem, tudo isto só para dizer que senegaleses parece que enxergam no escuro. Está certo que o céu é estrelado como em nenhum outro lugar e nisto a falta de luz é prodigiosa.
Na minha infância fui acostumada à falta de luz no sítio dos meus avós, no Paraná. Mas tudo era preparado para que ninguém sentisse muito a ausência da energia. O ferro de passar era aquecido com brasas do fogão - isto cheguei a ver no Senegal, igualzinho - e o chuveiro era daqueles de balde, que a gente enchia com água aquecida e o erguia através de uma roldana para que a água caísse sobre a cabeça. Era só abrir a trava e a água saía morninha pelos furos como um regador de gente. Tínhamos assim um banho até que bom antes do jantar que acontecia antes do entrar da noite. E a iluminação das lamparinas era capaz de espichar um pouco mais a duração do dia, arrematado invariavelmente com estórias de assombração contadas por meus avós sentados ao redor do fogão de lenha pitando cigarro de palha. A noite era falseada só um pouco, afinal dormíamos cedo para acordar com as galinhas ou assim que o sol batesse nas frestas da janela, para aproveitar toda a claridade do dia.
Mesquita ao amanhecer |
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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Senegal - a água
Claro, já tinha consciência da importância da água, mas foi mesmo naquela manhãzinha em que acordei numa cabana da pequena aldeia no interior do Senegal que me dei conta do artigo luxuoso que ela é.
Passava pouco das seis da manhã e, como chegamos no lugar à noite, não tinha visto nada do lugar. E também poucas crianças haviam me visto (se bem que eles enxergam no escuro, é incrível). Por isto, acordei assim que clareou e fui andar, seguida por crianças curiosas me perguntando coisas em wolof e risonhas das minhas respostas ininteligíveis. Começaram a me mostrar tudo o que achavam interessante. Esta é minha vaca. Quer ver as mulheres tirando água? Veja este fruto, a gente come a semente. Olha lá o pessoal socando o milhete para o cuscuz. Venha ver o rebanho de cabras. Aqui é nossa mesquita. E coisas assim. Sem entender uma palavra em wolof (um cumprimento e resposta e alguns nomes de espécies vegetais, vá lá), tenho certeza que me disseram tudo isto.
De tudo, de tudo mesmo o que vi, o que mais me impressionou foram aquelas mulheres tirando água do poço. Um poço fundo, com mais de cinquenta metros, todo revestido de cimento, com suporte para umas quatro carretilhas rodeado de mulheres puxando baldes remendados a seis mãos que se alternavam para dar ritmo contínuo às cordas. Simpáticas, ao me verem interessada, ofereceram a corda para que eu ajudasse. Bem que tentei. Puxei um pouco, mas me atrapalhei no ritmo, achei pesado demais e logo fui meio que expulsa aos risos de chacota. O movimento ao redor do poço era intenso, o trabalho era pesado, num ir e vir com bacias cheias na cabeça para abastecer os potes das casas, mas a alegria era contagiante, com ânimo para palmas durante a coreografia das mãos.
Ninguém ali é só, todo trabalho individual se junta para o bem coletivo e a alegria é pra ser dividida. Mas, voltando à água, vou me lembrar daquela cena a cada banho prolongado que porventura vier a acontecer por distração ou toda a vez que vir alguém empurrando um folha de acácia mimosa com um jato forte de água limpa na calçada. Ou lavando carro com a mangueira aberta abandonada no chão.
O Sahel, a faixa de terra ao sul do Saara onde fica o Senegal, tem pouca chuva. A maior parte do ano é de seca, com aquela vegetação cor de fogo se misturando com o chão de areia fina da mesma cor. E é raro ver uma poça d´água doce à medida que se afasta da costa. Dakar tem uma praia linda, com água cristalinas. De qualquer forma, o que se quer é água doce. Para conseguir água boa, os poços tem que ser profundos e nas aldeias é difícil ter energia elétrica para bombas. Então, aqueles braços fortes são conquistados na base de muita puxação de corda. E o equilíbrio e a coluna ereta, graças ao peso do carregamento, que não é só de água.
Depois, gasta-se pouco nos banhos, para lavar roupas, lavar louça, para beber e pra levar ao banheiro, em chaleiras de plástico chinesas. Tudo com moderação, sem desperdícios. Antes das refeições sempre aparecem duas pequenas bacias para se lavar as mãos, uma com produto, como costumam dizer, que é uma água com detergente. E outra, limpa, para enxaguar. Todos lavam ali suas mãos. No fim das refeições, a mesma coisa, porque a gente vai estar com a mão melecada de ter comido cabrito, arroz, peixe. E depois, circula entre todos uma grande canela com água fresca para beber. Não vi ninguém passar sede, mas nas aldeias não há hortas, que precisam ser regadas. E os animais, sempre que podem, também bebem água limpa. O que seria de nós sem água? Hoje, no mundo, muita gente já sabe.
