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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
Farinha de babaçu. Coluna Nhac. Edição de 18 de janeiro de 2017
Hoje tem coluna Nhac no caderno Estadão. Para quem é assinante, pode ver no site do caderno. Mas também está no Estadão impresso e aqui no Come-se.
Aproveito para deixar aqui a matéria que a Bela Gil escreveu para a TPM contando a viagem a Altamira em detalhes .
E também o vídeo feito pelo Isa sobre o projeto:
FARINHA DE BABAÇU AMAZÔNICA
Não é exatamente
um produto novo para mim ou para alguns leitores. De um jeito ou de outro, ganhada de presente
ou comprada em feiras de produtores, sempre tive farinha de babaçu na despensa,
geralmente vinda do Maranhão, o maior produtor.
Mas confesso que nunca havia me dedicado verdadeiramente a entender
melhor o ingrediente.
Só agora, depois
de uma imersão ao universo-babaçu graças a um convite da ONG Instituto
Socioambiental (www.socioambiental.org), posso dizer que ela passou a ser
ingrediente indispensável, destes coringas que fazem a vida de qualquer
cozinheiro ou cozinheira bem mais fácil.
O convite era
para que a cozinheira e apresentadora Bela Gil e eu desenvolvêssemos algumas
receitas com o produto para apresentar a merendeiras, nutricionistas e gestores
educacionais de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, como forma de incentivar
seu uso e melhorar sua aceitação na merenda escolar. Municípios como Uruará,
Vitório do Xingu e Altamira já compram o produto das associações extratistas da
Terra do Meio - área de floresta composta por um mosaico de terras indígenas e
reservas extrativistas entre os rios Iriri e Xingu.
Sabemos como é
difícil substituir a onipresente farinha de trigo, mesmo cientes de que o
Brasil não produz o suficiente para a demanda. Ao mesmo tempo desconhecemos as
inúmeras outras farinhas que poderiam substituir o trigo, todo ou em parte, em
diversas situações onde o glúten não é tão necessário. O glúten é a proteína do
trigo responsável por aprisionar o gás carbônico da fermentação em suas redes
elásticas quando fazemos pão. Em outros preparos, como tortas, bolos, molhos,
panquecas, biscoitos, o glúten pode ser dispensável. E nestes casos, aí sim,
podemos usar outras farinhas como a farinha de raspa ou fubá de crueira (de
mandioca, seca e não torrada, e triturada), a de banana verde, de araruta e a
de babaçu, entre outras. E mesmo no pão,
cerca de 10% do trigo pode ser substituído por outra farinha, sem prejuízo no
resultado final e com a vantagem de incrementar alguns minerais, vitaminas e
fibras.
Foi isto que
mostramos nas oficinas que demos. Desenvolvemos receitas para a merenda
escolar, como biscoitos, tortas salgadas, mingaus e até no vatapá. Algumas
dessas receitas foram demonstradas e as merendeiras sairam entusiasmadas para
testar outras possibilidades. Embora seja o babaçu um fruto tão corriqueiro
naquela região da Transamazônica tomada de cocais, sua farinha ainda não é tão
utilizada fora das comunidades produtoras.
Como parte de
nossa expedição de trabalho, visitamos uma das várias miniusinas de
processamento da farinha na região. Chegamos à comunidade Rio Novo depois de um
longo percurso pelo rio Iriri de margens deslumbrantes. Ali na casa de Dona Chagas
e seu Aguinaldo, no alto da beira do rio, toda a família trabalha na coleta e
processamento de castanha-do-pará e do babaçu.
Conhecemos a comunidade, a miniusina e a floresta que está ali ao lado.
É por entre caminhos estreitos e úmidos que se passa pelo roçado e depois se
adentra a floresta onde todo cuidado é pouco para não ser atingido por ouriços
de castanha que despencam aqui e ali quebrando o silêncio da mata e talvez o cocuruto
de desavisados. Quando encontramos a
região dos cocais com aglomerados da palmeira Orbignya phalerata, os grandes frutos espalhados aos pés das plantas
já não estavam tão frescos para a extração da farinha, mas perfeitos para se
extrair o óleo. Coletados, logo encheram um paneiro feito de cipó ambé também
tirado da floresta.
