sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Mamão verde. Coluna do Caderno Paladar, edição de 03 de setembro de 2015.

Como perceberam, fiquei fora até agora. Saí de Salvador, fui visitar as paneleiras de Maragogipe (Coqueiros), fui tomar banho de cachoeira na Chapada Diamantina e só agora estou de volta com a mala cheia de dendê e camarão seco. Antes de mostrar fotos da viagem, porém, deixo aqui o texto que saiu ontem na coluna do Paladar, do Estadão. No blog do caderno também tem.  


Mamão verde

Não sei o que acontece com a gente que não reconhece frutas imaturas como legumes. Está certo que algumas delas imaturas são terríveis de ruins, travosas, tânicas ou amargas. Às vezes, tudo isto junto e mais algum inconveniente. Abacate, caqui são exemplos, mas pode ser que estes tenham usos a depender da técnica empregada. Mesmo banana, amarrenta de tanto tanino, se amansa depois de cozida e se transforma numa massa neutra usada para enriquecer bolos e massas, melhorar a textura de pães e engrossar sopas.

Mas pouco de nós usa as frutas em todos os estágios de maturação, isto é uma verdade. A fartura de frutas maduras o ano todo parece que nos transformou em preguiçosos e assim vamos deixando para os dispostos sabiás as frutas que não damos conta de comer quando combinam de amadurecer todas ao mesmo tempo numa mesma árvore. E também tem a questão de uma vergonha velada, já que muitos destes alimentos foram, sim, usados, em períodos de escassez e a associação com a penúria perdura. Assim vamos perdendo tantas oportunidades.

Minha avó não fazia distinção entre mamão e chuchu e onde podia entrar um o outro podia substituir se estivesse mais à mão. E os dois, sempre havia no quintal. Era mamão na sopa, no cozido de carne de porco ou só refogadinho com cheiro-verde. Já o doce, muita gente faz e de todo jeito: as fitas enroladinhas em caracol; os cubos em compota, de crosta crocante e miolo macio quando banhados na cal; a polpa ralada e cozida no caldo de cana; os pedaços grandes em xarope de açúcar perfumado com folhas de figo e até os doces tipo marmelada, já que a polpa é rica em pectina. Mas em pratos salgados, tenho visto pouco. Em Florianópolis, na Vila de Santo Antônio de Lisboa, comi o tradicional frango caipira com mamão verde, prato delicioso e já esquecido pelas novas gerações que parecem preferir as batatas.

O mesmo não acontece em certos países asiáticos ou africanos que se orgulham dos pratos feitos com frutas imaturas como se fossem legumes. No Vietnã, mamão verde entra nas saladas ou no cozido de carne de porco, por exemplo. Na Tailândia, a salada crua temperada com alho, pimenta e molho de peixe é a mais conhecida, mas o ingrediente é usado de várias outras formas. Assim como na Índia, onde entra em curries e pratos cozidos.
Imagino que nestes lugares não veríamos uma cena como a que presenciei nesta semana – na reforma de uma casa, o canteiro foi destruído e junto foi embora um enorme mamoeiro e seus frutos verdes, que foram desprezados na calçada dentro de um grande saco, como se não fossem alimento. Claro que quem saiu ganhando fui eu e alguns vizinhos que quiseram compartilhar.

O interessante é que a espécie Carica papaya, cujos frutos de todas as variedades são tão consumidos, verdes ou maduros, na Índia, no Vietnã, na China ou na Tailândia,  tenha origem centro-americana e não asiática. E embora não seja muito comum, vemos em alguns destes países outras partes da planta serem usadas na alimentação. As folhas jovens, por exemplo, podem ser cozidas e usadas como qualquer outra verdura. E as sementes maduras têm sabor forte e picante e podem substituir a pimenta-do-reino. Isto, para ficarmos no terreno da cozinha, pois quando o assunto é fitoterapia aí o mamão e suas partes pedem muitas páginas mais. A papaína, uma enzima que quebra proteínas, é responsável por quase todas as aplicações medicinais.  E até na cozinha, ela tem suas implicações, afinal a gente não consegue fazer gelatina, que é colágeno, uma proteína,  com mamão cru. O cozimento desnatura a enzima e aí sim a gelatinização acontece.   O mesmo se dá com o abacaxi cru que não deixa coagular a gelatina não porque seja ácido mas porque tem bromelina, uma enzima proteolítica, de ação similar. 

