Hoje tem coluna Nhac no caderno Estadão. Para quem é assinante, pode ver no site do caderno. Mas também está no Estadão impresso e aqui no Come-se.
Aproveito para deixar aqui a matéria que a Bela Gil escreveu para a TPM contando a viagem a Altamira em detalhes .
E também o vídeo feito pelo Isa sobre o projeto:
FARINHA DE BABAÇU AMAZÔNICA
Não é exatamente
um produto novo para mim ou para alguns leitores. De um jeito ou de outro, ganhada de presente
ou comprada em feiras de produtores, sempre tive farinha de babaçu na despensa,
geralmente vinda do Maranhão, o maior produtor.
Mas confesso que nunca havia me dedicado verdadeiramente a entender
melhor o ingrediente.
Só agora, depois
de uma imersão ao universo-babaçu graças a um convite da ONG Instituto
Socioambiental (www.socioambiental.org), posso dizer que ela passou a ser
ingrediente indispensável, destes coringas que fazem a vida de qualquer
cozinheiro ou cozinheira bem mais fácil.
O convite era
para que a cozinheira e apresentadora Bela Gil e eu desenvolvêssemos algumas
receitas com o produto para apresentar a merendeiras, nutricionistas e gestores
educacionais de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, como forma de incentivar
seu uso e melhorar sua aceitação na merenda escolar. Municípios como Uruará,
Vitório do Xingu e Altamira já compram o produto das associações extratistas da
Terra do Meio - área de floresta composta por um mosaico de terras indígenas e
reservas extrativistas entre os rios Iriri e Xingu.
Sabemos como é
difícil substituir a onipresente farinha de trigo, mesmo cientes de que o
Brasil não produz o suficiente para a demanda. Ao mesmo tempo desconhecemos as
inúmeras outras farinhas que poderiam substituir o trigo, todo ou em parte, em
diversas situações onde o glúten não é tão necessário. O glúten é a proteína do
trigo responsável por aprisionar o gás carbônico da fermentação em suas redes
elásticas quando fazemos pão. Em outros preparos, como tortas, bolos, molhos,
panquecas, biscoitos, o glúten pode ser dispensável. E nestes casos, aí sim,
podemos usar outras farinhas como a farinha de raspa ou fubá de crueira (de
mandioca, seca e não torrada, e triturada), a de banana verde, de araruta e a
de babaçu, entre outras. E mesmo no pão,
cerca de 10% do trigo pode ser substituído por outra farinha, sem prejuízo no
resultado final e com a vantagem de incrementar alguns minerais, vitaminas e
fibras.
Foi isto que
mostramos nas oficinas que demos. Desenvolvemos receitas para a merenda
escolar, como biscoitos, tortas salgadas, mingaus e até no vatapá. Algumas
dessas receitas foram demonstradas e as merendeiras sairam entusiasmadas para
testar outras possibilidades. Embora seja o babaçu um fruto tão corriqueiro
naquela região da Transamazônica tomada de cocais, sua farinha ainda não é tão
utilizada fora das comunidades produtoras.
Como parte de
nossa expedição de trabalho, visitamos uma das várias miniusinas de
processamento da farinha na região. Chegamos à comunidade Rio Novo depois de um
longo percurso pelo rio Iriri de margens deslumbrantes. Ali na casa de Dona Chagas
e seu Aguinaldo, no alto da beira do rio, toda a família trabalha na coleta e
processamento de castanha-do-pará e do babaçu.
Conhecemos a comunidade, a miniusina e a floresta que está ali ao lado.
É por entre caminhos estreitos e úmidos que se passa pelo roçado e depois se
adentra a floresta onde todo cuidado é pouco para não ser atingido por ouriços
de castanha que despencam aqui e ali quebrando o silêncio da mata e talvez o cocuruto
de desavisados. Quando encontramos a
região dos cocais com aglomerados da palmeira Orbignya phalerata, os grandes frutos espalhados aos pés das plantas
já não estavam tão frescos para a extração da farinha, mas perfeitos para se
extrair o óleo. Coletados, logo encheram um paneiro feito de cipó ambé também
tirado da floresta.