Mais fotos no álbum:
E agora, dando uma de colegial, uma divagação, que água tem poesia:
Água dos miseráveis minguados,
Passava pouco das seis da manhã e, como chegamos no lugar à noite, não tinha visto nada do lugar. E também poucas crianças haviam me visto (se bem que eles enxergam no escuro, é incrível). Por isto, acordei assim que clareou e fui andar, seguida por crianças curiosas me perguntando coisas em wolof e risonhas das minhas respostas ininteligíveis. Começaram a me mostrar tudo o que achavam interessante. Esta é minha vaca. Quer ver as mulheres tirando água? Veja este fruto, a gente come a semente. Olha lá o pessoal socando o milhete para o cuscuz. Venha ver o rebanho de cabras. Aqui é nossa mesquita. E coisas assim. Sem entender uma palavra em wolof (um cumprimento e resposta e alguns nomes de espécies vegetais, vá lá), tenho certeza que me disseram tudo isto.
De tudo, de tudo mesmo o que vi, o que mais me impressionou foram aquelas mulheres tirando água do poço. Um poço fundo, com mais de cinquenta metros, todo revestido de cimento, com suporte para umas quatro carretilhas rodeado de mulheres puxando baldes remendados a seis mãos que se alternavam para dar ritmo contínuo às cordas. Simpáticas, ao me verem interessada, ofereceram a corda para que eu ajudasse. Bem que tentei. Puxei um pouco, mas me atrapalhei no ritmo, achei pesado demais e logo fui meio que expulsa aos risos de chacota. O movimento ao redor do poço era intenso, o trabalho era pesado, num ir e vir com bacias cheias na cabeça para abastecer os potes das casas, mas a alegria era contagiante, com ânimo para palmas durante a coreografia das mãos.
Toda gente leva ao banheiro as chaleiras de plástico com um pouco d´água |
O Sahel, a faixa de terra ao sul do Saara onde fica o Senegal, tem pouca chuva. A maior parte do ano é de seca, com aquela vegetação cor de fogo se misturando com o chão de areia fina da mesma cor. E é raro ver uma poça d´água doce à medida que se afasta da costa. Dakar tem uma praia linda, com água cristalinas. De qualquer forma, o que se quer é água doce. Para conseguir água boa, os poços tem que ser profundos e nas aldeias é difícil ter energia elétrica para bombas. Então, aqueles braços fortes são conquistados na base de muita puxação de corda. E o equilíbrio e a coluna ereta, graças ao peso do carregamento, que não é só de água.
Depois, gasta-se pouco nos banhos, para lavar roupas, lavar louça, para beber e pra levar ao banheiro, em chaleiras de plástico chinesas. Tudo com moderação, sem desperdícios. Antes das refeições sempre aparecem duas pequenas bacias para se lavar as mãos, uma com produto, como costumam dizer, que é uma água com detergente. E outra, limpa, para enxaguar. Todos lavam ali suas mãos. No fim das refeições, a mesma coisa, porque a gente vai estar com a mão melecada de ter comido cabrito, arroz, peixe. E depois, circula entre todos uma grande canela com água fresca para beber. Não vi ninguém passar sede, mas nas aldeias não há hortas, que precisam ser regadas. E os animais, sempre que podem, também bebem água limpa. O que seria de nós sem água? Hoje, no mundo, muita gente já sabe.
