sexta-feira, 3 de junho de 2016

Maxixe. Coluna do Paladar de 02 de junho de 2016

Não morri, não, minha gente. É sempre culpa dele, o tempo. Era pra ter postado ontem a coluna do Paladar. Não deu, mas antes tarde que nunca. Pra quem não vê no jornal, aqui está: Tem também no blog do caderno




Outro dia um grupo de amigas que gostam de cozinhar e trabalham falando e escrevendo sobre comida esteve em casa para algumas horas felizes fazendo nada muito diferente disso tudo, a não ser pela etapa do comer e por estarmos de folga do trabalho. Nossa convidada especial era a amiga comum Ana Rita Dantas Suassuna, autora do livro Gastronomia Sertaneja, que chega sempre cheia de ânimo com histórias do Sertão. Desta vez a comida emblemática estava na panela já cozida com temperos, só faltando o leite de coco que veio no vidrinho, comprado pronto, pra colocar na hora de esquentar e servir. 

Entre cachimbos e malassadas, a maxixada brilhou. Lembrando que cachimbo é de beber e malassada não vai ao forno. O primeiro é uma bebida feita de cachaça, mel e frutas que, segundo Ana, a moça grávida já começa a receber quando anuncia o pãozinho no forno, para servir às visitas quando vem o rebento. E malassada é a tortilha do sertão feita na frigideira com ovos batidos em neve, farinha de mandioca e temperos. Mas, voltemos à maxixada.

No almoço do outro dia todas nós queríamos repetir a maxixada do jantar de tanto que gostamos. Quem já comeu a maxixada do restaurante Mocotó ou já fez a receita que Ana traz em seu livro ou simplesmente faz deste prato uma mistura do dia a dia sabe do que estou falando. Maxixe é um ingrediente incrível: rústico, nutritivo e, a quem possa interessar, não tem quase nada de calorias embora possa ter o tamanho de uma batata média – o que ajuda a nos iludir quando é colocado no prato. 

Em Salvador comi na casa de amigos a maxixada da Geo, Geralda Oliveira Silva, que comanda a cozinha há anos e incorporou a técnica da família ao seu jeito de temperar.  O leite de coco é pouco, mas leva extrato de tomate, camarão seco e ovos no final.  A técnica da família consiste em aferventar as rodelas do maxixe antes e espremer um pouco para tirar o excesso de sementes. Já Eliana Santiago, também  baiana, mas do Sertão, e que trabalhou  um tempo comigo, cozinhava sua maxixada na panela de pressão com temperos comuns que incluía tomate, pimentão e coentro, mas refogava tudo com um pouco de toucinho e colorau. E também ficava divino.

Ana Rita fica radiante ao contar que o maxixe é o primeiro verde que surge na seca tão logo vem a época das trovoadas. A chegada das águas no Sertão é cercada de reverências. Um amigo de Uauá, no interior da Bahia, me conta que o pai não deixava ninguém continuar deitado se por acaso a chuva chegasse no meio da noite. É falta de respeito. Todos se sentavam e rezavam em agradecimento ao milagre da vida.  Pela manhã os filhos saiam a plantar os grãos, o milho, o feijão, mas o maxixe brotava sozinho, por bondade, de sementes de outras safras. Em pouco tempo já podiam colher os primeiros frutos. Os primeiros verdes da temporada a irem pra panela que andava meio pobre.


A planta Cucumis anguria é originária da África e foi uma das preciosas contribuições dos escravos à nossa dieta, nos impondo além de pedidos de desculpas também o eterno agradecimento. Logo se transformou numa espécie quase espontânea por todas as áreas tropicais, não só no Brasil.  Do Sudeste brasileiro até o Sul dos Estados Unidos o maxixe nasce à toa, sem muitas exigências a não ser o calor. Na Flórida, numa extensão limitada há cultivo para a fabricação de picles.  Por aqui, ele é mais apreciado fresco, na maxixada, na feijoada, nos escaldados e cozidos. E até em saladas, sucos, drinques – Ana Luíza Trajano, do restaurante Brasil a Gosto, inventou o seu “dry maxixe”, que fez sucesso.  O perfume do legume lembra o de pepino e deixa um aroma bom na bebida.

