Ultimamente, em função da aula que Ana Soares, Mara Salles e eu vamos dar no evento do caderno Paladar, temos estudado um pouco sobre o amargo. Em comum, entre outras coisas, nós três amamos alimentos amargos. Talvez porque nossa vida já seja doce demais. Ou porque os nossos fígados nos peçam colagogos e coleréticos. Ou porque pertençamos àquela minoria com gens insensíveis às amarguras das substâncias feniltiocarbamidas e propiltiouracil. Ou porque , por uma coerência ambiental, aprendemos a gostar e tirar proveito do que nos foi oferecido desde a infância. Ou será pela conformação anatômica de nossas papilas?
Para nada disto temos respostas, especialmente se tratarmos o amargo como apenas um gosto. Mas os alimentos amargos de que gostamos têm sabor. E sabor depende também de informações complexas que envolvem as sensações orais, as percepções de gosto, de tato e olfato que o alimento transmite.
E amargos tem muitas caras. Há aquele amargo caipira como maxixe, almeirão, laranja da terra, jiló; amargo chique, como café, chá, chocolate e alguns vinhos; amargo popular como o chimarrão e as cervejas; amargo doce como a grapefruit e lima da pérsia; amargo intrigante como o alcaçuz; amargo disfarçado como a alcaparra e amargo de doer como a jurubeba. Ou classificações que você queira inventar.
Na farmacologia, princípios ativos de gosto amargo são agrupados sob o nome de “princípios amargos” e constituem apenas um dos elementos que compõe o sabor de um alimento vegetal. E todos com ação medicinal, quase sempre associados ao auxílio à digestão ou à proteção hepática. Mesmo estas substâncias podem ser de estrutura química diversa, como alcalóides, ésteres e lactonas. E ainda podem vir combinados com óleos essenciais interessantes e atrativos, com diferentes perfumes e variadas potências. O aroma pode ser tão marcante que determinados ingredientes não chegam a ser percebidos como amargos pela pequena quantidade que costuma ser usada. É o caso de quase todas as especiarias e muitas das ervas aromáticas.
Outros componentes do sabor são os sais minerais, aminoácidos, açúcares, ácidos graxos.
E, tirando os princípios amargos presentes nos vegetais, há ainda o amargo formado pela reação de Maillard. Trata-se da mudança de cor e sabor, geralmente desejável, que resulta da combinação de um pedaço de proteína e outro de carboidrato presentes no alimento, sob a ação do calor – e também durante a conservação. Por isto panqueca doura e tapioca, não – pela presença de carboidrato e proteína numa e só carboidrato na outra.
Há ainda o amargo do caramelo, reação que acontece principalmente quando o açúcar é submetido a temperaturas elevadas. E, embora não seja uma reação de Maillard pois só tem carboidrato, também produz compostos amargos devidamente mascarados pela doçura sobressalente.
E tem ainda o amarguinho do fígado, causado talvez pelo resquício de suco biliar que, em pequena quantidade, faz as vezes de um temperinho.
Mas, claro, a sensibilidade ao amargo é também uma ótima forma de defesa dos animais, incluso aqui o homem. Vários venenos são amargos. Mas, assim como nem todo amargo é veneno, nem todo veneno é amargo. A vantagem é que uma pesquisa demonstrou que quem tem limiar mais alto para amargos, também tem mais resistência a venenos, sendo o inverso também verdade. Então, continua valendo o aprendizado da tradição e, lógico, o bom senso. Nada de aderir à dieta da jurubeba.
Então, é isto. Há amargos para todos os gostos, até para os mais sensíveis. É só ajustar a dose e equilibrar a combinação. E tem um ditado mais ou menos assim: gostarás mais do mel se experimentares o fel (interpretação livre e solta de algo que ouvi por aí).
