Hoje é dia de Paladar. O texto está no site do caderno, no jornal O Estado de São Paulo impresso e também aqui:
Ninguém
chama menino de bacuri na Ilha do Marajó, como costumo ouvir às vezes no Sul e
Sudeste. Mas meninos e meninas marajoaras
apreciam o grande fruto, que é uma das melhores do mundo.
Nativo
da Amazônia oriental e comum também no Cerrado e em algumas áreas da mata dos
cocais, do Maranhão e do Piauí, o
bacurizeiro, Platonia insignis, já
foi uma planta mais estimada pela madeira que pelos frutos. Atualmente é mais
vantajoso manter a floresta em pé, já que os frutos passaram a ser altamente
valorizados. Como a planta demora a frutificar, não há ainda muito plantio
comercial, embora já haja clones de plantas modificadas geneticamente para que
não tenham sementes e produzam em menos tempo. Mas aqui estou falando do bacuri
silvestre com todas as idiossincrasias que o fazem tão especial.
Na
fazenda onde me hospedei recentemente, a gente corria cedinho para recolher os
frutos que caiam durante a noite, antes
que os búfalos o fizessem. Parte era consumida antes mesmo do café da manhã e o
excedente enchia os sacos, recolhidos
umas duas vezes por semana por compradores que levavam para os mercados e
feiras de Belém. Não é fruto de se
colher como goiabas ou se comer como maçãs. As árvores são enormes, coisa pra
mais de 30 metros, e o melhor a fazer é esperar que os frutos caiam de maduros,
desde que a gente não esteja dando bobeira no sombreiro da copa, afinal eles
podem chegar a um quilo e com formatos diferentes segundo a variedade. Algumas plantas produzem frutos esféricos;
outras, achatados ou ainda alongados.
A
dona da fazenda, Jerônima, me explica que o formato da copa determina o desenho
do fruto. Copa arredondada, fruto
arredondado; copa piramidal, fruto idem. E o incrível é que os frutos mais
gostosos não são os maiores nem os mais bonitos. Todos eles possuem caroços
grandes cobertos de polpa branca, cremosa, algodoada e escassa - tem que ser raspada com os dentes. Espremido
entre as grandes sementes, encontramos aquele que é chamado de filhote, o filé
mignon do bacuri, uma polpa mais farta sem caroço para atrapalhar. Felicidade é
abrir um bacuri com uma só semente e vários filhotes. O contrário, porém,
sempre acontece, mas pelo menos um filhotinho sempre vem. Claro, a gente é
interesseira quando se pensa no paladar, porque as sementes são riquíssimas em
manteiga hidratante e medicinal, valorizada na fitoterapia e na indústria
cosmética.
Para
comer in natura, costuma-se quebrar os frutos com um pedaço de toco, pelo menos
ali onde eu estava. O fruto, na palma da mão e o bastão na outra. Uma só
pancada certeira e a joia branca se mostra. Jogá-lo ao chão não é boa ideia. É
difícil calcular a força ideal, nem tão fraca para a esfera não quicar, nem tão
forte para que a polpa não se espalhe pelo chão. A não ser que coloque dentro de um saco de
pano limpo e faça como se faz com a gila, arremessando com força o pacote no
chão. Lógico que isto não é técnica que se pratique por lá. Foi o que me
ocorreu só agora.
Depois
de ter vários frutos partidos, o que se fazia na fazenda era colocar tudo numa
bacia e servir assim, na mordomia. Cada quem que ia tirando caroços e filhotes
das metades. A boa educação manda que se roa um tanto de caroço alternando com
o ataque aos filhotes. Mas não é fácil se controlar, mesmo porque roer muitos
caroços faz acumular um tanto de resina escura nos dentes e tudo o que a gente
quer mesmo é devorar os filhotes, só eles.
Quem não conhece a fruta in natura mas já comeu mangostão, da mesma
família, pode ter uma vaga ideia do que seja o incrível sabor do bacuri, sendo
este ainda melhor. Pena que a polpa
dispute lugar com os caroços. Por isto, valorize quando comprar a polpa pura
congelada. Saiba que muitos bacuris foram quebrados para encher aquele pacote. O peso maior está na casca grossa, amilácea,
resinosa e também ácida e perfumada. Ela só não tem doçura nem delicadeza para
ser comida ao natural, mas é perfeita para doce, já que podemos, com a fervura,
extrair a resina, abrandar o amido e
depois lhe dar a doçura necessária acrescentando açúcar.
O que se faz
é aferventar as cascas em latas que possam ser desprezadas depois - a resina é
tão grudenta que pode inutilizar a panela se você não a limpar logo com
óleo. Para limpar os utensílios, basta
passar gordura com pano seco onde a resina grudou e depois lavar normalmente. Se
deixa secar, aí não tem jeito, tem que jogar tudo fora, pois vira um grude que
não saí nunca mais, especialmente se grudar em plástico.
No Marajó
há uma crença de que o fruto só pode ser aberto com bastão de madeira ou
qualquer pedaço de pau, pois o uso de facas pode fazer a planta-mãe sofrer e
produzir menos frutos. Descobri isto lá quando tentei cortar o fruto ao meio
usando uma faca, o que não é difícil. Logo chegou alguém pra me alertar. Fiquei
pensando nisto que aprendi lá, depois de sujar os cabos das minhas facas
cortando os bacuris que trouxe na mala. Entendi perfeitamente as motivações de
tal lenda: deve ser para inibir o uso de utensílios de cozinha pois o grude vai
provocar tanta raiva em quem limpa, que
é capaz de a criatura sair da cozinha praguejando para maltratar o pobre do
bacurizeiro que não tem culpa de nada. Então, assim como jaca, é só saber lidar
com a resina que o resultado é compensador.
