Logo que chegamos a Dakar fomos almoçar num restaurante simpático que serve comida feita com ingredientes locais. Cuscuz de fonio, camarão, peixes frescos, sucos de tamarindo, gengibre e bissap (hibisco, água de jamaica). Na hora do café, porém, a decepção: uma garrafa de água quente e nescafé para que cada um faça seu próprio "café". Na saída, passando pelas ruas movimentadas, muitos carrinhos de nescafé. E o nescafé foi se repetindo nos totens, nos restaurantes, no café da manhã no hotel, nas ruas.
Até que, já nos últimos dias de viagem, perguntei ao taxista se não havia café de verdade no Senegal. Ele riu, mostrou logo em frente vários vendedores ambulantes num mercado popular com caldeirões ou grandes garrafas térmicas virando a bebida de um copo para outro com a destresa de um provador de jerez. Cafe touba, cafe touba! Não contente, parou o taxi, tirou moedas do próprio bolso e pediu que esperássemos um instante. Em seguida voltou com um copo de café espumoso, saindo fumaça cheirosa. Não era para ele, era para nós provarmos. Doce...! Apesar da doçura excessiva, era finalmente uma bebida mais artesanal, gostosa para se tomar em copos, aromatizada com uma especiaria chamada diar ou djar, que dava ao café um sabor de oriente. Tentei advinhar o perfume que julguei conhecer. Não era cardamomo, que também costuma usado no café, mas lembrava algo mais resinoso como misque ou pimenta sechuan. O motorista ainda tentou ver se algum vendedor tinha os tais grãos para me mostrar, mas não conseguiu. Logo depois consegui achar numa loja de conveniência uma lata do café Touba, que trouxe comigo. Pesquisei sobre a especiaria assim que cheguei ao hotel e fiquei surpresa de saber que é a mesma, que já falei aqui no Come-se, Xylopia aethiopica, que conhecemos com o nome de bejerecum ou pimenta da Guiné ou pimenta-de-macaco (lembrando que há outras espécies de Xylopia que recebem este mesmo nome). Outra descoberta surpreendente é que embora o cafe Touba seja um produto popular e apreciado pela maioria dos senegaleses, o nescafé em Dakar é mais tradicional que ele. Parece que há menos de cinco anos é que ele começou a se popularizar, a ponto de ameaçar a hegemonia do nescafé (tomara!). É que durante muito tempo esteve ligado à cidade santa de Touba, onde era usado pelos Mourides em cerimônias religiosas. O mouridismo é a vertente do Islamismo de maior importância no Senegal e foi fundada pelo Cheikh Ahmadou Bamba por volta do século onze. Hoje, independende do caracter regilioso, o gosto se espalha pelo Senegal, pelo prazer da bebida gostosa e perfumada, para acordar os ânimos e manter a saúde, já que muitos acreditam no poder medicinal da bebida.
O meu, com menos açúcar, feito aqui no coador de pano, ficou uma delícia.
Veja neste vídeo, como a bebida é preparada - com uma proporção enorme de djar torrado junto com o café: http://www.youtube.com/watch?v=iMSoi1ftrfg
Isto não passa do colonialismo ainda mostrando as suas garras nos dias de hoje... rss
ResponderExcluirBjs!
Neide, me maravilho com a tua sabedoria.
ResponderExcluirNeide,
ResponderExcluirNescafé, nespresso, nescau, ninho, a cada público sua respectiva inovação para enriquecer uma indústria sedenta e empobrecer a agricultura. É impressionante como a simplicidade proposta pela grande indústria nada mais faz além de desqualificar a produção e os usos tradicionais de matérias primas. E para suprir essa indústria sedenta por lucro dá-lhe exploração do agricultor em todas as culturas agrícolas.
Beijo,
Cláudia
"Cada roca com seu fuso, cada terra com seu uso" é um velho ditado que está ficando fora de moda, infelizmente.
ResponderExcluirNo momento em que todos os lugares tenham os mesmos usos e costumes, o turismo deixará de ter razao para existir. Qual será a graça de sairmos de casa para encontrarmos lá fora tudo igualzinho ?
Excelente seu blog, que estou seguindo de perto e adorando tudo !
Beijo
Neide eu passei algum tempo na Africa, mais ou menos 5 meses no Marrocos, 20 dias na Argélia e 1 mês no Gabon, sabe o que encontrei em comum nos três paises? A nestlè e os sacos plasticos pretos. Infelizmente servir nescafé, pelo menos onde estive, é simbolo de status. Não sei como funciona no Sênegal, mas no Marrocos, outra coisa que esta perdendo o lugar para os produtos chineses: a cerâmica tradicional. Chique é servir em pratos chineses. Fui a um casamento e todos os presentes, digo todos, eram de origem chinese e sem nenhuma relação com o que é produzido no pais. Você imagina o choque para a economia local? Os marroquinos ainda tem a chance de contar com o turismo mas com a mesma coisa acontecendo na Argélia por exemplo, o que acontecera? Beijos com muita admiração
ResponderExcluirNeide, você fala do café super doce.No livro Assando Bolos em Kigali, a toda hora é servido um café bem doce com cardamomo.Me deu vontade de experimentar com cardamomo, mas sem açúcar, há muito tomo café puro, sem açúcar ou adoçante artificial.Vamos ver se fica bom.
ResponderExcluirGostei de você estar de volta com tantas novidades.
Abraços,
Dalva Helena
Eu ia falar o que a Dalva falou (será ela parente da artista plástica mineira?)
ResponderExcluirtentei fazer aqui com o cardomono mas não senti nada de bom nem diferente. NO Rio, antigamuitomente, a livraria mais famosa era a Lenonardo da Vinci, onde íamos passar horas agradáveis de leituras, papos, e gastos e tomávamos cafezinho com rum, ou outra bebida ofrecido pela Dona Vanna (acho que é assim que se escreve)
e nescafé pode ficar bom se colocar bem forte de verdade, quer dizer, só um pouco de água com um pouco de açúcar e mexer demais, aí sim completar com o resto da água fervente. Fica espumante.
E guarde a lata que é linda!!!
Até que enfim descobri, as especiarias sagradas do candomblé que ti falei que estava pesquisando, agora amiga voce precisa ir para Nigéria. Tô adorando os post sobre o Senegal.
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