Hoje tem coluna do Paladar, no jornal O Estado de São Paulo, no blog do caderno e também aqui.
Está aqui uma das iguarias que poderia figurar naquelas lojas
japonesas que vendem frutas a preço de joia.
Aposto que muita gente pensou num doce fino, brilhante, com calda
transparente, em pote de cristal e tal. Pensou certo, pode ser tudo isto, mas este
doce caipira ainda não conquistou a fama fora da roça.
A simples palavra roça ou caipira já faz descer alguns degraus
tudo o que temos de melhor no campo.
Aliás, campo, campanha, camponês, campestre só soam melhor porque nos
remete ao ambiente europeu. Mas, quando nos livrarmos dos preconceitos e principalmente das jequices, vamos descobrir que alguns de nossos pitéus caipiras
não perdem em nada pra especialidades europeias. Está certo que ganham em açúcar, mas isto dá
pra corrigir.
Mesmo porque muito do que temos hoje na culinária caipira tem
mãos imigrantes por trás. Caso do
pêssego, a começar pela planta (Prunus
persica, L.) originária da Ásia e trazida pra cá pelos colonizadores,
finalizando pelos preparos - afinal não consta de nosso arsenal indígena
conservar frutas em caldas de açúcar.
Só quem já passou por guerras e frios infrutuosos pensaria em
conservar frutas assim, ainda mais sendo verdes. Comer o que tem e depois o que vem, este é o
lema em terras de fartura de frutas e clima generoso. Nas
cidades grandes, sim, vamos encontrar frutas de todos os lugares em todas as
épocas, mas na roça frutas passaram a ser conservadas em caldas para os
períodos de entressafra e também porque é um jeito de aproveitar frutas em
estágios não apreciados para o consumo in natura, ampliando a duração da safra
e evitando desperdício quando todas as frutas parecem combinar de amadurecer ao
mesmo tempo. Assim, figo, pêssego, manga e mamão, principalmente, costumam ser
usados para doces em calda, pastosos ou de corte.
E a técnica ficou não só por necessidade de conservação mas
também pelo resultado desejado. Podemos preparar e comer a sobremesa
imediatamente só pelo prazer de ter na boca o doce ácido, algo amargo,
suculento e perfumado com a própria semente.
Eu sou muito mais por uma compota de pêssego verde que do maduro.
No interior do Paraná, no
sítio dos meus avós e na casa de vários parentes e conhecidos, os vidros cheios
de pêssego verde coincidiam com as férias em época de Natal. A intenção
de ampliar a safra, de chegar antes dos passarinhos e ainda dispor de sobremesa
deliciosa sempre foi muito clara mas também pode ter surgido para evitar o
desperdício dos pêssegos pequenos que às vezes são colhidos e descartados ainda
verdes para melhorar a qualidade das frutas mais promissoras. É isto que acontece com pequenos pêssegos
japoneses, estes sim vendidos atualmente como raridade. Só começou recentemente a
gourmetização desses pesseguinhos chamados de wakamomo, antes descartados durante a primavera nos
pomares em torno de Fukushima e Kyoto para aprimorar as frutas que seriam
colhidas no verão. Colhidos ainda mais
miúdos do que de costume por aqui, eles hoje são cozidos em xarope de açúcar e
servidos como iguaria.
Os nossos ainda são privilégios dos que têm um pé de pêssego por
perto. Estes meus foram pura sorte. Claro que todos os anos eu colho uma pequena
quantidade deles numa praça perto de casa – imagino que já tenha se acostumado
com esta notícia -, porém desta vez a colheita foi mais farta. Para falar a
verdade, colhi todas as frutas do pé.
Não se assuste com a ruindade de não ter deixado nada para os
passarinhos ou transeuntes que gostam da fruta madura. Ao meu favor tenho a dizer que o pequeno
pessegueiro foi atropelado por uma figueira que se esborrachou no chão depois de
uma tempestade. Colhi todos os pêssegos dos galhos mutilados no dia seguinte e
aqui estão eles sãos, gostosos e salvos.