Mas, antes que mais amargo venha por aí, aproveito para deixar uma receita que testei depois de uma de nossas reuniões (Mara, Ana e eu). A Ana ficou encantada com a receita de caviar de berinjela apresentada na semana passada pelo chef Frances Yves Camdeborde. Eu também. E pensou que talvez pudéssemos fazer o mesmo com o jiló. Como eu tinha jiló em casa, já fui me adiantando, me inspirando, mudando uma coisa aqui, outra acolá. Mas, aviso, a idéia foi da Ana. E pode ser que na aula a iguaria apareça muito melhor, aquela coisa de chef, que não sou.
Agora, que este também ficou bom, ficou. Dourei a cebola na manteiga para ficar mais adocicada e caramelada. Achei que atenuaria o amargo, o que de fato aconteceu. Até a Eliana baiana, que é tinhosa para comer amargos, comeu e gostou: Ah, assim, quem não come? Uma delícia, nem tem amargo. O Marcos que também tem baixo limiar para amargos, comeu, repetiu e levou de marmita.
1 colher (chá) de sal ou a gosto
2 colheres (sopa) de azeite
3 dentes de alho fatiados
½ xícara de cebola picada finamente
2 colheres (sopa) de manteiga
½ xícara de tomate sem sementes, sem pele, picado finamente
Meia pimenta dedo-de-moça sem sementes picada bem fininha
3 colheres (sopa) de salsinha finamente picada
2 colheres (sopa) de queijo parmesão
Abra os jilós ao meio, cortando ao meio também o pedúnculo. Faça cortes em cruz na polpa, sem deixar a faca encostar na casca. Pulverize sal e espalhe por cima de cada metade um pouco de azeite. Emborque as metades numa assadeira, distribua entre os jilós as fatias de alho e leve ao forno médio por cerca de 40 minutos. Fique atento para que não queime. As polpas encostadas na assadeira ficam levemente douradas. Com uma colher pequena, retire toda a polpa, conservando intactas as cascas e reserve as duas coisas. Refogue a cebola na manteiga até que fique dourada – mas sem queimar, porque ninguém quer mais amargor por aqui. Junte o tomate e a pimenta e espere murchar. Adicione e polpa de jiló e as fatias de alho amassadas e mexa bem. Prove o sal e corrija, se necessário. Tempere com a salsa e misture. Recheie cada metade de casca com esta mistura, espalhe por cima o queijo ralado e leve ao forno alto só para dourar o queijo. Sirva com camarão – apenas temperado com sal e pimenta e refogado no azeite. Rende: 4 porções
Para nada disto temos respostas, especialmente se tratarmos o amargo como apenas um gosto. Mas os alimentos amargos de que gostamos têm sabor. E sabor depende também de informações complexas que envolvem as sensações orais, as percepções de gosto, de tato e olfato que o alimento transmite.
E amargos tem muitas caras. Há aquele amargo caipira como maxixe, almeirão, laranja da terra, jiló; amargo chique, como café, chá, chocolate e alguns vinhos; amargo popular como o chimarrão e as cervejas; amargo doce como a grapefruit e lima da pérsia; amargo intrigante como o alcaçuz; amargo disfarçado como a alcaparra e amargo de doer como a jurubeba. Ou classificações que você queira inventar.
Na farmacologia, princípios ativos de gosto amargo são agrupados sob o nome de “princípios amargos” e constituem apenas um dos elementos que compõe o sabor de um alimento vegetal. E todos com ação medicinal, quase sempre associados ao auxílio à digestão ou à proteção hepática. Mesmo estas substâncias podem ser de estrutura química diversa, como alcalóides, ésteres e lactonas. E ainda podem vir combinados com óleos essenciais interessantes e atrativos, com diferentes perfumes e variadas potências. O aroma pode ser tão marcante que determinados ingredientes não chegam a ser percebidos como amargos pela pequena quantidade que costuma ser usada. É o caso de quase todas as especiarias e muitas das ervas aromáticas.
Outros componentes do sabor são os sais minerais, aminoácidos, açúcares, ácidos graxos.
