A massa crua, dobrada, sobre a couve, pronta pra ir ao forno |
Neste ano tive a sorte de ser convidada para acompanhar todo o processo. Então, na quinta feira já me deparei com a bacia de ágata com bordas vermelhas e ligeiramente lascadas cheia de farinha de trigo sobre a mesa. É esta mesma bacia, comprada na feira de Cantanhede, lá em Portugal, que acompanha Dona Beatriz desde então no preparo dos pães de Páscoa.
Bairrada é famosa pelo leitão à pururuca assado no calor da lenha, mas dos mesmos fornos saem também folares de Páscoa (aqueles pães com ovos cozidos no topo), broas e pães outros que variam conforme a aldeia. O pão de Dona Beatriz leva muitos ovos em razão da Páscoa, mas pode ser feito em qualquer época, já que é um pão deliciosamente perfumado com raspinhas de limão e bastante rico em ovos e manteiga. O sabor é quase o de bolo. Antigamente, diz Dona Beatriz, usavam azeite em vez de manteiga. Mas a couve colocada em baixo da massa é costume original.
A farinha, peneirada já com o açúcar e pitada de sal, foi afastada para os lados para abrir uma cova no meio. Desmanchou-se aí o fermento de padaria com um pouco de água morna. Em seguida foram chegando os ovos, batidos ligeiramente de quatro em quatro, até dar o ponto de massa branda. Foram 30 ovos. Não se assuste, pois a receita é grande - se cada pão for comido por três pessoas, dará em média um ovo por pessoa e isto é razoável, não?) . Dona Beatriz ia sovando a massa com as mãos fechadas, como se desse soquinhos. No You Tube vi várias portuguesas amassando pão do mesmo jeito, com este mesmo gesto de mãos fechadas.
Amassando com as mãos fechadas |
No sábado voltei à casa para ver como dobrar a massa e assar sobre as folhas de couve. A massa crescida foi dividida em pedaços de mais ou menos meio quilo e, sobre um prato enfarinhado, os pedaços foram modelados como bolas. Estas bolas ficaram sobre a mesa enfarinhada e cobertas com pano. Depois de mais ou menos uma hora, quando estavam bem crescidas, começou-se a dobrar e assar.
Depois de 20 minutos, meia hora, o pão está todo dourado por cima, com uma marca clara no lugar da dobra. Então, rapidamente, Dona Beatriz tira a folha de couve, limpa o pão com pano seco para que saia toda a farinha que eventualmente sobrou, e passa com um paninho sobre toda a superfície do pão um pouco de ovo inteiro misturado, só pra dar brilho. Tem que ser bem rápido para que a camada fina de ovo seque imediatamente, então o pão tem que estar bem quente, saindo fumaça. Prontos, passam para a mesma bacia de ágata que comprou na feira de Cantanhede.
Não fiquei até todos os pães serem assados - terminou tarde. Pelo menos pude levar o meu e me inspirar para fazer meia receita ainda no feriado. No próximo post mostro fotos do meu - nem contei pra Dona Beatriz, mas usei minha batedeira elétrica super fortona para amassar a massa. Funciona bem para quantidades menores. Mas na Bairrada ninguém faz este pão de pouco. Faz-se para a família, para os amigos, para os afilhados. Dona Beatriz, enquanto fazia os pães, me contou muitas histórias bonitas daquele Portugal de cinquenta anos atrás, e também tristes, afinal foi a ditadura de Salazar que motivou parte da família a se mudar para o bairro do Brooklin, que passou a ser um reduto português em São Paulo quando ali ainda não havia ainda asfalto ou água encanada.
