Só ia voltar a escrever aqui depois que voltasse de Pirenópolis, para onde estou indo amanhã para uma outra reunião da Arca do Gosto, do Slow Food. Porque tinha trabalhos a adiantar e também porque estava com preguiça.
Mas não posso deixar de falar do monte de presentinhos que recebi da Cenia Salles e da Claudia Mattos, trazidos da cidade de Eldorado-SP, para onde eu deveria ter ido, na Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas, e não fui porque amarelei com a chuva forte que caiu aqui no sábado.
Como sou sortuda e tenho bons amigos, Eldorado veio até mim. Muda de cana, raízes de mandioca branca e cremosa, rizomas de bananas maranhão e pacová, maracujá do mato e taiá roxo para plantar (o nome taiá é, em alguns lugares, aplicado para os tubérculos de taioba; em outros, para o inhame ou taro, da mesma família das Aráceas, assim como o mangarito). Veio também canela brasileira, pau e mudinha, cacho de arroz pratão, espigas de milho crioulo amarelo e de palha roxa, mini chuchu antigo, maxuxinho, amostras de cuscuz de mandioca e de arroz (já falei deste cuscuz do Vale do Ribeira aqui) para comer com o café-cricri, que veio também em vagens aveludadas.
Pois é, café em vagem. O costume de se substituir grãos do verdadeiro Coffea arabica por substitutos mais rápidos e baratos não é de hoje. Fiquei intrigada com o que me contou a Claudia sobre o uso dos grãos pretos e torrados, chamados de café cricri ou café mucuna, no lugar da bebida clássica, entre os quilombolas do Vale do Ribeira, e fui pesquisar um pouco. Primeiro, achei vários artigos e teses a respeito que não acabam mais, principalmente se você for ao Google Acadêmico e procurar pelo nome científico (Mucuna pruriens, para a mucuna cinza e Stilozobium aterrimum para a mucuna preta).
Depois liguei para os meus pais perguntando se conheciam. Meu pai disse que depois da segunda guerra, quando era criança, era o que tinha para gente pobre beber. Não que ele não fosse pobre, mas não chegou a experimentar, julgava coisa ruim. Minha mãe contou com mais detalhes. Quando se mudou, ainda criança, para Lobato, no Paraná, era tudo mato e a família teve que abrir clareira para construir a casa com a própria madeira tirada à machadada. Na mudança apenas roupas, panelas e alguns sacos de farinha, polvilho, araruta, arroz, feijão, galinhas e sementes e manivas para plantar, esperar crescer e comer. O café era luxo que demorava cinco anos para produzir. E venda por perto não havia - o patrimônio era distante, não havia estradas e mesmo assim era muito caro. O jeito era fazer café de milho e fedegoso. Era tostar até escurecer e moer como o café. Até que a família ganhou sementes de cafezinho, café-mucuna ou café-feijão, a trepadeira que deu flores roxas lindas e vagens escuras e aveludadas que, em três meses estavam secas e prontas para colher. Era trabalho de criança colher o cafezinho. E depois também o trabalho quase divertido de moer. Antes era torrado por adulto no fogão de lenha por cerca de 25 minutos. O sabor era muito melhor que o café-de-milho que só enganava na cor. Não era lá tão bom quanto café verdadeiro, mas era agradável para se tomar com leite.
No trabalho Blend de café com mucuna preta: análise sensorial por não especialistas publicado na Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais (Campina Grande, v.5, n.2, p.117-125, 2003), os autores Nayara Lia de Lima Aragão e outros dizem que entre as populações mais carentes do Brasil ainda é hábito torrar vários outros grãos para substituir o café e citam a algaroba, mangirioba, feijão guandu e mucuna preta como os grãos mais usados para este fim. Como a mucuna preta parece ser a opção mais barata e popular, fizeram uma degustação com 30 painelistas, em Campina Grande – PB, para avaliar o blend de café com mucuna em diferentes proporções. Ganhou a proporção de 10% com mucuna torrada com coloração mais escura. Com isto, sugerem a possibilidade de blends assumidos e rotulados, inibindo, assim, a prática comum de fraude para aumentar o volume do café e reduzir custos (com milho, palha do café, cevada etc).