Às vezes o mamão verde, de novo por causa da papaína, é usado para amaciar carne, mas a enzima pode fazer estrago com as fibras musculares se for usada em exagero. Algumas gotas da seiva no tempero de um corte mais duro são suficientes.
Parte da seiva contendo papaína saí do fruto assim que o cortamos, descascamos e lavamos.  Outra parte ainda resta e é responsável pela fama de fruta digestiva que tem o mamão.  Mas se estiver com ulcerações na boca ou na garganta, é melhor evitar comer o fruto cru, pois a papaína pode intensificar o machucado.  E use luvas caso tenha machucados nas mãos.

O  ideal é consumi-lo quando ainda tem as sementes brancas e a casca bem escura, sem nuanças de amarelo. Isto, quando queremos usá-lo em saladas, especialmente, pois estará bem crocante e com um ligeiro adocicado. À medida em que amadurece, o amido vai se transformando gradativamente em açúcar e a polpa vai ficando mais doce e colorida. Ainda assim, ele poderá ser usado em pratos salgados ajustando-se a técnica.  Ou seja, mamão de todos os tipos se usa em todas as fases.

Para cozinhar, coloque em água fria salgada ou em caldos e deixe ferver por cerca de 10 minutos ou até os pedaços ficarem macios.  Para salada, depois de descascar e ralar, lave umas três vezes para sair o excesso de amido e assim ele ficará mais crocante e translúcido. O mesmo vale para doces. 

E só para finalizar, não posso deixar de contar uma descoberta quase acidental: o suco verde de folhas de mamão pode acabar com os pulgões de sua horta. Bata no liquidificador algumas folhas e talos picados, junte água para fazer  um suco bem forte, coe num pano, junte umas gotas de detergente (só para fixar melhor nas plantas) e pulverize quantas vezes quiser ou precisar.  Não restará um bichinho para contar história e você poderá usar sua pimenta e seu coentro sadios para fazer a salada tailandesa, um dos pratos mais deliciosos feitos com mamão verde.

Salada tailandesa de mamão verde

1 mamão verde de meio quilo
Meia pimenta dedo-de-moça vermelha, sem sementes, picada em tirinha
4 colheres (sopa) de folhas de coentro e de menta a gosto
2 dentes de alho picados
1 colher (sopa) de açúcar de palma ou mascavo
1/4 de xícara (chá) de molho de peixe
1/4 de xícara (chá) de suco de limão
3 colheres (sopa) de amendoins torrados sem pele

Descasque o mamão, lave bem e, sem cortar, segure com um pano e rale em tirinhas no mandolim, até chegar no miolo. Vá rodeando até acabar. Para tirar o excesso de amido, enxague e escorra três vezes, apertando bem no final. Junte as tirinhas de pimenta e as folhas de coentro e de menta e reserve. No pilão, soque o alho e o açúcar. Junte o molho de camarão  e o suco de limão. Mexa bem pra dissolver o açúcar. Despeje sobre o mamão e misture bem com as mãos. Coloque num prato de servir e jogue por cima os amendoins e mais folhinhas para decorar.

Obs: molho de peixe ou de camarão, você encontra em mercearias de produtos asiáticos e até em alguns supermercados. Mas se não encontrar, use 4 camarões secos socados juntos com o alho e 1/2 colher (sopa) de molho de soja.  Ou tempere a salada só com sal e os outros temperos, que também ficará gostosa.