Antes da
miniusina, uma conquista recente da comunidade, toda adaptada às normas sanitárias para
processamento de alimentos, a farinha de babaçu era feita no pilão, um processo
trabalhoso que foi substituído pela facilidade de um triturador super potente
que transforma a massa seca do fruto em pó finíssimo como talco. Mas mesmo com a diminuição do trabalho graças
à tecnologia, grande parte do processo ainda é artesanal. Os frutos colhidos são lavados e descascados
manualmente para se retirar o pericarpo fibroso. O mesocarpo, que é a parte
amilácea usada para fazer a farinha, é retirada com alguma dificuldade
batendo-se no fruto com um pedaço de madeira. Sai em lascas gordas. O que resta
é o endocarpo, uma parte lenhosa muito dura, usada para artesanato ou carvão.
Dentro dele temos ainda as amêndoas, de onde se extrai o óleo, o produto de
maior valor agregado, pois tem aproveitamento não só na alimentação mas também
na indústria de cosméticos. Das castanhas se tira ainda o leite, mais usado
como ingrediente local e esporádico – quando há castanhas e babaçus, que
produzem na mesma época, a preferência parece ser o leite de castanha, mais
fácil de extrair. Aliás, depois da noite
tranquila dormida em redes no barracão coberto de palha entre o rio e a mata,
foi muito bom ter no café da manhã mingau de babaçu no leite de castanha, um
luxo da floresta para quem vem da cidade.
Tradicionalmente,
para tirar a amêndoa do babaçu, um machadinho é apoiado com os pés da pessoa
sentada ao chão. Apoia-se o fruto na lâmina e bate-se com um pedaço de pau. Um
a um, com muita atenção. Outro
subproduto do babaçu que também fica restrito ao consumo local é o gongo ou
larva que se alimenta da amêndoa e portanto tem gosto da amêndoa. O bicho vivo
é suculento e tem sabor de coco. Frito na própria gordura é quase como um coco
crocante pra comer com farinha branca. E, claro, no caso de ter gongo, não tem
amêndoa, que foi toda comida e substituída por ele.
Agora, voltando ao meio do fruto, o mesocarpo
sempre foi usado como fonte de energia por comunidades indígenas e ribeirinhas
do Cerrado e Amazônia, nem sempre na forma de farinha, mas também de massa
fresca usada para fazer mingau assim que é colhida e socada no pilão. Para a
farinha, as lascas são secas ao sol antes de triturar e assim duram muitos
meses. Esta pequena camada amilácea
representa aproximadamente de 17 a 22% do fruto e é composta basicamente de
amido – cerca de 70%, além de fibras, proteína, lipídio, vitaminas e minerais.
É ainda fonte importante de tanino, um poderoso antioxidante que no fruto o protege
herbívoros. Entre os coletores, há quem
se orgulhe de saber coletar coquinhos com menos tanino, que travam menos,
dizem. É que esta substância se liga a
proteínas na boca e as precipita produzindo sensação de adstringência e secura.
Mas nas preparações cozidas o efeito do tanino desaparece e se dilui com a
mistura de outros ingredientes.
De tantos testes que fiz ultimamente com a farinha,
percebi que seu maior potencial na minha cozinha é como espessante substituto
para o amido de milho, que traz o símbolo do T dentro de triângulo nas
embalagens, identificação para produtos feitos com ingredientes transgênicos,
especialmente o milho no caso da maisena.
Quando substitui o trigo nos molhos e outros pratos, atende ainda às
necessidades de pessoas que não podem ingerir glúten. Ela realmente substitui
parte ou totalmente estas farinhas citadas, com a vantagem de não ser amido
puro ou farinha refinada e sim a polpa integral do babaçu, tendo o amido
complexado com outros nutrientes. E não recebe venenos na produção nem aditivos
durante o processamento. É puro como o coco tirado da floresta. Só perdeu água
para virar pó. O sabor é neutro, ligeiramente amendoado com lembranças de
buriti. A cor acastanhada pelo tanino faz lembrar chocolate e em preparações com
este ingrediente, pode substituí-lo em parte.
É chamada também de farinha de mesocarpo de babaçu,
mas percebemos que o próprio nome pode ser um entrave na sua utilização, por isto
já durante a viagem passamos a chamá-la simplesmente de farinha de babaçu.