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E agora, dando uma de colegial, uma divagação, que água tem poesia:
Água dos miseráveis minguados,
da face suada e roupa encharcada
Terra rachada sob sol escaldante
O vento melado, o açude vazio
Água funda, turva, barrenta
Água da poça, lama seca
Salobramente contaminada
Lençol freático, roupa suja
Aguas passadas, roubadas
Água rasa, rara, cara
Água farta, furtada
Sombra da brisa do bosque
Toda água é fresca
Som da queda fabricada
Sertão fingido Éden
E jorra o poço artesiano
Água corrente, límpida
Insípida, que irriga, que intriga
Dinheiro, marca d´água
Água paga
Tratada, mineral, bicarbonatada
Potável, corrente
Água morna e água quente
Gelada e transparente
Que lava, refresca
Água de rosas, pras flores
Água que limpa, sanitária
Água pro gato
Azul turquesa, piscina
Pra descarga e gargarejo
A que faz colorido jardim
Que escorre no banho sem fim
A que varre imitando vassoura
Água vã
Água benta
Água de cheiro, chuvisco sereno
Grama orvalhada, poeira molhada
Água da bica, goteja, repica
Água que mina, a semente germina
Agua-vida, musgo, bolor
Água que nutre, que hidrata, que passa
Roçando pedras roliças
Verdejantes felpudas roças
Moinho, monjolo, roda d´água
Fino pó de grão macerado
Polenta ensopada na seca do dia
Abóbora d´água doce, macia
Água de batata, café ralo, aguardente
Água de graça
Água pra lá e pra cá
Água de lastro do porão do navio
Água má de Lisboa, boa do Porto
Água de noz dos padres cartuchos
Mãe d´água das Amoreiras
Aqueduto das Águas Livres
Água alta, revolta ou mansa
Inunda a bela Veneza
Diques no Mar do Norte,
Inventa impermeável Holanda
A mesma sagrada de Alá
Goteja agora turva em Bagdá
Água pra viagem
Menos trigo, mais mandioca - Entrevista imperdível com Joselito Motta
Se tem alguém que entende e sabe falar da mandioca é o Joselito Motta, pesquisador da Embrapa e grande amigo. Você pode até não gostar do tema, mas tenho certeza que vai ter prazer em ver este homem com gostoso sotaque nordestino falar. Que empolgação, que verve!
http://tudonahora.uol.com.br/video/pajucara-360/2011/11/20/a-historia-o-cultivo-e-o-potencial-do-uso-da-mandioca
http://tudonahora.uol.com.br/video/pajucara-360/2011/11/20/a-historia-o-cultivo-e-o-potencial-do-uso-da-mandioca
Espécies comestíveis e úteis no Senegal
Milhete caprichosamente trançado |
Arroz sendo socado no pilão |
Sorgo |
Milhete |
Colhendo o amendoim |
Milho secando |
Nim como repelente |
Outra planta de grande utilidade, seja no sombreado das ruas, seja para uso na fitoterapia, é o nim - Azadirachta indica. A mesma que temos aqui para uso na agricultura para afastar pragas. Embora eu tenha levado repelente, nos últimos dias ele se acabou e não encontrei outro para comprar. Lembrei que ao lado da oficina havia uma árvore de nim. Peguei umas folhas, bati no liquidificador e peneirei. Foi só colocar na embalagem vazia do exposis, nome do repelente que usei, e pulverizar o corpo sempre que possível com aquele líquido verde e extremamente amargo (sim, provei um dedo úmido) que nenhum mosquito chegou perto. Eu mesma não sabia se daria certo, ninguém por ali conhecia o uso da erva assim, mas o fato é que, a não ser uma picada de formiga - que peguei no flagra, nenhuma outra tive. Portanto, risco zero de malária.
Bissap vermelho |
Bissap branco |
E tem as frutas além da abundante melancia. Laranjas locais e de Marrocos, limões como os nossos galegos da caipirinha - espremidos sempre sobre pratos com peixe, bananas que vêm da parte sul, mais úmida e coco, às vezes.
Soump ou tâmara do deserto |
Ditax ou guitax |
Uma outra fruta que tive o prazer de conhecer ao vivo foi a ditax ou guitax (Detarium senegalense), da qual já conhecia o suco da primeira vez que estive no Senegal, em fevereiro. Desta vez era safra e aconteceu também de encontrarmos primeiro a árvore com frutos e, em seguida, um vendedor ambulante com a carrocinha cheia deles. Na cidade de Thiés, logo depois de um corredor de bouganvilles de todas as cores, às vezes no mesmo pé, vi uma árvore com frutos redondos como jenipapos. Achei um exemplar no chão e o quebrei sobre uma pedra. Já estava passado, marrom-mofado. Em seguida, Michel reconheceu a fruta vendida numa esquina. Compramos um pouco, tirei a casca fina e quebradiça e a polpa verde-abacate se mostrou pastosa. Como um abacate bem denso, o gosto também é algo a ser aprendido, diferente de tudo o que a gente conhece por aqui porque a polpa lembra uma coisa e o sabor, outra . A massa fica entranhada em fibras duras emaranhadas como bucha vegetal e se tivesse experimentado de olhos fechados poderia sentir ali um pepino ou abóbora-madura-perto-da-casca. Mas com doçura, cremosidade e uma certa acidez. Deliciosa. Trouxe algumas e pensei em fazer um prato salgado em vez do tradicional suco, mas chegaram meio detonadas e mofadas. Ficou na intensão.
Buroubobo ou melão-de-são-Caetano |
Bem, isto é só um pouco do que vi, mas saibamos que há muito mais. E, se quiser saber sobre outras espécies úteis e ver seus nomes - quando puder apurar, veja o álbum (algumas imagens de legumes são da viagem de fevereiro)