O preparo tem poucos segredos e um deles é que a película tem que
ser retirada para que a calda encharque bem a polpa. O outro é que não deve
levar nem cravo nem canela e isto aprendi com Dona Olga, minha mãe. É que o
tempero vem da própria semente que não é descartada – nem engolida, claro, é só
tirar da boca de modo não muito elegante.
É que, como outras frutas da família das Rosáceas, as sementes do
pêssego têm a mesma substância aromática que dá sabor às amêndoas amargas, às
cerejas e às sementes da nêspera, por exemplo. E é aí que está a grande atração
deste doce.
Então, agora é só ir atrás de produtores a quem possa encomendar frutas ainda verdes -
a polpa deve estar bem verde e dura. Com
o doce pronto, basta servir puro com a
calda ou com uma colherada de sorvete, nata, creme batido, iogurte ou usar para
fazer receitas que faria com a compota de pêssego maduro. E nhac!
COMPOTA DE PÊSSEGO VERDE
1 kg de pêssego verde
1 colher (chá) de sal amoníaco (opcional, para tirar a pele)
500 g de açúcar
Lave bem os pêssegos e coloque numa panela. Cubra com água e junte
o sal amoníaco. Assim quer ferver, escorra, espere esfriar e guarde no freezer.
No dia seguinte, com os pêssegos ainda congelados, vá puxando a pele debaixo da
água e ela sairá facilmente. Se não quiser fazer isto, descasque as frutas uma
a uma com faca de legumes bem afiada, mantendo os biquinhos – vá deixando as
frutas numa bacia com água para não escurecer.
Coloque as frutas sem pele numa panela de aço inoxidável, cubra
com água e cozinhe por cerca de 25 minutos ou até que fiquem macios mas não moles.
Descarte uma parte da água, mantendo cerca de meio litro. Junte o açúcar e
deixe cozinhar até que ele derreta e forme uma calda como xarope. Se quiser
cobrir com mais calda, junte mais açúcar e mantenha quantidade maior do líquido
de cozimento. Depois de frio, conserve
na geladeira.
Não coloque nem cravo nem canela que podem mascarar o sabor
amendoado das sementes.
Rende: 12 porções
Maravilha!! é uma delícia!! naqueles quintais onde cresci quase sempre havia um pé de pêssego, um de figo, um de limão rosa... Tudo meio mirradinho, nada graúdo, vistoso... Minha mãe tb fazia esse doce e jamais me esquecerei do sabor da "castanha" do pêssego, como dizíamos... depois de comida a polpa docinha, chupávamos o caroço até limpar todinho e ainda batíamos nele pra quebrar e comer a castanha de sabor único... Figo verde em calda tb é de fino sabor, delicioso... nada a ver com os enlatados...
ResponderExcluirAh, que bem q vc me faz!
Clarice.
Olha só, tinha me esquecido deste deste doce!. Aqui no interior, era fácil encontrar pêssego verde, figo verde, pera dura, etc para vender!Minha mãe fazia muito. Saudade!
ResponderExcluirOlá! Uma duvida: depois de cozidos por 25 minutos os pessegos ficam à parte e faz se a calda separado? Ou as frutas ainda cozinham por mais tempo dentro da calda? Obrigada
ResponderExcluirVou voltar à infância! Obrigada por me permitir isso, Neide. Estou com pêssegosmnom ponton exato. Uma pergunta: posso usar melaço de cana em vez de açucar? Se é possível, que quantidade? Beijos,
ResponderExcluiradelia
Doce de pêssego verde talvez seja meu doce preferido. Em Goiás come-se muito. Ou comia-se, porque está difícil de achar. Moro em Brasília e aqui ainda não achei quem tenha pelo menos ouvido falar. Adorei ler sobre esse doce.
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