E quando
não se tem a sorte de ter bacurizeiros no quintal, a gente tem mais é que usar
o fruto que se traz na mala integralmente. Basta acrescentar açúcar à massa da
casca cozida e o sabor é o mesmo da polpa. Se juntar ao doce da casca a polpa
cremosa então, aí, sim, o doce é de se comer de joelhos. E olhe que não sou de
doces. Se quiser fazer os doces
separados, vai ter um com consistência de marmelada e cor amendoada e outro,
mais cremoso e claro –mais fácil de fazer quando só se tem a polpa . Combinar
as duas partes, no entanto, só faz ressaltar o que ambas tem de melhor, o sabor,
a acidez, a textura.
Então,
mesmo que não tenha o fruto, procure boas polpas e terá os melhores doces, sorvetes,
geleias, musses, cremes, recheios e lembranças de animar papilas pra sempre.
Doce de bacuri
6 bacuris
Açúcar – metade o peso da massa
Água
Corte os bacuris ao meio e separe
polpa e casca – antes, unte facas,
panela e mãos com óleo. Reserve a polpa –
filhotes e a massa que tem em volta dos caroços, que pode ser tirada
raspando com uma colher. Lave bem as
cascas e corte em pedaços grandes. Cubra com água e leve ao fogo. Ferva três
vezes com água nova e quente e escorra, para eliminar a resina. Deixe cozinhar na quarta água por cerca de
meia hora ou até ficar com consistência de batata cozida. Escorra, espere
esfriar e tire a película.
Junte os pedaços da casca e a
polpa e pese. Use metade do peso em açúcar. Coloque tudo no liquidificador com
água suficiente para fazer o aparelho funcionar e resultar num creme liso.
Coloque o creme numa panela e
leve ao fogo médio. Mexendo sempre, deixe cozinhar até começar a se soltar do
fundo da panela. Passe para uma
travessa, espere esfriar e conserve por até quinze dias na geladeira. Se
estiver bem apurado, pode virar doce de corte. Menos apurado, um doce cremoso.
De qualquer forma, sirva com requeijão do Marajó ou queijo fresco ou use como
recheio (se estiver na consistência de corte, basta derreter no fogo com um
pouco de água).
O rendimento depende do tamanho
dos bacuris.
Almofadas de cúrcuma com recheio de bacuri
Para as panquecas de cúrcuma
1 xícara
(240 ml) de leite
1/3 de
xícara (50 g) de farinha de trigo
¼ de
xícara (30 g) de polvilho de araruta – ou polvilho doce de mandioca
¼ de
xícara (25 g) de açúcar
1 colher
(chá) de cúrcuma (açafrão-da-terra) em pó
3 ovos de
tamanho médio
1 colher
(sopa) rasa (10 g) de manteiga derretida
Para o recheio
1 colheres (sopa) de doce de
bacuri
1 xícara de creme de leite fresco
gelado
½ colher (chá) de extrato natural
de baunilha ou as sementes de uma fava
½ colher (sopa) de açúcar de
confeiteiro (opcional)
Bata no liquidificador todos os
ingredientes para misturar bem (se quiser, use um batedor de arame e passe por
peneira) e deixe em repouso 15 minutos.
Em frigideira antiaderente, fogo
médio, faça as panquecas bem finas,
usando a cada vez pouco menos que ¼ de
xícara de massa como medida. Assim que começar a formar bolhas na massa, tire
com uma espátula e passe para uma travessa com a parte dourada para cima, sem
amontoar, para que a parte dourada não manche a parte amarela. As panquecas não
são viradas na frigideira. São douradas de um só lado. Espere esfriar.
Prepare o recheio: na batedeira ou com batedor de
arame, bata bem o creme com o açúcar e a baunilha até formar picos macios.
Separe o doce de bacuri.
Monte as almofadas: no meio de cada panqueca, com o
lado amarelo pra baixo e o dourado pra cima, coloque uma porção de creme batido
e o doce de bacuri por cima. Dobre como um envelope e passe para uma travessa,
com as dobras para baixo. Depois de todas as panquecas estarem recheadas, cubra
a travessa e leve à geladeira por pelo menos 1 hora. Na hora de servir, se
quiser, polvilhe açúcar de confeiteiro e enfeite com hortelã, pétalas de flor
de cúrcuma ou jasmim.
Rende: cerca
de 12 panquecas
Parabéns Neide pelas lindas fotos e pelas frutas serem tipicas do Norte do Brasil e acredito que únicas no Mundo.
ResponderExcluirPensando no seu blog e por ser uma naturalista, gostaria de informar sobre um novo tempero 100% natural e vegetal chamado de Cenovit, sendo um extrato de levedura.
Para mais detalhes veja o site: www.cenovit.com.br
Bom fim de semana.
Abraço, Patrick.
Que mão-de-obra tan hermosa que está realizando, felicita, todos debatem o novo componente da parte para seguir a descrição para a madre tierra.
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