A coluna Nhac está no caderno Paladar, do jornal Estadão de hoje, no blog do Caderno e também aqui.
Se quiser ver mais receitas vá ao campo de busca aí do lado e procure como bertalha-coração ou caruru-do-reino. Há várias receitas espalhadas por aí ao longo destes anos.
BERTALHA CORAÇÃO
Há certas coisas
deselegantes de se dizer sobre espécies vegetais e animais que apreciamos, mas que precisam ser ditas antes de colocar
para tocar o lado A, mesmo contrariando todo o nosso amor pelo ser vivo em questão:
a bertalha-coração é considerada por aí uma verdadeira praga.
Mas, calma lá, tudo
pode ser mais fácil se passarmos a devorá-la, como fazem as larvas de certos
besouros – aliás, eles são a esperança de cientistas como arma biológica para
duelar com a trepadeira. Vários estudos mundo afora buscam uma saída para
conter o crescimento desembestado da planta quando ela escapa da vista.
A planta Anredera cordifolia é nativa da América
do Sul, naturalizada em vários países como planta ornamental e alimentícia mas
considerada uma praga exótica quando pula o muro dos jardins e canteiros. Na
Austrália, África do Sul, Havaí, Nova Zelândia
e outras ilhas do Pacífico ela representa um problema ambiental sério
pois domina florestas, áreas costeiras e ribeirinhas encobrindo todas as árvores
como uma capa verde invencível.
Agora, além de ser
uma trepadeira linda, com floração exuberante em cachos brancos, delicados e
perfumados, suas folhas verdes são espessas e têm um bonito formato de coração,
nem sempre no desenho clássico. Lembram o espinafre, porém, sem aquela picância
desagradável e algo tóxica dada pelo ácido oxálico quando esta verdura está
crua. Cruas ou cozidas, as folhas da bertalha-coração são sempre suaves, sem
amargor nem pungência e a textura é muito macia, quase cremosa. E tudo o que
você faria com o espinafre, pode fazer com as folhas da bertalha-coração.
O exemplar que
mantenho hoje no quintal e na horta comunitária veio de uma amiga chinesa há
muitos anos. Disse que era comestível, que a mãe cultivava, mas não sabia o
nome em português. Fui mantendo a espécie por perto até descobrir um de seus
nomes, caruru-do-reino, e seus usos em
Minas Gerais como verdura. Mesmo mantida
à rédea curta, às vezes a gente acorda e a encontra uma braçada mais alta se
apoiando no telhado do vizinho e por isto foi logo apelidada por aqui de
“terror-do-reino”.
Mas vamos ao lado
lado bom desta selvageria toda. Que outra hortaliça produz folhas nutritivas e
gostosas tão abundantemente, durante o ano todo e sem exigir cuidados? O ora-pro-nobis, talvez, que tem folhas
assemelhadas. Mas ainda não chega aos seus pés. E que outra verdura dispõe de
tantos sortilégios para perpetuar a espécie? A bertalha-coração tem túberas
aéreas e subterrâneas, chamadas também de bulbilhos, que resistem a intempéries
e quando expostas a qualquer sinal de umidade já começam a lançar raízes para
formar novas plantas que, mesmo sem gavinhas, vão estendendo seus galhos
flexíveis que se arrastam e escalam o que estiver no caminho. Ela prefere umidade e local sombreado mas
resiste à seca e geadas com garra. É, portanto, e desculpe-me o pessimismo de
um lado, uma planta alimentícia para o futuro – otimista, aqui - se pensarmos na escassez de água e as
consequências trágicas para a olericultura tradicional centrada em verduras
frágeis e sazonais como espinafres, brócolis, alfaces e rúculas, por exemplo.
Quer mais vantagens
da planta? As flores são melíferas, atraem muitas abelhas nativas, e as túberas, tanto as aéreas quanto as
subterrâneas, maiores, também são comestíveis e gostosas. As aéreas são mais
fartas, com claro sabor de batatas e tamanho de nhoque - comparação induzida, claro. Elas crescem em aglomerados que saem
diretamente dos galhos e cada túbera pode gerar uma ou mais planta se não a
comermos. Para usar, basta soltar umas
das outras. Quando cruas, têm mucilagem
como o quiabo, mas podem ser cozidas inteiras e servidas com casca. São como
umas pequenas batatas de superfície rugosa, que atraem e seguram molhos mais
densos ou vinagretes - para fazer como
aquelas batatinhas de aperitivo.
Se o problema dela é
a produção farta, um bom controle biológico seria o consumo das folhas e
bulbilhos como alimento, como se faz na China, um dos poucos países com cultivo
comercial da planta. E não é só para alimento que cultivam, mas também para medicamento que, desidratado,
é vendido em cápsulas sob o nome de “binahong”.
Atribui-se à planta poderes milagrosos de normalizar a circulação e
pressão arterial, restaurar o sistema imunológico, curar ferimentos entre outras
funções. Um pouco disto tudo parece ser
verdade. Há vários trabalhos publicados sobre seus benefícios para a saúde.