A receita do pão é tradicional e naquele tempo já era feito com fermento comprado (diferente da broa da milho, esta, sim, feita com fermento natural e comunitário). Não foi Dona Beatriz quem inventou a fórmula, mas como cada cozinheira tem seu próprio jeito de fazer, aqui está o dela:
Os pães prontos. Esta foto: Rosa Maria Costa Lopes |
Pode imaginar o perfume? Com cafezinho fresco e nhac! |
Pão de Páscoa da Bairrada - Receita apresentada por Maria Beatriz de Jesus Costa
3 quilos de farinha
1 quilo de açúcar
Raspas de alguns limões (se achar dos grandes pode por uns dois, senão pelo menos uns
quatro)
200 gramas de fermento biológico
Cerca de 30 ovos (a depender do tamanho)
1 e ½ xícara de água morna ou leite para derreter o fermento
400 gramas manteiga sem sal
Folhas de couve para assar
Numa bacia grande coloque a farinha e o açúcar peneirados e misturados com as raspas de limão. Faça uma cova no meio e coloque o fermento. Despeje a água morna (ou leite morno) e dissolva o fermento. Em seguida, junte a manteiga para que amoleça sobre o fermento morno. Agora, vá acrescentando os ovos - bata de 4 em 4, acrescente e vá misturando com a farinha. Faça isto até a massa ficar macia e homogênea. Não deve ficar uma massa dura. Passe a massa para uma bacia grande enfarinhada, polvilhe farinha por cima, cubra com pano e coberta e mantenha em local protegido do vento para crescer. Se quiser, faça uma cabaninha usando dois paus de vassoura para dar espaço para que a massa cresça sem grudar no pano que vai colocar por cima.
1 e ½ xícara de água morna ou leite para derreter o fermento
400 gramas manteiga sem sal
Folhas de couve para assar
Numa bacia grande coloque a farinha e o açúcar peneirados e misturados com as raspas de limão. Faça uma cova no meio e coloque o fermento. Despeje a água morna (ou leite morno) e dissolva o fermento. Em seguida, junte a manteiga para que amoleça sobre o fermento morno. Agora, vá acrescentando os ovos - bata de 4 em 4, acrescente e vá misturando com a farinha. Faça isto até a massa ficar macia e homogênea. Não deve ficar uma massa dura. Passe a massa para uma bacia grande enfarinhada, polvilhe farinha por cima, cubra com pano e coberta e mantenha em local protegido do vento para crescer. Se quiser, faça uma cabaninha usando dois paus de vassoura para dar espaço para que a massa cresça sem grudar no pano que vai colocar por cima.
Deixe crescer até dobrar de volume - geralmente deixa-se crescendo à noite. No outro dia, divida a massa em porções de mais ou menos meio quilo, faça bolas com a massa usando como apoio um prato enfarinhado. Deixe crescer novamente sobre uma mesa enfarinhada (cubra a massa com uma toalha de mesa). Depois de mais ou menos 1 hora ou quando as bolas estiverem bem crescidas, achate-as uma a uma, em cima do prato. Passe um paninho com óleo sobre a superfície e dobre como um pastel, mas sem pressionar. Coloque cada pão sobre uma folha de couve e leve imediatamente para assar em forno bem quente (a assadeira já está no forno para que também fique bem quente). Depois de uns 10 minutos, vire o pão, empurrando-o com uma escumadeira, para que asse por igual. Faça isto mais duas ou três vezes. Se a superfície começar a queimar antes de meia hora, coloque uns pedaços de couve por cima para que dê tempo de o pão assar por dentro sem queimar. Ele tem que ficar bem dourado. Asse um ou dois pães de cada vez se seu forno for doméstico, para que não perca o calor.
Assim que o pão sai do forno, a couve deve ser retirada. O pão deve ser limpo para tirar restos de farinha e de couve e imediatamente passa-se com um paninho ovo batido sobre a superfície, para que fique com brilho. Tem que estar esfumaçando de tão quente, se não o ovo não cozinha e não dará brilho.
Rende: mais ou menos 10 pães
Neide foi um prazer enorme ter a sua companhia, na feitura dos nossos tradicionais paes de pascoa.
ResponderExcluirVoce fez um lindo trabalho e esta ajudando a compartilhar esta doce tradicao.
Tomara que muitas pessoas ainda possam aproveitar esta delicia.
Parabens...=D
Rosa
Olá Neide, gostei muito da receita, sou portuguesa e não sei fazer o pão de lá. Agora já vou tentar, com a sua receita, que será menor.