Assim, não é preciso a todo momento explicar a anatomia do fruto para
justificar o nome. O que importa é que a
farinha é extraída da polpa do babaçu e que há técnicas para sua correta
utilização. A forma não adequada de uso também pode contribuir para que seja
experimentada e abandonada, afinal não é produto pronto para se comer de
colherada e achar gostoso. Não é pra ser
comida crua, em sucos, por exemplo, porque é um amido rico em taninos que pode
ser indigesto sem cocção. É, sim, um ingrediente amiláceo que deve ser
consumido cozido como outros tipos de amido. É ingrediente para ir ao fogo,
quando revela a que veio – dar volume, engrossar, espessar, dar cremosidade, brilho. E, claro, nutrir.
Ao usar para engrossar mingau ou espessar manjar e
chocolate quente, por exemplo, basta substituir integralmente nas mesmas
medidas que usaria de amido de milho. Lembre-se sempre de diluir em água fria
antes de adicionar ao líquido quente, sem parar de mexer, até a mistura ficar
cremosa. Nos pratos à base de farinha de trigo, substitua todo ou parte dele
por farinha de babaçu, ajustando o líquido da receita, já que esta absorve mais
água.
Se nos lembrarmos que nesta região ao redor de
Altamira, onde estivemos, o desmatamento
reina, usar e incentivar o uso dos produtos da floresta é uma forma de apoiar a
economia dos povos extrativistas indígenas e ribeirinhos e contribuir para a
manutenção da floresta em pé. No Mercado
de Pinheiros, junto com outras preciosidades, ela pode ser encontrada no
Empório Biomas Mata Atlântica e Amazônia.
A receita a seguir, testei usando a farinha de
babaçu integralmente, mas ficou meio seca a massa. Por isto, substituí apenas
parte da farinha de trigo. Panquecas
finas e bolos com mais ingredientes podem ser feitas integralmente com a
farinha de babaçu. E que mais municípios
se animem a incluir na merenda escolar produtos nutritivos da agricultura
familiar com valores social e ambiental agregado.
Panquecas
doces com farinha de babaçu
Para a massa
3 ovos inteiros
¾ de xícara de açúcar (135 g)
1 colher (sopa) de mel
100 g de farinha de trigo branca
50 g de farinha de babaçu
2/3 de xícara de água (180 ml)
1 colher (chá) de fermento químico em pó
Para a calda
¼ de xícara de melado de cana
Raspas de um limão
1 colher (sopa) de suco de limão
Faça a massa: na batedeira, bata os ovos com o
açúcar e o mel até espumar. Com a batedeira ligada no mínimo, junte as
duas farinhas peneiradas juntas aos poucos, alternando com a água misturada com
o fermento. Bata até a massa ficar homogênea. Passe um guardanapo
de papel com um pouco de óleo na superfície de uma frigideira antiaderente e
deixe aquecer no fogo baixo. Despeje uma porção equivalente a uma colher de sopa
cheia no meio da frigideira e deixe cozinhar até dourar – quando aparecem
bolhinhas na superfície da massa. Vire com uma espátula e deixe cozinhar do
outro lado, sem deixar dourar. Vá empilhando as panquecas até terminar a
massa.
Faça a calda: Misture tudo e sirva junto com as panquecas.
Rende: 30 panquecas
Obs: Se quiser, pode usar molde de silicone para panquecas ou apoie
sobre a frigideira forminhas para tarteletes com fundo removível (sem o fundo)
– unte por dentro e apoie sobre o fundo da frigideira também untado, depois
basta virar o conjunto com uma espátula e tirar as forminhas. Assim, terá uma
borda mais clara e poderá fazer uma máscara e polvilhar açúcar de confeiteiro
imitando um coco babaçu cortado ao meio.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Picles com scoby ou mãe de kombucha - Piclescoby
Os pepinos ficam prontos rapidamente. De um dia para outro já estão assim, deliciosos. |
O molho ocupa cerca de metade do vidro - mas misturei bem para que todos os pedaços ficassem envoltos no tempero |
No dia seguinte, o pote já estava assim, com os legumes cobertos |
O molho ficou melhor ainda com sabor dos legumes |
E será que dá certo pegar um tanto deste tempero e usar para temperar o frango? Dá! |
Temperei os pedaços umas 6 horas antes de assar. Na hora de ir ao forno, juntei uns pedaços de limão, azeitonas e folhas de huakatay (um tipo de tagete) |
Pra acompanhar, um pouco de picles. |
Picles de vegetais com scoby de kombucha ou Piclescoby
Se tem um hotel com sobras de scoby, junte tudo e bata no liquidificador ou processador - só as mães sem o líquido. Para cada litro de massa, juntei uma pasta que fiz à parte - processei 1 pedaço de uns 4 cm de gengibre, 1,5 colher (sopa) de sal, 2 pimentas dedo de moça, 4 dentes de alho e 1 cebola pequena. Juntei também meia xícara de pimenta em flocos pra kimchi . Misturei bem e incorporei esta pasta com legumes em pedaços grandes - nabo, pepino, cenoura, pepinos, couve flor, rabanetes. Misturei bem pra que ficassem bem impregnados. Deixei 3 temperatura ambiente de chacoalhei todos os dias para o caldo mesclar com a massa de scoby. No outro dia o caldo dos legumes já tinha saído e misturado com o molho, cobrindo todos os vegetais. Depois guardei na geladeira. Já fiz algo parecido com rabanete e publiquei aqui. Mas o sabor deste está muito melhor. E a gente ainda pode tirar umas colheradas do molho para temperar qualquer coisa que queira - eu temperei pedaços de frango que foram ao forno.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
Folha de scoby. Papel com colônia de kombucha. Invólucro ecológico. Couro vegano
Antes de ler este post, recomendo saber mais sobre kombucha e sua mãe, o scoby. Publiquei um post explicando tudo aqui.