Em locais públicos,
canteiros e terrenos abandonados, não é difícil encontrá-la como planta
espontânea. Já fotografei moitas dela em várias capitais do Brasil e pequenas
mudas até em jardins como o do Museu da Casa Brasileira junto de tansagens e
serralhas.
Provavelmente não
será fácil encontrar a verdura em feiras livres, mas tenho certeza que
reconhecerá as folhas trepadeiras em forma de coração quando as vir por aí. E
se frequenta uma feira de produtores, aposto que saberão do que está falando
quando disser que compraria as folhas e bulbos se eles trouxessem para vender.
Muitos destes produtores devem ter a dita praga nos canteiros e amaldiçoá-la
todos os dias.
As folhas podem ser
consumidas cruas, refogadas ou cozidas, em sopas, massas, suflês, fritadas e
cremes. E os bulbos, use-os como batatas, inteiros, cozidos por 10 minutos.
Bulbilhos de bertalha-coração com suas folhas na
manteiga
2 xícaras de
bulbilhos de bertalha-coração
2 colheres (sopa) de
manteiga
1 colher (sopa) de
azeite
2 dentes de alho
picado em cubinhos
1 xícara de folhas de
bertalha-coração
Sal e
pimenta-calabresa a gosto
Para a cobertura e farofa de pão
4 fatias bacon
1 colher (sopa) de
manteiga
4 colheres (sopa) de
pão duro ralado grosso (usei pão de abóbora)
Sal a gosto
Raspas de meio limão siciliano
Lave bem os bulbilhos
e cozinhe por 10 minutos em meio litro de água temperada com 1 colher (chá) de
sal. Enquanto isto, prepare a cobertura: coloque as fatias de bacon numa frigideira,
leve ao fogo e deixe fritar em sua própria gordura até ficar crocante. Tire da
frigideira e reserve. Aqueça a manteiga
na mesma frigideira, junte o pão e mexa
bem para formar uma farofa e o pão começar a dourar. Desligue o fogo, tempere
com o sal a gosto e as raspas do limão. Reserve.
Escorra os bulbilhos e
reserve. Coloque em uma frigideira a manteiga e o azeite com o alho. Deixe
começar a dourar. Junte os bulbilhos e as folhas e refogue até que as folhas
murchem. Desligue o fogo e tempere com sal e a pimenta-calabresa a gosto. Sirva
como nhoque, com o pão ralado e o bacon quebrado por cima.
Rende: 4 porções
me lembro da minha avó fazendo serralha e caruru, do pe de xuxu no canteiro, moro na baixada santista, tem muito mato aqui queria saber identificar as pancs para poder consumi-las. existe algum livro, site que eu possa buscar informação sobre as pancs da minha região.gosto muito dos seus posts e acompanho sempre, obrigada.
ResponderExcluirOi, tem sim um livro legal! "Misture a gosto-Glossario de ingredientes do Brasil", de Ana Luiza Trajano, com prefacio de Neide Rigo (olha só!!!). É da Editora Melhoramentos.
ResponderExcluirRosemeire e Karla!
ResponderExcluirAcho que em agosto ele ainda não havia sido lançado. Mas é verdade. Tem muita coisa lá. E tem também o livro Panc no Brasil, do Valdely Kinupp e Harri Lorenzi.
Obrigada, Karla!
Um abraço,n
Adorei as explicações ganhei uma mudinha de um amigo,não sabia que vira praga cuidarei para não se propagar sabia que pode ser comida as folhas,não sabia que podia comer as batatinhas sei que são muito nutritivas abrigada por dividir essas explicações .
ResponderExcluirMinha sogra está em tratamento de câncer e nos exames deu um alto nível de potássio, pesquisei sobre a folha, mas só li que tem ferro, zinco e cálcio. A anemia dela está quase desaparecendo. Louvo a DEUS por nos dar tantos alimentos importantes pra nossa saúde. Silvia Vasconcelos Linhares - ES
ResponderExcluirtenho alguns pés parecidos, mas fico sempre na duvida se é o mesmo visto que os bulbos aéreos ficam enormes tranquilamente do tamanho da palma da mão, na realidade fica um emaranhado so. como posso realmente saber se é a mesma?? as flores são brancas e não produzem frutos e ao secarem caem as formas de estrelas....muito lindo, mas...
ResponderExcluirobrigada
Oi...adorei gostei muito da postagem, consegui uns bulbos em um centro comunitário e estava pesquisando sobre os mesmos, lá eles chamam de espinafre gaúcho, mas pelas fotos vi que é o mesmo...Obrigada vou fazer sua receita!!
ResponderExcluirMuito bom! Tô doido pra comprar mudinhas da planta. Tenho a bertalha comum que não pode ser comida crua, mas essa coração, que maravilha! crua ou refogada e ainda tem os bulbos! um presente da natureza.
ResponderExcluirA receita muito boa, mas não colocaria o bacon...um pecado misturar uma planta tão santa como a bertalha ao bacon que é um horror...mas há quem coma e goste, há gosto para tudo e tudo bem.
Um abraço.