Hoje tem Paladar! O texto está também lá no
blog do caderno. Ou no jornal impresso. E aqui também:
Amendoim-de-árvore
Já falei nesta coluna de
algumas castanhas que temos aos montes por aqui e para as quais não damos a mínima
importância, ou por desconhecimento mesmo, já que não estão à venda em
supermercados, ou porque as amêndoas de além-mar sempre nos parecem
melhor. Castanha de caju, amendoim e
castanha-do-pará (castanha amazônica, pra sermos exatos) todo mundo conhece,
mas o que dizer da castanha de baru, de pequi, da sapucaia, do chichá, da
monguba e do amendoim-de-árvore? Sem falar das amêndoas dos nossos coquinhos como
licuri, butiá, jerivá, babaçu, tucumã e tantos outros.
Pelo menos agora podemos
ter amendoins-de-árvore espalhados pelas praças de São Paulo. Pelo menos no meu
bairro, num projeto de compensação ambiental, uma construtora mandou plantar
vários exemplares de Bombacopsis glabra
mesmo em praças já bem arborizadas. O pensamento deve ser este: Tem que plantar
mil? Despeje logo tudo o que dá nesta praça mesmo.
Para não ficar apenas
lamentando a monotonia das espécies e criticando a forma como é feita esta
compensação, o melhor que temos a fazer é aproveitar o que as mudas que não
morreram por falta de cuidados têm a nos oferecer a começar pela deliciosa
sombra e as energéticas sementes comestíveis que pouca gente conhece. Bem, logo
as árvores da praça começaram a produzir frutos verdes que caem de maduros e se
abrem no chão, espalhando as castanhas marrons desenhadas com riscos beges.
Mas não é só você que não
conhece. Ela tampouco faz parte do meu repertório de frutos da infância. Só fui
experimentar estas sementes pouco antes do plantio na praça. Estava na casa do
primo do marido no interior de São Paulo e, como não era a visita principal e
não tinha muito assunto, passei o tempo olhando cada detalhe da cozinha,
reparando mesmo em tudo, até que meus olhos tropeçaram numa assadeira cheia das
bolinhas listradas e secas do tamanho de avelãs. Assunto não faltou a partir
daí. As castanhas com sabor de amendoim eram para os papagaios, mas havia quem
as comesse, fiquei sabendo pelo dono da casa. Lógico que comi várias, o
papagaio que comesse sementes de girassol. A casca solta das sementes é firme e
quebradiça e se parte com a pressão dos dedos. Por fim, o primo me levou à sua
chácara perto dali onde estava a planta carregada de frutos. E como um bom
acontecimento costuma vir acompanhado de outras sortes, ou talvez tenha sido só
uma coincidência, descobri que a espécie que havia comprado às cegas numa loja de
conveniência na estrada a caminho dali e que nos acompanhava naquele momento
dentro do carro era a mesmíssima planta que eu acabava de conhecer por inteiro.
Depois disso, nunca mais
perdi uma safra dessas castanhas, que vai de de janeiro a abril. E o bom é que,
embora a planta seja da Mata Atlântica de norte a sul, é rústica e se adapta a
vários tipos de clima e solo. Por isto tem sido muito usada na arborização
urbana. Sem falar que ela é toda ornamental, do porte elegante com folhas
digitadas às flores em estilo rococó.
Da família do baobás e da
paineira (Malvaceae, antiga Bombacaceae), a Bombacopsis
glabra é nativa da floresta pluvial Atlântica, desde Pernambuco até o Rio
de Janeiro, e também da mata inundável de várzeas do Pará e Maranhão. Porém, hoje é pouco frequente em seu habitat
natural. Em compensação, é muito usada como planta ornamental, inclusive em
vasos, e na arborização urbana no Sudeste, chegando alcançar 6 metros de
altura. Os frutos são cápsulas verdes, lisas, sem brilho, com fendas que se
abrem naturalmente quando os frutos amadurecem soltando as muitas sementes. Se você conhece o fruto da parente paineira,
saiba que é parecido. Até um pouco de paina a gente encontra entre as sementes.