Aliás, o maxixe é do mesmo gênero do pepino e mesma família do melão, da melancia, da abóbora e do chuchu. Como todas estas plantas, o maxixeiro é planta rasteira ou trepadeira e tem gavinhas para o caso de encontrar suportes.  As primeiras folhinhas lembram as de melancia, mas tão logo os frutos ganham tamanho de uma noz já podem ser colhidos. Nas feiras e mercados de cidades do Nordeste onde podem ser encontrados, costuma-se encontrá-los amarrados pelo “rabo”, um fio fibroso que faz parte do fruto e que é retirado  quando vai ser preparado. Em São Paulo os frutos normalmente já vêm sem o apêndice.

Há variedades lisas, mas a maioria tem casca fina com muitas pontas na forma de espinhos macios.  São comestíveis, mas podem ser raspados antes do preparo. Não precisa tirar toda a casca, que fica bem macia depois do cozimento e as sementes achatadas tampouco incomodam. Pelo contrário, conferem crocância ao prato.

Não é em todo supermercado que você vai encontrar o legume, mas em mercados municipais e principalmente ao redor deles, em barraquinhas, é certeza se separar com maxixe o ano todo - em locais quentes ele tem produção ininterrupta com irrigação quando não há chuva.   Em frente ao Mercado da Lapa, por exemplo,  há uma feira informal onde sempre vai encontrar maxixe e de tudo o que mais precisar  para sua maxixada: coentro, tomate, pimentão, cebola, cebolinha.  Além de macaxeira, abóbora madura, feijão de corda, coco e quiabo para completar a mesa.   

Quando for comprar, escolha os menores, mais firmes. Conforme vão amadurecendo vão ficando amarelados, as sementes vão endurecendo e o sabor ganha um tico de amargor. Quando estiverem totalmente maduros, melhor usá-los para espalhar as sementes pelos quintais.  

A maxixada que fiz é parecida com a da Ana Rita, mas gosto de cozinhar os legumes em metades e juntar um pouco dos temperos frescos também no final para me aproveitar das cores. De resto, é igual. No livro dela há muitas outras preciosidades do Sertão que não podem ficar esquecidas por aí. 

Maxixada

1 cebola roxa
1/4 de cada pimentão: do verde, do amarelo e do vermelho
4 ramos de coentro
1 ramo de cebolinha
20 maxixes lavados, raspados e cortados ao meio, de comprido
3 dentes de alho amassados
Sal e pimenta-do-reino a gosto
1 xícara de leite de coco

Pique a cebola, o pimentão, o coentro e a cebolinha e guarde um pouco para usar no final. Numa panela coloque o restante dos temperos, os maxixes, o alho e água suficiente para cobrir. Tempere com o alho, sal e pimenta-do-reino. Tampe e deixe cozinhar por cerca de 20 minutos ou até o legume amaciar e a água secar. Se for preciso, junte mais água quente. Cubra com leite de coco, junte a cebola e o pimentão reservado (pique mais fino), abaixe o fogo e espere aquecer. Prove o sal e corrija, se necessário.  Espalhe por cima o coentro reservado e a cebolinha e sirva. Pode ser prato único ou acompanhado de arroz, farinha, peixe, carne.


Rende: 8 porções

4 comentários:

  1. Tem um prato no meu Bazzar que é sucesso há muitos Verões: é um beijupirá com farinha do Acre, pirão e maxixe. Uma delícia!

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  2. Neide, gosto do maxixe assim: refogo 1 cebola picada com azeite, 2 tomates maduros picados, cerca de dez maxixes raspados e cortados em rodelas. Acrescento 2 colheres de sopa de extrato de tomate e meia xícara de água. Depois de abrir fervura acrescento meio vidro de leite de coco. Tempero com sal. Fica delicioso!

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  3. Neide, gosto do maxixe assim: refogo 1 cebola picada com azeite, 2 tomates maduros picados, cerca de dez maxixes raspados e cortados em rodelas. Acrescento 2 colheres de sopa de extrato de tomate e meia xícara de água. Depois de abrir fervura acrescento meio vidro de leite de coco. Tempero com sal. Fica delicioso!

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  4. Cristiana, este prato deve ser demais de bom!

    Stella, gostei da simplicidade do prato. Vou fazer!

    Um abraço,n

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