Rende: 4 a 6 porções


13 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Que maravilha de postagem Neide! Sempre usei o mamão verde em doces mas nunca pensei em usá-lo nas diferentes formas que você apresenta. Aqui em casa temos fartura de mamão que nascem espontaneamente no quintal e que faz a festa dos diferentes pássaros que por aqui visitam.

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  3. Adoro essa salada tailandesa.

    Eu normalmente soco o camarao seco com meio limao e depois ponho meia colher de fish sauce.

    Faco essa salada com manga verde tambem se nao encontro mamao verde

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  4. Neide, não sei se você conhece, uma especialidade da doceria mineira, que é o doce do pé de mamão. Você falou do pé de mamão desprezado e me lembrei com saudade dos doces da casa da minha mãe. O de pé de mamão era delicioso, lembra uma cocada de colher, com quase a mesma textura.

    Carlos

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  5. Neide, depois que você publicou essa "fórmula" antipulgão de folhas de mamoeiro minhas plantas ficaram livres dessas pestes! Custo zero, pois posso pegar as folhas até do chão, sem química, uma beleza!!!
    Grata por compartilhar!
    Cristiane Yumi

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  6. Neide, adorei a matéria!!! Muitas dicas legais!
    Tenho vontade de provar essa salada. E gostei da opção sem molho de peixe comprado por ser mais natural.
    Adoro acompanhar suas pesquisas!
    Muito Grata,
    Maíra Hanashiro
    (tampopogourmet.com)

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  7. Olá Neide.o comentário não tem nada a ver com essa post. Na verdade é uma dúvida sobre o pão do zero com levain. Fiz tudo do começo mas meu pão ficou com um gosto muito forte de azedo. Não dá pra comer. Será onde errei?
    Meu levain subiu na água em menos de dois dias. Achei que era pq aqui era muito quente. Depois disso acrescentei mãos trigo e água e ele ficou mais líquido do que sólido. Deixei de um di p outro, ele cresceu, mas não muito. No pão coloquei as quantidades exatas, mas depois ué ele descansou a primeira vez ficou grudando na mão. Coloquei mais farinha, e deixei pra descansar a segunda vez, mas não cresceu mais. O gosto tá muito azedo mesmo, será que é do fermento? Você pode me dizer onde eu errei? Se foi na hora do levain ou na hora do descanso da massa? Tô desejando comer pão e não posso comer qualquer um pq meu filho tem alergia a leite e ovo e eu ainda amamento então tenho que fazer dieta restritiva também. Esse pão seria a minha salvação. Rs

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  8. Gislaine,
    escreva pra mim no neide.rigo@gmail.com e a gente continua a conversa.

    Isabel,
    parabéns pelo trabalho sério e respeitoso. E obrigada pelo link.
    Um abraço, n

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  9. Isabel, boa tarde!
    sou leitora assídua do seu blog e, ao procurar sobre a mutamba (tenho 2 pés que estão em plena produção), achei apenas a menção ao sorvete já pronto. Você teria alguma indicação de como usar a mutamba? obrigada, Ana Valéria

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  10. OI Neide, esses camarões secos da bahia não têm muita química? Você tem alguma fonte segura? Um abraço!

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  11. Neide querida, tudo bem? Tinha dois mamoeiros aqui em casa cujas raízes prejudicaram o muro e resolvemos cortar. Qdo cheguei em casa, os mamães estavam na lixeira, quase caí dura rs!!
    Trouxe todos para dentro. Alguns vão para o doce, os maiores para amadurecer e os miúdos estou usando em salada!! Quando li seu post, foi só do que me lembrei, por isso vim comentar rs!! Bjs

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  12. Neide, que delícia ler seus textos, aprender tanta coisa nova mas muitas vezes antiga. Vc ajuda a preservar a cultura, obrigada e continue assim curiosa, investigadora e generosa, compartilhando suas descobertas!!!
    Maria Tereza, que uma vez ganhei uma muda sua de citronela

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