O primeiro "couro vegano" que fiz mais seriamente foi este. Havia uma colônia de Kombucha bem grande que sobrenadava em vidro quadrado. E lá fora, um sol bem forte. Foram dois dias sobre uma peneira de palha e quando estava quase seco ainda grudei uns trevinhos por cima para terminar de secar. De vez em quando virava para secar por igual. Embora a peneira de palha de fundo reto fosse talvez suficiente para aerar dos dois lados.
Há estilistas e curiosos fazendo couro vegano que servem para roupas, bolsas, sapato e artesanato em geral. Diz-se couro porque a consistência lembra mesmo um couro. Normalmente, para se ter uma peça maior, usa-se como vasilha um recipiente de plástico grande e procede-se normalmente como fazemos o chá fermentado para beber. Na hora de secar, para tecidos maiores, coloca-se sobre madeira. A diferença é que costuma-se deixar por mais tempo, umas três semanas, para a camada ficar bem grossa, como estas que está vendo nas fotos. Você pode puxar muito que não consegue rasgar. Pensei em pele para tambor, mas, praticamente, o que fiz foi usar como folha ecológica, sustentável, biodegradável.
O primeiro "couro vegano" que fiz mais seriamente foi este. Havia uma colônia de Kombucha bem grande que sobrenadava em vidro quadrado. E lá fora, um sol bem forte. Foram dois dias sobre uma peneira de palha e quando estava quase seco ainda grudei uns trevinhos por cima para terminar de secar. De vez em quando virava para secar por igual. Embora a peneira de palha de fundo reto fosse talvez suficiente para aerar dos dois lados.
Há estilistas e curiosos fazendo couro vegano que servem para roupas, bolsas, sapato e artesanato em geral. Diz-se couro porque a consistência lembra mesmo um couro. Normalmente, para se ter uma peça maior, usa-se como vasilha um recipiente de plástico grande e procede-se normalmente como fazemos o chá fermentado para beber. Na hora de secar, para tecidos maiores, coloca-se sobre madeira. A diferença é que costuma-se deixar por mais tempo, umas três semanas, para a camada ficar bem grossa, como estas que está vendo nas fotos. Você pode puxar muito que não consegue rasgar. Pensei em pele para tambor, mas, praticamente, o que fiz foi usar como folha ecológica, sustentável, biodegradável.
O único problema é que não pode molhar, pois acaba se reidratando e voltando a situação original. Não testei ainda e não sei se volta tudo ou deixa a desejar no caso de se querer a função de um scoby bem vivo. De qualquer forma, como invólucro para coisas secas e para cobrir vidros, lembra aquele tecido encerado, pois é bastante firme e modelável, se ajustando à superfície da coisa embrulhada.
Ah, para fazer o colorido, usei scoby de kombucha de hibisco. E quando não tem sol, coloco a peneira sobre um prato em cima da geladeira, perto do motor. No microondas, em potência baixa, funciona também. Em potência 5, explodiu como ovo no primeiro minuto. Forno em temperatura baixa ainda não experimentei, mas deve funcionar.
É uma boa forma de aproveitar os scoby que vão ficando no hotel - a cada semana pelo menos um disco é formado.