Antes da
miniusina, uma conquista recente da comunidade, toda adaptada às normas sanitárias para
processamento de alimentos, a farinha de babaçu era feita no pilão, um processo
trabalhoso que foi substituído pela facilidade de um triturador super potente
que transforma a massa seca do fruto em pó finíssimo como talco. Mas mesmo com a diminuição do trabalho graças
à tecnologia, grande parte do processo ainda é artesanal. Os frutos colhidos são lavados e descascados
manualmente para se retirar o pericarpo fibroso. O mesocarpo, que é a parte
amilácea usada para fazer a farinha, é retirada com alguma dificuldade
batendo-se no fruto com um pedaço de madeira. Sai em lascas gordas. O que resta
é o endocarpo, uma parte lenhosa muito dura, usada para artesanato ou carvão.
Dentro dele temos ainda as amêndoas, de onde se extrai o óleo, o produto de
maior valor agregado, pois tem aproveitamento não só na alimentação mas também
na indústria de cosméticos. Das castanhas se tira ainda o leite, mais usado
como ingrediente local e esporádico – quando há castanhas e babaçus, que
produzem na mesma época, a preferência parece ser o leite de castanha, mais
fácil de extrair. Aliás, depois da noite
tranquila dormida em redes no barracão coberto de palha entre o rio e a mata,
foi muito bom ter no café da manhã mingau de babaçu no leite de castanha, um
luxo da floresta para quem vem da cidade.
Tradicionalmente,
para tirar a amêndoa do babaçu, um machadinho é apoiado com os pés da pessoa
sentada ao chão. Apoia-se o fruto na lâmina e bate-se com um pedaço de pau. Um
a um, com muita atenção. Outro
subproduto do babaçu que também fica restrito ao consumo local é o gongo ou
larva que se alimenta da amêndoa e portanto tem gosto da amêndoa. O bicho vivo
é suculento e tem sabor de coco. Frito na própria gordura é quase como um coco
crocante pra comer com farinha branca. E, claro, no caso de ter gongo, não tem
amêndoa, que foi toda comida e substituída por ele.
Agora, voltando ao meio do fruto, o mesocarpo
sempre foi usado como fonte de energia por comunidades indígenas e ribeirinhas
do Cerrado e Amazônia, nem sempre na forma de farinha, mas também de massa
fresca usada para fazer mingau assim que é colhida e socada no pilão. Para a
farinha, as lascas são secas ao sol antes de triturar e assim duram muitos
meses. Esta pequena camada amilácea
representa aproximadamente de 17 a 22% do fruto e é composta basicamente de
amido – cerca de 70%, além de fibras, proteína, lipídio, vitaminas e minerais.
É ainda fonte importante de tanino, um poderoso antioxidante que no fruto o protege
herbívoros. Entre os coletores, há quem
se orgulhe de saber coletar coquinhos com menos tanino, que travam menos,
dizem. É que esta substância se liga a
proteínas na boca e as precipita produzindo sensação de adstringência e secura.
Mas nas preparações cozidas o efeito do tanino desaparece e se dilui com a
mistura de outros ingredientes.
De tantos testes que fiz ultimamente com a farinha,
percebi que seu maior potencial na minha cozinha é como espessante substituto
para o amido de milho, que traz o símbolo do T dentro de triângulo nas
embalagens, identificação para produtos feitos com ingredientes transgênicos,
especialmente o milho no caso da maisena.
Quando substitui o trigo nos molhos e outros pratos, atende ainda às
necessidades de pessoas que não podem ingerir glúten. Ela realmente substitui
parte ou totalmente estas farinhas citadas, com a vantagem de não ser amido
puro ou farinha refinada e sim a polpa integral do babaçu, tendo o amido
complexado com outros nutrientes. E não recebe venenos na produção nem aditivos
durante o processamento. É puro como o coco tirado da floresta. Só perdeu água
para virar pó. O sabor é neutro, ligeiramente amendoado com lembranças de
buriti. A cor acastanhada pelo tanino faz lembrar chocolate e em preparações com
este ingrediente, pode substituí-lo em parte.
É chamada também de farinha de mesocarpo de babaçu,
mas percebemos que o próprio nome pode ser um entrave na sua utilização, por isto
já durante a viagem passamos a chamá-la simplesmente de farinha de babaçu.