ResponderExcluirAgradeço, abraços carinhosos
Maria Teresa
É um privilégio poder aprender diretamente na fonte. Que gostoso!
ResponderExcluirViva, Neide
ResponderExcluirFiquei comovida com esse folar feito em Terras de Santa Cruz!
Por cá, continua-se a fazê-lo com azeite e, à bacia de ágata chamamos alguidar de esmalte. O folar (temos mais que muitos...)e o leitão são duas das nossas mais tradicionais (leia-se preferidas) receitas.
Ah... saberá a Neide como o leitão à Bairrada virou à pururuca?
Um abraço
Manuela Soares
É incrível!!! Quanta coincidência! Esse é o bolo tradicional de Páscoa da minha terra :) Vivo em Mortágua (Portugal), num concelho perto da Bairrada e a avó do meu companheiro mais a minha sogra estiveram há 6 dias atrás fazendo esses mesmos "pães doces"! Nós por aqui chamamos de "bolos de cornos" ou "bolo da Páscoa" e são os bolos tradicionais dados pelos padrinhos/madrinhas aos seus afilhados.
ResponderExcluirQue maravilha ver que esta tradição não ficou a perder-se por aqui e já é internacional :)
Adorei!
Beijos
Rosa, o prazer e privilégio foram todinhos meus. Muita generosidade de Dona Beatriz ter dividido comigo este preciosidade.
ResponderExcluirMaria Tereza, depois me conte e, se puder, mande fotos.
Manuela, quer dizer que folar pode, então, ser com ou sem ovos inteiros por cima? Ah, e esta Neide não sabe como o leitão à Bairrada virou à pururuca (como o chamamos cá). Pode me dizer?
Catarina, mais uma preciosa informação: bolos de cornos. Sabe porque leva este nome?
Um abraço,
N
Porque não se pode copiar direto no computador como faço com outros sites? Porque não é permitido?
ResponderExcluirAnônimo,
ResponderExcluirdesculpe se tenho que agir assim pra inibir um pouco a ação de gente que copiava conteúdos inteiros para colar em outros blogs sem crédito algum. Mas você ainda pode copiar usando CtrC e CtrV.
Obrigada pela compreensão,
n
Neide, que linda homenagem você fez à Da. Beatriz, ao genro, à gente de Portugal. Ficamos nós, no lucro, com esta receita preciosa.
ResponderExcluirNeide,
ResponderExcluirpor cá chamamos bolo de cornos por causa da forma deles. Os seus ficaram mais direitinhos, mas por aqui nós damos uma puxada nas pontas e ficam com forma de meia-lua, logo de cornos (chifres).
Beijinhos e bom fim de semana!
Parabéns Neide pelo seu blog! Acompanho-o há algum tempo e fiquei deliciada e orgulhosa, enquanto Portuguesa e apaixonada pelo Brasil, pelo nosso "Folar da Páscoa" constar num blog tão reconhecido!
ResponderExcluirFaço apenas um "acrescento" à ladaínha que tantas vezes oiço à minha mãe e à minha avó: "São Mamede te levede, São Vicente te acrescente, São João te faça bom pão, o Divino senhor te ponha a sua santa virtude, que eu da minha parte já fiz o que pude".
Um abraço e tudo de bom!
Sónia Chelinho
Gilda, obrigada. Segundo o genro, já não dá pra saber qual foi o folar de Dona Beatriz e qual foi o meu (que ainda vou postar aqui).
ResponderExcluirCatarina, adorei saber. Obrigada!
Sonia, obrigada. Já vi a ladainha recitada com vários acréscimos. O da Dona Beatriz é bem simples.
Um abraço,n
olá! Nossa moça, que fome que seu blog dá! Você tá de parabéns, fiquei curiosa para fazer essa receita.
ResponderExcluirQuando tiver um tempinho da uma olhadinha no meu blog?http://resenhandoarealidade.blogspot.com.br/ obrigada!
Daria tudo para conhecer essa senhora.. Minha avó escrita. Só de sentar com ela e ouvir tuas histórias me faria ser a pessoa mais feliz ..
ResponderExcluir