A amiga Jussara Dantas, da Coopercuc |
Hoje tem minha coluna no Paladar. Está tudo lá no Estadão impresso e no blog do Caderno: http://blogs.estadao.com.br/paladar/todo-fevereiro-tem-umbu/. Segue aqui o texto integral com mais fotos:
Um umbuzeiro de Uauá |
Se
tudo vai bem, a temporada de umbu na
caatinga começa em janeiro e vai até abril, maio, a depender da bondade e
duração das trovoadas. No ano passado a
safra não foi das melhores, pois a seca castigou o sertão como não acontecia havia
muito tempo. De qualquer forma, chova ou
faça sol, todo fevereiro
algum umbu sempre há de ter e por isto este foi o mês escolhido para
celebrar a colheita da fruta em Uauá, interior da Bahia. Tive o privilégio de
participar do festival pela segunda vez,
a convite da Cooperativa Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá - Coopercuc, que organiza o evento.
Na
paisagem que contorna Uauá, na região de Canudos, o umbuzeiro,
com copa triangular de base larga, se destaca entre faveleiras, pau-de-rato,
macambiras e mandacarus. Apesar dos leitos secos de rios, um céu azul castigador e solo árido e
pedregoso, o umbuzeiro está intrigantemente sempre verde sem se parecer em nada
com cactos que escancaram nas folhas suculentas o segredo da adaptação àquele
ambiente inóspito.
Um umbuzeirinho já com xilopódio |
Diferente
disso, as folhas do umbu são fininhas e delicadas e o mistério está escondido
sob terra. É que a planta se adaptou à
caatinga às custas de uma cisterna particular, afinal a árvore é dotada de
xilopódios na forma de grandes batatas, que armazenam água no período das chuvas para
enfrentar a longa estiagem.
Mas,
mesmo com a poupança hídrica garantida, o umbuzeiro tem lá suas artimanhas para
enfrentar dias mais difíceis que se anunciam sem abrir mão de oferecer ao menos
uma safrinha para os que esperaram quase um ano na secura. Dizem no sertão que se o umbuzeiro se
empolgou e se cobriu de frutos, quando se dá conta dos dias secos por vir, num
ato de humildade e sabedoria, lança mão
de parte da carga para caprichar na doçura e grandeza dos que escolheu segurar.
E da noite para o dia abandona metade dos frutos ainda verdes no chão para
seguir mais leve. Neste caso, fiquemos
com a alegoria da inteligência vegetal ante as plausíveis razões da ciência,
pois sertanejo tem explicação para tudo.
Vale
lembrar que as folhas do umbuzeiro são também comestíveis, azedinhas, lembrando
folhas de vinagreira, mas ninguém come, não. Chá, sim, fazem para
infecção. Mesmo sem estar doente, fiz o
chá para distração, para ser gostoso, temperado com cravo e canela, e fica
muito bom, ácido, perfumado. E também já
coloquei junto à fruta na caipirinha. Enfeita e acidifica se as folhas forem
machucadas com açúcar antes.
O xilopódio do umbuzeiro, crocante e doce como yacon |
As
batatas do umbuzeiro também são comestíveis, úmidas, translúcidas, crocantes e
doces. E, embora possam ser usadas para
aplacar a sede ou para fazer doces, não é prática recomendável arrancá-las, pois, como já disse, é a reserva de umidade –
a não ser quando a planta é cultivada
para isto. No viveiro da Coopercuc plantam-se umbuzeiros para replantio e também
para usar o xilopódio em conserva, gostoso em saladas. Cru, ao natural, é
refrescante e lembra batata yacon.
Bem,
estou aqui falando como se todo leitor
conhecesse umbu. Em São Paulo às vezes aparece nas carriolas de vendedores
informais em bairros populares, mas não é comum encontrá-lo nos mercados, pois
é fruto do extrativismo, frágil, sazonal
e difícil de cultivar fora de seu ambiente natural. Para quem não sabe, a fruta é endêmica na
caatinga, parente da ciriguela, do cajá e do taperebá, de sabor ácido e
doce, rica em vitamina C, com a
particularidade de ser viciante. Nunca se
consegue comer um só. Come-se até
desbotarem os dentes como se diz em Uauá para a corrosão ácida, fragilidade
momentânea na raiz dos dentes. Em compensação, dizem que na safra ninguém tem
gripe e é grande o número de mulheres que ficam grávidas nessa época.
Quando
ainda verde mas já inchado, é crocante e doce como uma uva itália e ácido como
limão. Se está maduro, pode ser verde, amarelo ou até vermelho, e é suculento
como uma jabuticaba. A casca fina é
resistente, mas comestível se não se incomoda em mastigá-la.
A
forma mais difundida de consumo da fruta é in natura, mas pelo menos um modo de
preparo é emblemático. É a umbuzada. Trata-se de uma coalhada feita com leite,
a fruta espremida e açúcar e é a acidez do umbu
que talha o leite - se usada
madura pode ser crua, pois já está molinha, mas se é verdolenga, basta cozinhar
um pouco para abrandá-la. No sertão, o
leite pode ser de cabra e o açúcar, mascavo ou rapadura.