Veja aí embaixo as experiências.
Um scoby |
Este está branquinho - coei o chá mate em voil - assim mancha menos |
Um scoby de chá de hibisco sobre uma cuia - poderia ser levado ao sol assim |
quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
Molho de pimenta com cachaça da chef Mara Salles
Quando a gente vai deixando as coisas pra trás, é difícil recomeçar. A gente não sabe o que fazer primeiro. Estou assim na minha casa, no meu blog, nos meus estudos. Mas as coisas hão de se ajeitar. Em vez de ficar esperando a situação ideal, o negócio é ir fazendo as poucos e ticando o que está resolvido. Pela falta de tempo para registrar no blog tudo o que tenho feito, acabo postando só no instagram que é mais rápido. Mas com o passar dos dias eu mesmo tento recuperar o que postei e não consigo mais. Então, prometo pra mim mesma que vou voltar a frequentar o Come-se pelo menos uma vez ao dia, como acontecia nos velhos tempos. Nem que seja só pra ir pescando do Instagram (se quiser ver, é só clicar nas fotinhas aí do lado direito e vai cair lá) e passando pra cá. Nem que seja só para eu mesma ter o registro. Este molho de pimenta é um exemplo. Mara Salles, do restaurante Tordesilhas, ensinou na palestra que deu no projeto Comer é Panc que aconteceu no Sesc Pompeia em outubro passado, sob minha curadoria.
Não vi a hora de fazer e fiz assim que cheguei à nossa chácara em Piracaia e me deparei com um pé carregado de pimentas dedo-de-moça. Mara faz com malagueta, mas com a minha escolha ficou também muito bom. Ela diz que o segredo da comida do Tordesilhas ser tão gostosa é que este molhinho vai em quase tudo que preparam. Pois passei a usar assim e também recomendo. Na vagem, na carne, na salada, no quiabo. É um tcham a mais, o glutamato natural. E nhac!
Aqui a receita dela:
Molho de pimenta com cachaça da Mara Salles
Bata no liquidificador 10 pimentas malaguetas (usei dedo-de-moça), 3 dentes de alho, 1 colher (café) de sal, 1 colher (sopa) de óleo e meio copo de cachaça. É só bater até ficar um molho uniforme e manter guardado na geladeira.
Não vi a hora de fazer e fiz assim que cheguei à nossa chácara em Piracaia e me deparei com um pé carregado de pimentas dedo-de-moça. Mara faz com malagueta, mas com a minha escolha ficou também muito bom. Ela diz que o segredo da comida do Tordesilhas ser tão gostosa é que este molhinho vai em quase tudo que preparam. Pois passei a usar assim e também recomendo. Na vagem, na carne, na salada, no quiabo. É um tcham a mais, o glutamato natural. E nhac!
Aqui a receita dela:
Molho de pimenta com cachaça da Mara Salles
Bata no liquidificador 10 pimentas malaguetas (usei dedo-de-moça), 3 dentes de alho, 1 colher (café) de sal, 1 colher (sopa) de óleo e meio copo de cachaça. É só bater até ficar um molho uniforme e manter guardado na geladeira.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
Ginga com tapioca. Coluna do Paladar, edição de 07 de dezembro de 2017
Ligeiramente atrasada.. Espero que os leitores e leitoras do Come-se tenham vivido boas festas e que tenham um ano novo lindo de muita fartura de coisas boas. Deixo aqui registrada a última coluna do Paladar antes que chegue a próxima. Está também na versão online do caderno Paladar.
GINGA COM TAPIOCA EM NATAL, O SANDUÍCHE DE MARINHEIRO
Lá na Redinha se ressentem, bugueiros não costumam
atravessar a ponte do Rio Potengi para levar turistas à zona norte de Natal.
Uma pena! Mas viajantes escolados logo
descobrem o que não podem deixar de ver ou provar, principalmente se são recepcionados
por potiguares. Estes não voltam pra casa sem ter visitado o Mercado Municipal da
Redinha e provado o sanduíche de marinheiro mais aclamado da capital. Está ali
o berço do prato-símbolo de Natal, a ginga com tapioca. Chamam-no de petisco. Mas
vem no prato e vale por uma refeição. Só não espere encontrar em restaurantes.
É prato de bar, de boteco, de ambulante, de beira de praia.