E, tirando os princípios amargos presentes nos vegetais, há ainda o amargo formado pela reação de Maillard. Trata-se da mudança de cor e sabor, geralmente desejável, que resulta da combinação de um pedaço de proteína e outro de carboidrato presentes no alimento, sob a ação do calor – e também durante a conservação. Por isto panqueca doura e tapioca, não – pela presença de carboidrato e proteína numa e só carboidrato na outra.
Há ainda o amargo do caramelo, reação que acontece principalmente quando o açúcar é submetido a temperaturas elevadas. E, embora não seja uma reação de Maillard pois só tem carboidrato, também produz compostos amargos devidamente mascarados pela doçura sobressalente.
E tem ainda o amarguinho do fígado, causado talvez pelo resquício de suco biliar que, em pequena quantidade, faz as vezes de um temperinho.
Mas, claro, a sensibilidade ao amargo é também uma ótima forma de defesa dos animais, incluso aqui o homem. Vários venenos são amargos. Mas, assim como nem todo amargo é veneno, nem todo veneno é amargo. A vantagem é que uma pesquisa demonstrou que quem tem limiar mais alto para amargos, também tem mais resistência a venenos, sendo o inverso também verdade. Então, continua valendo o aprendizado da tradição e, lógico, o bom senso. Nada de aderir à dieta da jurubeba.
Então, é isto. Há amargos para todos os gostos, até para os mais sensíveis. É só ajustar a dose e equilibrar a combinação. E tem um ditado mais ou menos assim: gostarás mais do mel se experimentares o fel (interpretação livre e solta de algo que ouvi por aí).
Mas, antes que mais amargo venha por aí, aproveito para deixar uma receita que testei depois de uma de nossas reuniões (Mara, Ana e eu). A Ana ficou encantada com a receita de caviar de berinjela apresentada na semana passada pelo chef Frances Yves Camdeborde. Eu também. E pensou que talvez pudéssemos fazer o mesmo com o jiló. Como eu tinha jiló em casa, já fui me adiantando, me inspirando, mudando uma coisa aqui, outra acolá. Mas, aviso, a idéia foi da Ana. E pode ser que na aula a iguaria apareça muito melhor, aquela coisa de chef, que não sou.
Agora, que este também ficou bom, ficou. Dourei a cebola na manteiga para ficar mais adocicada e caramelada. Achei que atenuaria o amargo, o que de fato aconteceu. Até a Eliana baiana, que é tinhosa para comer amargos, comeu e gostou: Ah, assim, quem não come? Uma delícia, nem tem amargo. O Marcos que também tem baixo limiar para amargos, comeu, repetiu e levou de marmita.
Jiló recheado 8 jilós (350 g)
1 colher (chá) de sal ou a gosto
2 colheres (sopa) de azeite
3 dentes de alho fatiados
½ xícara de cebola picada finamente
2 colheres (sopa) de manteiga
½ xícara de tomate sem sementes, sem pele, picado finamente
Meia pimenta dedo-de-moça sem sementes picada bem fininha
3 colheres (sopa) de salsinha finamente picada
2 colheres (sopa) de queijo parmesão
Abra os jilós ao meio, cortando ao meio também o pedúnculo. Faça cortes em cruz na polpa, sem deixar a faca encostar na casca. Pulverize sal e espalhe por cima de cada metade um pouco de azeite. Emborque as metades numa assadeira, distribua entre os jilós as fatias de alho e leve ao forno médio por cerca de 40 minutos. Fique atento para que não queime. As polpas encostadas na assadeira ficam levemente douradas. Com uma colher pequena, retire toda a polpa, conservando intactas as cascas e reserve as duas coisas. Refogue a cebola na manteiga até que fique dourada – mas sem queimar, porque ninguém quer mais amargor por aqui. Junte o tomate e a pimenta e espere murchar. Adicione e polpa de jiló e as fatias de alho amassadas e mexa bem. Prove o sal e corrija, se necessário. Tempere com a salsa e misture. Recheie cada metade de casca com esta mistura, espalhe por cima o queijo ralado e leve ao forno alto só para dourar o queijo. Sirva com camarão – apenas temperado com sal e pimenta e refogado no azeite. Rende: 4 porções
Nota: pensei agora que talvez vá bem aí uns cubinhos de bacon dourados com a manteiga.