Vinagres de umbu, de diferentes produtores |
Outro
preparo clássico, pelo menos nesta região da Bahia, é o vinagre de umbu, que
infelizmente pouca gente hoje faz e não é exatamente um vinagre, mas recebe o
nome por ser extremamente ácido. Feito
com o umbu purinho, sem nenhum aditivo, dá trabalho, o rendimento é pouco,
exige horas de fogo, mas o resultado é surpreendente - um molho escuro e denso,
perfumado, ácido e naturalmente doce, que pode ser usado em pratos salgados e
doces. É tão bom, mas tão bom, que cozinheiros de plantão, tenho certeza, o comprariam pagando sem reclamar pelo preço
de um bom aceto balsâmico. Sorte que
dura muito tempo, mais de um ano com certeza, e que desta vez trouxe três litros
garimpados a duras penas na feira e nas comunidades que lidam com a fruta. São muito baratos e aí está o desistímulo. Mas minha campanha é para que a Coopercuc
comece a produzi-lo comercialmente, assim a relíquia não se perderia. Aliás, este é mais um produto que mereceria
estar na Arca do Gosto, a exemplo da própria fruta que já está.
A
proteção do umbu através deste projeto do Slow Food justifica-se pelo risco de
extinção a que a planta está sujeita seja pelo processo de desertificação da
caatinga, seja pela falta de manejo na exploração dos umbuzeiros, que já são
centenários. O estoque de plantas não tem sido renovado e a espécie não tem
crescido naturalmente por ser um dos alimentos preferidos das cabras criadas
naquela região. Para conseguir novos
umbuzeiros é necessário isolar as cabras ou as plantas.
Juanzinho adora umbu doce ou azedo e às vezes faz careta |
Por
isto o trabalho de valorização do umbu em Uauá é um exemplo de cooperativismo
que vingou e mereceu muitos prêmios mundo afora. Além de manter mini fábricas espalhadas por dezoito comunidades
que processam a fruta em sucos, geleias, doces, compotas, todos com
certificação orgânica, os 204 cooperados se obrigam a fazer novos plantios,
coletar a fruta madura manualmente e manejar apenas os umbuzeiros de fundos de
pasto (área de exploração coletiva, como os faxinais), isolados das cabras.
Deixo
aqui uma receita de umbuzada, clássica, todo mundo tem sua receita de olho, e
uma de crepe cujo recheio fiz pensando nas mangas verdes ou maçãs ácidas com
açúcar e canela. Aproveitei ainda a umbuzada na massa e o vinagre de umbu como
calda. Se não tiver, use uma calda doce e ácida. Mas se quiser ter, vá à feira
livre de Uauá ou peça para a Coopercuc produzir, já começando nossa pequena
pressão. Já a fruta em compota da cooperativa
pode ser encontrada em várias capitais e é uma alternativa para se fazer tanto
a umbuzada quanto o recheio para a panqueca.
Site
da Coopercuc para mais informações:
www.coopercuc.com.br/
UMBUZADA
De
meia a uma xícara de polpa de umbu
1
xícara de leite
Açúcar
a gosto
Para
preparar a polpa de umbu, escolha frutos maduros e passe por peneira grossa,
separando a pele e as sementes. Se não tiver frutos maduros, cozinhe em água
frutos verdes e passe por peneira. Junte
a polpa ao leite, aos poucos, mexendo, até
talhar. Junte mais ou menos polpa
se preferir a coalhada mais ou menos ácida.
Adoce a gosto e sirva. Se preferir, deixe na geladeira um pouco para
ficar mais consistente. Há quem faça
cortes na fruta e esprema o excesso de água, deixando para a umbuzada somente a
polpa mais densa (o líquido espremido pode ser tomado como suco.
CREPE COM RECHEIO DE
UMBU E CANELA
Massa
1
xícara de umbuzada (ou leite)
¾
de xícara de farinha de trigo
2
colheres (chá) de fermento em pó
1
pitada de sal
1
colher (sopa) de óleo ou manteiga em temperatura ambiente
1
colher (chá) de açúcar (se usar a umbuzada já doce, não use o açúcar, mas se
usar o leite, sim)
Recheio
1
e 1/2 xícara de umbu inchado, firme,
descascado e cortado em lascas
4
colheres (sopa) de açúcar
2
colheres (chá) de canela em pó
Bata
os ingredientes da massa no liquidificador até ficar um creme liso. Deixe
descansar enquanto faz o recheio.
Misture
os ingredientes do recheio numa frigideira e deixe aquecer somente até derreter
o açúcar. Reserve.
Aqueça
uma frigideira antiaderente sem untar e despeje um pouco da massa e rodeie a
frigideira para que a massa fique bem fininha. Deixe dourar, vire com uma
espátula e espere dourar do outro lado.
Quando as massas estiverem prontas, recheie com um pouco do umbu e
dobre. Sirva com vinagre de umbu (se tiver) ou com uma calda ácida como a de
tamarindo. Se preferir, polvilhe com
açúcar cristal misturada com canela.
Neide,estes dias comi a última colherada daquele docinho de umbu que voce nos trouxe,uma delícia aquele azedinho!!Beijos!
ResponderExcluirLi lá no estadão, mas o paladar era outro aqui o texto está mais gostoso. Dá vontade de comê-lo. Mais uma vez, parabéns. www.cordeiropoeta.net
ResponderExcluirAqui onde moro, fazemos a umbuzada batendo no liquidificador, fica uma vitamina de umbú, usamos os mesmos ingredientes aí citados, porém o preparo é diferente. Não deixamos o leite coalhado.
ResponderExcluirBoa tarde Neide como que faço pra conseguir o vinagre de embu ja procurei em vários lugares mais não encotrei
ResponderExcluircel.011943051076
Como posso fazer uma salada com as folhas do umbu?
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