Como quase sempre tenho a sorte de ter bons
anfitriões por onde passo, não poderia ter voltado sem ter vivido esta
experiência. Estive em Natal, a convite da professora Michelle Medeiros Jacob que
me recebeu em sua casa para participar do Ciclo
de debates sobre sistemas alimentares sustentáveis para segurança alimentar e
nutricional organizado pelo Departamento de Nutrição da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Nos intervalos, claro, sempre se consegue dar uma
fugida para conhecer o maior cajueiro do mundo, botar o pé na areia e comer
aquilo que nos diferencia. Com a ginga
foi um pouco diferente e Michelle foi ótima anfitriã.
Já cheguei determinada a experimentar a iguaria
para finalmente deixar de me sentir uma charlatã toda vez que faço em minha
casa o tal prato ao meu modo ou do jeito que tinha ouvido falar, sem nunca ter
provado, sem nunca ter visto o preparo. Vou continuar comendo em casa um
arremedo - e assim mesmo delicioso, garanto. Porque o original vem adornado de
história e paisagem e foi só no último dia que matei a vontade e a curiosidade.
Digo que foi diferente porque logo que cheguei
à universidade fui presenteada com o
livro Ginga com tapioca: de Dalila à
Ivanize. Das origens à atualidade. A
autora Rebekka Fernandes
Dantas também é professora do departamento de nutrição e me entregou o livro pessoalmente
e autografado sem desconfiar que estava me dando de bandeja a resposta aos meus
anseios. No primeiro dia, o livro para introduzir. No último, provei a arte
concreta.
Finalmente iria entender que raios de peixe era
este tal de ginga, pois nunca soube direito. Diziam que era manjuba, sardinha,
lambari, pipitinga. Mas qual era a ginga? Bem, no mercado, ao
vivo, diante daquela ponte enorme,
daquela aguaceira verde sem fim e do sol que te obriga a procurar abrigo na
sombra, a chegada do prato pelas mãos da filha de Dona Ivanize do livro, do quiosque
mais famoso do mercado, já explicava muita coisa. Mas, primeiro comer e depois entender.
Trata-se simplesmente de uma tapioca com coco
fresco recheada em meia lua com um espeto de peixes pequenos fritos. Segura
firme os peixinhos com a tapioca, puxa o espeto e come a iguaria acompanhada de
cachaça ou cerveja. A tapioca é branca, granulada, elástica e salpicada de
pontos crocantes e dourados. Os peixes são sequinhos e dourados, pra comer
inteiros, com espinha. Simples. Não muito diferente do que faço em casa, a não
ser pelo coco fresco que nunca usei e confere a crocância e o sabor. E, claro,
falta a brisa, a areia, a água do rio encontrando o mar. Outra diferença é que gosto de fazer tapioca
com a borda lisa, formando um círculo perfeito, e a que comemos ali tinha borda disforme, rendada,
se desarrumando como os limites da areia daquela praia invadindo falhadamente o
calçamento que precede o mercado. E ali este desenho praiano na borda da
tapioca faz todo sentido.
Conversando com Dona Ivanize, ela me conta sobre a origem do prato que hoje
é servido em todas as praias de Natal com suas variantes. Há as temperadas com
manteiga de garrafa, as servidas separadamente tapioca e peixe, as completadas
com queijo coalho, carne de sol e até com mussarela - assim como há tapioca
servida com peixe em todo litoral nordestino. Mas Dona Ivanize se orgulha de
fazer e servir a sua tal qual seus pais faziam quando a criaram. Até o palito
de coqueiro para manter os peixes unidos é o mesmo.
Entre as décadas de 1950 e 60 o pai Geraldo
Januário era administrador do Mercado da Redinha, fundado em 1949 junto à foz
do Rio Potengi, a 2 km do centro de Natal, onde antes era uma vila de pescador.
Naquele tempo ninguém dava valor aos peixes pequenos que vinham agarrados à
rede de pesca de peixes grandes. O grandes eram vendidos nos boxes, os pequenos
não serviam pra nada. Gente pobre vinha buscar, outro tanto era enterrado. Seu
Geraldo Preto, como era conhecido, cansado de assistir a este desperdício, resolveu recolher estes peixes, metê-los num
espeto feito com a palha do coco, empanar na farinha de mandioca, fritar e
juntar à tapioca que a mulher, Dona Dalila, já fazia por ali. Aliás, já vendia
peixe frito, mas não do pequeno, e já vendia
tapioca. Foi, então, só ajustar a estética e a semântica para uma genial jogada
de marketing, se visto pelos olhos de hoje.