Seus nomes comuns,
castanha-do-maranhão, castanha-da-praia, cacau-do-maranhão e amendoim-de-árvore
nos conta um pouco da planta e do fruto. Há quem encontre no sabor um toque de
pistache, avelã, coco e amendoim. Eu só consigo sentir a lembrança do amendoim
– como se fosse só o lado A do amendoim, a nota agradável e marcante mas sem
aquele retrogosto forte que chamo de lado B. Já a consistência das castanhas
torradas lembram, sim, avelãs ou outras castanhas bem crocantes. Quando
frescas, são leitosas e irresistíveis, mas podem ser também torradas (no forno
médio, até que a casca fique quebradiça, fácil de tirar) ou cozidas. São ricas
em gorduras e por isto ficam tão crocantes quando torradas. E preparadas assim
podem ser usadas como se fossem amendoins ou avelãs em pratos doces ou
salgados.
Fiz com elas paçoca - bati as castanhas torradas no
liquidificador com farinha de mandioca torrada, açúcar mascavo e uma pitada de
sal - e não consegui sequer fotografar
porque comi tudo num piscar de olhos. Outra receita que quero testar não é
minha, mas do Helton Josué Teodoro Muniz, pesquisador que cultiva frutas raras
e autor do livro “Colecionando Frutas” (editora Arte & Ciência, 2008). Ele ensina
em seu site, www.colecionandofrutas.org, a fazer um substituto
para achocolatados. Diz que faz um corte na película das sementes para não
estourar e torra na panela ou no forno até que fiquem bem douradas. Bate tudo
no liquidificador e coloca a mistura numa panela. Leva ao fogo e vai mexendo
até secar totalmente. Coloca de volta no liquidificador, bate mais e passa o pó
por peneira fina para separar a película. Ele usa o pó para enriquecer e
saborizar o leite como se fosse achocolatado ou para fazer bolos e biscoitos.
Diz que tem sabor entre coco e amendoim.
De minha parte, fiz com
ela um prato que faria com castanha de caju com a vantagem de que estas não precisei
comprar. Colhi todas na praça. Os frutos bem bojudos que não caíram no chão,
deixei na fruteira e em poucos dias eles se abriram espontaneamente quando pude
recolher as sementes que torrei.
Para torrar: faça corte em cada castanha para que não estoure no forno feito pipoca.
Em cerca de 10 ou 15 minutos, em temperatura de 200 graus, as castanhas estarão
douradas. Para separar as películas, aperte com os dedos e vá tirando uma a
uma. Se preferir, tire toda a casca antes de torrar. Neste caso, leve ao forno
ou doure em frigideira sem parar de mexer até começar a dourar. Para fazer
farinha, triture no liquidificador com pele e passe por peneira.
Batatas com
amendoim-de-árvore
1 colher (sopa) de manteiga clarificada ou
ghee
½
xícara de amendoim de árvore torrado, sem pele
3 colheres (sopa) de azeite
2 colheres (chá) de sementes de cominho
2 colheres (chá) de grãos de mostarda
3 xícaras de cubos de batatas cozidas (na água
levemente salgada)
1 colher (chá) de cúrcuma em pó
(açafrão-da-terra)
4 colheres (sopa) de uvas passas
10 tomates cereja cortados em metades 1 pitada de pimenta calabresa
1 pimenta dedo-de-moça verde e 1 vermelha, sem
sementes, cortadas em tirinhas
Sal a gosto
Gotas de suco de limão fresco a gosto
Folhas de coentro a gosto
Coloque a manteiga numa frigideira, junte os amendoins e aqueça em fogo médio,
mexendo sempre. Reserve.
Em uma frigideira grande, aqueça o azeite.
Junte as sementes de cominho e de mostarda e espere começar a
pipocar. Junte as batatas e doure-os por 5 minutos. Polvilhe a
cúrcuma, misture e, em seguida, coloque as uvas passas. Misture com cuidado e
deixe aquecer. Acrescente o tomate,
pimenta calabresa, a pimenta picada e uma pitada de sal. Refogue rapidamente,
mexendo com delicadeza, só para o tomate murchar. Junte o amendoim
de árvore e misture. Espalhe por cima o
suco de limão e as folhas de coentro. Sirva quente como acompanhamento ou
espere e sirva morno ou frio como salada.
Rende: 4 porções