Assim, não é preciso a todo momento explicar a anatomia do fruto para
justificar o nome. O que importa é que a
farinha é extraída da polpa do babaçu e que há técnicas para sua correta
utilização. A forma não adequada de uso também pode contribuir para que seja
experimentada e abandonada, afinal não é produto pronto para se comer de
colherada e achar gostoso. Não é pra ser
comida crua, em sucos, por exemplo, porque é um amido rico em taninos que pode
ser indigesto sem cocção. É, sim, um ingrediente amiláceo que deve ser
consumido cozido como outros tipos de amido. É ingrediente para ir ao fogo,
quando revela a que veio – dar volume, engrossar, espessar, dar cremosidade, brilho. E, claro, nutrir.
Ao usar para engrossar mingau ou espessar manjar e
chocolate quente, por exemplo, basta substituir integralmente nas mesmas
medidas que usaria de amido de milho. Lembre-se sempre de diluir em água fria
antes de adicionar ao líquido quente, sem parar de mexer, até a mistura ficar
cremosa. Nos pratos à base de farinha de trigo, substitua todo ou parte dele
por farinha de babaçu, ajustando o líquido da receita, já que esta absorve mais
água.
Se nos lembrarmos que nesta região ao redor de
Altamira, onde estivemos, o desmatamento
reina, usar e incentivar o uso dos produtos da floresta é uma forma de apoiar a
economia dos povos extrativistas indígenas e ribeirinhos e contribuir para a
manutenção da floresta em pé. No Mercado
de Pinheiros, junto com outras preciosidades, ela pode ser encontrada no
Empório Biomas Mata Atlântica e Amazônia.
A receita a seguir, testei usando a farinha de
babaçu integralmente, mas ficou meio seca a massa. Por isto, substituí apenas
parte da farinha de trigo. Panquecas
finas e bolos com mais ingredientes podem ser feitas integralmente com a
farinha de babaçu. E que mais municípios
se animem a incluir na merenda escolar produtos nutritivos da agricultura
familiar com valores social e ambiental agregado.
Panquecas
doces com farinha de babaçu
Para a massa
3 ovos inteiros
¾ de xícara de açúcar (135 g)
1 colher (sopa) de mel
100 g de farinha de trigo branca
50 g de farinha de babaçu
2/3 de xícara de água (180 ml)
1 colher (chá) de fermento químico em pó
Para a calda
¼ de xícara de melado de cana
Raspas de um limão
1 colher (sopa) de suco de limão
Faça a massa: na batedeira, bata os ovos com o
açúcar e o mel até espumar. Com a batedeira ligada no mínimo, junte as
duas farinhas peneiradas juntas aos poucos, alternando com a água misturada com
o fermento. Bata até a massa ficar homogênea. Passe um guardanapo
de papel com um pouco de óleo na superfície de uma frigideira antiaderente e
deixe aquecer no fogo baixo. Despeje uma porção equivalente a uma colher de sopa
cheia no meio da frigideira e deixe cozinhar até dourar – quando aparecem
bolhinhas na superfície da massa. Vire com uma espátula e deixe cozinhar do
outro lado, sem deixar dourar. Vá empilhando as panquecas até terminar a
massa.
Faça a calda: Misture tudo e sirva junto com as panquecas.
Rende: 30 panquecas
Obs: Se quiser, pode usar molde de silicone para panquecas ou apoie
sobre a frigideira forminhas para tarteletes com fundo removível (sem o fundo)
– unte por dentro e apoie sobre o fundo da frigideira também untado, depois
basta virar o conjunto com uma espátula e tirar as forminhas. Assim, terá uma
borda mais clara e poderá fazer uma máscara e polvilhar açúcar de confeiteiro
imitando um coco babaçu cortado ao meio.
Consumo o óleo há 2 anos, desde que retornei à Brasilia, em bolos e no preparo de alguns legumes p cocção. Vc recomenda o aquecimento desse óleo?
ResponderExcluirAdorei a dica do uso da farinha! Só se tem a agradecer pelo seu trabalho, parabéns!
Dica maravilhosa! Obrigada por compartilhar! :)
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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