Chamou de ginga a estes peixes porque vinham
gingando, se debatendo, nas redes. A
combinação passou a fazer sucesso entre pescadores e frequentadores do mercado.
O povo gostou, o nome pegou e a moda correu o litoral. Assim como os dadinhos
de tapioca do chef Rodrigo Oliveira do Mocotó, que escapou da Vila Medeiros e
hoje pode ser encontrado em todo o Brasil, a ginga com tapioca é a cara do
litoral potiguar . Dona Ivanize não se incomoda de mostrar como faz nem que
outros façam. Fica, sim, orgulhosa de ter criado os filhos graças ao
empreendimento dos pais. Em sua banca trabalha também a filha com a neta, ainda
menina, sempre por perto e às vezes ajudando na ralação do coco. Já chegam,
assim, à quarta geração no negócio.
Espiando a bacia com as gingas recém entregues
pelo pescador, vejo sardinhas pequenas manjubas e outros como lambaris. Havia também
uma posta grande e Dona Ivanize explica que às vezes pedem postas grandes
fritas em vez das gingas. Fora um pedido ou outro, ela segue à risca a técnica
da mãe.
Tempera os peixes limpos e sem cabeça só com
sal, coloca enfileirados no espeto feito com palha do coco, 5 ou 6 a depender
do tamanho, pelo que vi – este serviço
estava sendo feito na frente do mercado pelo Seu Manoel -, passa por farinha de
mandioca e frita em pouco óleo. Os peixes não ficam submersos e a gordura usada
é uma mistura de óleo comum, que ela chama de óleo de comida, com azeite de
dendê. Enquanto os espetos são fritos, ela faz a tapioca. Coloca na frigideira
quente uma mãozada de goma ou massa para tapioca (em colunas passadas já
mostrei como se faz), espalha para formar um círculo, espera um pouco e joga
por cima um tanto de coco fresco ralado. Vira, cozinha do outro lado, passa
para um prato com o lado do coco para cima, coloca o espetinho de peixe no meio
do círculo, dobra, formando meia lua e
coloca no meio da tapioca.
Bem, não é só no quiosque da Ivanize nem só no
Mercado da Redinha que podemos comer um bom espetinho de ginga com tapioca em
Natal, mas quem chega ali vem atraído pela delícia da iguaria e também pela
história sólida de uma família que se fez de encontros e união. Da tapioca da
mulher com a ginga do marido, da técnica indígena com o dendê africano, do
peixe com a mandioca, de peixes diferentes num mesmo espeto e das gerações que
seguem transmitindo o preparo da ginga às próximas - os pais de Evelize já
morreram, mas a neta está aprendendo a arte.
Por fim, a união de uma boa ideia com muito
trabalho impede que a tradição ofusque a qualidade. E todo o gingado desta
família para manter há décadas a mesma delicadeza da tapioca e o mesmo frescor
do peixe tem por testemunhas rio e mar em encontro emblemático logo ali em
frente ao mercado. Então, se for visitar a Fortaleza dos Reis Magos, marco da
fundação da cidade de Natal, atravesse a ponte que une norte e sul da cidade e
experimente a ginga com tapioca da Evelize com cerveja gelada. Ou, se estiver longe
de lá, experimente abstrair o cenário e variar as comidas das suas festas de
fim de ano com gingado. Use os peixinhos que tem por perto, sendo que os outros
ingredientes temos em todo o Brasil. É um prato descontraído que combina com
praia e calor. A receita abaixo, registrei ao observar Dona Ivanize fazendo.
Ginga com tapioca. Observando
Ivanize Januário
6 peixes pequenos (manjubas, lambari etc)
Sal a gosto
3 colheres (sopa) de farinha de mandioca para
empanar
Cerca de 1 xícara de óleo misto (óleo vegetal
mais azeite de dendê) para fritar
1 porção de massa para tapioca (ou polvilho
doce umedecido) com uma pitada de sal
3 colheres (sopa) de coco fresco ralado
Tempere os peixes com sal, coloque-os em
espeto, empane-os na farinha de mandioca e frite no óleo quente. Faça um disco de tapioca, colocando o coco
por cima, Cozinhe dos dois lados, coloque no meio o espeto de peixe e sirva.
Rende: 1 porção