Veja também:
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Jiló verde e vermelho refogado
Para ver programação e saber mais sobre o Paladar do Brasil, acesse http://www.paladardobrasil.com.br/ ou ligue, para comprar ingressos, no 11-2838-3222.
Para ver programação e saber mais sobre o Paladar do Brasil, acesse http://www.paladardobrasil.com.br/ ou ligue, para comprar ingressos, no 11-2838-3222.
Neide, sou Nutricionista e trabalho com educação alimentar e aproveitamento integral dos alimentos.. Tenho um blog, cozinhandocomsaude.blogspot.com
ResponderExcluirGostaria de saber se você ministra algum curso.
Abraços,
Maíra Dias Bittencourt
Eu simplesmente amo jiló.Costumo corta-los em 4, cozinha-los no vapor e temperar com alho, sal,azeite, coentro , deixar na geladeira e ir saboreando durante a semana.
ResponderExcluirOi Neide!
ResponderExcluirAs vezes e de repente, o mundo diminui assustadoramente aos nosso olhos. Foi assim, qdo almoçando com a fofa da Carmen, ela começa falar de uma amiga... "a neide faz umas coisas incriveis, é nutricionista"... na hora, devolvi: "A rigo??? O blog dela é lindo e está no meu reader por causa de um ora pro nobis"
Agora só botar pilha na Carmen pra feijoada deixar de ser prometida!!! kkkkkk
um beijo. Lívia
lividav@hotmail.com
Oi, Maíra, eu já tinha visto seu blog, muito legal. Respondendo à sua pergunta: Não, eu não ministro cursos. Só quando convidada.
ResponderExcluirUm abraço,
Neide
Oi, Jane, fico feliz que tenho te visto por aqui. Não achei seu email, queria ter lhe respondido mais particularmente.
ResponderExcluirDeve ficar bom este seu jiló. Vou experimentar. Me escreva no neide.rigo@gmail.com. Abraços para o Jura e Helena!
Lívia, este mundo é um ovo. Escrevi no seu emai.
Um abraço,
N
sNeide, não sei se você já falou sobre tamarindo. Eu me lembro que quando criança eu comia, ou chupava, sei lá. Hoje eu vejo por aí e não tenho coragem de comprar porque nem sei mais como se come (se é que se come). Nem o suco eu sei fazer. Você não gostaria de colocá-lo na sua pauta num futuro próximo? Beijos
ResponderExcluirOlha que eu acho que dispenso o bacon, do jeitinho que vc fez me parece muito apetitoso. Minha mãe vez ou outra costumava cozinhar o jiló no vapor do arroz. Tenho a mente muito gulosa, fico lembrando e me dá água na boca.
ResponderExcluirOnde moro só achei algo parecido com jiló em lojas orientais, mas como nome de beringela e era um pouco esbranquiçada, ou arroxeada. Mas ainda não tirei a prova e comprei pra ver se é mesmo como o jiló.
Abraços.
Neide... sou leitor do seu blog faz um mês... fiz o seu jiló ontem e TODO MUNDO AMOU.. e hoje repeti a dose mas coloquei um cubo de CARNE SECA na pasta de jiló... ai ficou PERFEITO... fica ae a dica... PARABÉNS pelo blog...bjão
ResponderExcluirOlá! Sou nutricionista e achei interessantíssima a sua postagem sobre o sabor amargo. Estou terminando uma pesquisa sobre sensibilidade à feniltiocarbamida e a associação com a frequencia alimentar de idosas. Vc citou uma pesquisa sobre sensibilidade ao amargo e resistencia a venenos, será que vc poderia me enviar o título e autores da mesma? Creio que me será muito útil... Se vc puder me enviar tbm a bibliografia relacionada à cultura x sensibilidade ao amargo seria muito bom...
ResponderExcluirMeu e-mail é: fernandacolares@gmail.com
Desde já agradeço!
Abraços.