No trabalho Blend de café com mucuna preta: análise sensorial por não especialistas publicado na Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais (Campina Grande, v.5, n.2, p.117-125, 2003), os autores Nayara Lia de Lima Aragão e outros dizem que entre as populações mais carentes do Brasil ainda é hábito torrar vários outros grãos para substituir o café e citam a algaroba, mangirioba, feijão guandu e mucuna preta como os grãos mais usados para este fim. Como a mucuna preta parece ser a opção mais barata e popular, fizeram uma degustação com 30 painelistas, em Campina Grande – PB, para avaliar o blend de café com mucuna em diferentes proporções. Ganhou a proporção de 10% com mucuna torrada com coloração mais escura. Com isto, sugerem a possibilidade de blends assumidos e rotulados, inibindo, assim, a prática comum de fraude para aumentar o volume do café e reduzir custos (com milho, palha do café, cevada etc).
A planta é originária do Sudeste da China e leste da Índia, mas hoje é cultivada em vários países. No Brasil, além do uso como café, é muito utilizada como forrageira para fixar nitrogênio da terra e ainda evitar o surgimento de ervas daninhas (veja vídeo no You Tube). Na África tem-se estimulado seu uso na alimentação humana por ser ótima e barata fonte de carboidratos e proteínas. O único problema é que os grãos apresentam fatores antinutricionais e altas concentrações de levodopa ou L-Dopa, substância tóxica que pode causar confusões mentais e outros efeitos colaterais. Mas isto pode ser resolvido eliminando a substância no preparo (deixam-se de molho as sementes em água corrente por 3 dias ou se as fervem por 60 minutos e depois joga a água fora, por exemplo - isto para o uso na panela). Agora, é justamente por causa desta substância, um precursor direto do neurotransmissor dopamina, que os grãos se transformam num procurado remédio ayurvédico (Kapikachhu) para substituir a dopamina sintética nos casos de doença de Parkinson.
Voltando ao café, em outro trabalho publicado na mesma Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais (Campina Grande, v.2, n.2, p.1-8, 2000), os autores Marcelo Barbosa Muniz e outros avaliam o efeito do tempo na torrefação dos grãos de mucuna-preta e chegam à conclusão quanto ao tempo ideal para torrefação dos grãos de mucuna – 25 minutos - e não identificaram princípios tóxicos nos grãos torrados e preparados. A quantidade que ganhei não deve me render uma xícara de infusão, mas vou plantar, colher, torrar, moer e experimentar.
OI Neide!!
ResponderExcluirTudo bem guria?
Queria saber se vc tem e-mail?
Grande abraço
Kaká
Oi, Kaka,
ResponderExcluirmeu email: neide.rigo@gmail.com.
Um abraço, n
Amiga, se com preguiça consegue pesquisar e produzir tudo isso...
ResponderExcluirbeijinho e boa viagem!
Silvinha
Quanta sabedoria, Neide!
ResponderExcluirE eu que tenho algumas plantas no quintal e não que é...rs,rs,rs
Boa Viagem!
Abraço,
Rubén Duarte
cada vez gosto mais de passar aqui, aprendendo um pouco de ti, e das coisas de beber e de comer, aprendo um pouco de mim.
ResponderExcluirO seu blogue é um verdadeiro espectáculo para os sentidos e para a alma.
ResponderExcluirSe bem que a maior parte das receitas não possam ser feitas em minha casa, por impossibilidade de acesso aos produtos fantásticos que refere, no mínimo, fico a saber o que procurar quando vou ao Brasil. Para além das receitas, aprecio o conhecimento que transmite sobre os produtos que refere. E as fotos são magníficas.
Blogue magnífico! Cinco estrelas!
Abraço
Fernando
Senhora Neide
ResponderExcluirSaudações.
Sou de Pirapora MG 63 dentista e gostei muito de seus artigos e conhecimentos.Estou as ordens as margens do Saõ francisco par apresnder e trocar ideias sobre plantas.Saudações Eduardo hatem.ematem@gmail.com
Oi Neide! Ganhei sementes do meu avô e fui pesquisar... cheguei até vc, como sempre que pesquiso algo sobre plantas!
ResponderExcluirEntão quer dizer que posso comer? E vc já fez alguma receita, para que eu possa ter alguma ideia?