segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Voltei de Fartura


Todo sítio tem uma cozinha ao ar livre, onde fica o fogão de lenha. Aqui não é diferente. Só o chão, invenção alegre do meu pai que nunca ouviu falar em mosaicos.


Ninguém acredita, mas eu sou muito preguiçosa. Está certo que quando vou a Fartura sou banhada por uma terrível onda de otimismo e crença nos meus superpoderes. Costumo levar sacolas de trabalho, uns 5 livros para ler, panos para costurar e até caderno para escrever. Subo o morro, onde fica minha casa, deixo tudo isto lá na esperança de voltar dali a pouco e corro pra casa da minha mãe morro abaixo.
Ali a lida não tem mais fim e assunto há para uma obra ou pelo menos para o dia inteiro. É a cachorra que está olhando triste com a boca cheia de espinhos de ouriço e que é anestesiada pelo Marcos e meu pai que a livram da dor tirando o incômodo com alicate; é a égua que pariu e os urubus levaram a placenta, derrubaram lá do alto e não voltaram pra buscar; é o casal de curucaca que construiu o ninho fora da forquilha do eucalipto e de lá despencou; é o peru que quer namorar com a pata e mordeu o olho dela pensando fazer carinho; são duas angolas do Seu João que cruzou a cerca e se juntou às nossas e ele agora veio buscar duas frangas como pago por elas que pra lá não voltam mais mesmo; é o gambazinho que comeu alguma coisa que fez mal e morreu estrebuchado; são os mamões amarelos que neste ano vieram meio empedrados; é a bananeira que deu dois cachos; é a galinha parda que rejeitou dois pintinhos pretos; o cachorro do vizinho deve ter comido a galinha chinesa que sumiu; são as mangas que não vingaram porque choveu muito na floração...
E assim chovem acontecidos o dia todo. Volto já noitinha pra casa e mal consigo ler uma página de um dos livros que levei. E ainda tenho que brigar com duas pererecas que ocupam simultaneamente a privada e o box do banheiro. Fora a carreirinha de formigas pretas, as aranhas eventuais e os besouros assíduos. No outro dia, depois de uma noite bem escura e bem dormida no silêncio do vento, o galo canta logo cedo. Aí é tentar cumprir as atividades que programei para o dia e ainda aquelas que aparecem de improviso. O tempo voa e já é hora de partir.
Não deu tempo pra pegar nos livros, adiantar trabalho. Pra nada. É sempre assim e eu nunca aprendo. Mas a preguiça mesmo é chegar aqui e organizar fotos e contar tudo o que fiz. No meu ritmo, vou fazendo isto aos poucos.

Num dia se faz o pão, com miolo amarelinho da gema caipira

Obra e graça da dona Olga

Do pão roubei um pedaço pra comer com o fígado da galinha caipira surrupiado da panela antes da hora.

Fui ver como anda o jiquiri, Solanum juciri, que nasceu espontaneamente junto ao pé de pitaia. Ervinha solanácea, uma jurubeba trepadeira, com folhinhas gostosas de se comer. Atende também por jequirioba, juquiri, caruru-de-espinho. Tem que comer os galhos novos com espinhos molhinhos. Meus pais comiam na roça desde criança.
As uvas vão bem, obrigada! Pro Natal estarão maduras.
Fizemos linguiça de pernil - depois dou a receita. Defumamos na fumaça do fogão de lenha
Fomos comer peixe frito na represa
De sobremesa, muita acerola (aproveito para dizer que errei por aqui um bocado dizendo que acerola é uma mirtácea. Não é, como me corrigiu um leitor: é da família das Malpighiaceae)
Descobri que incentivar uma criança de 8 anos a ir anotando a receita que você está fazendo tem funções múltiplas, mas principalmente educativa. Além de me ajudar, Tainá (filha da Claudete que ajuda minha mãe), aprendeu matemática nas frações de xícaras; ortografia e gramática, na redação; geografia das pimentas; história das navegações etc. Depois, ainda soube registrar a própria receita de salada de alface que ela já sabe fazer sozinha. E ficou toda cheia de si.

Última moda naquele rinção de Fartura: colar com folha de mandioca, que eu fazia quando criança.

Outra receita de sabão a frio: com sebo, soda, alcool e óleo usado. Dou receita depois.
Coisa do Seu Toninho.
O cipó-alho que trouxe do Marajó já se enraizou por lá e cresce vistoso.


Há algum tempo ganhei da Fernanda, do Chucrute com Salsicha, sementes de rabanetes e cenouras divertidas. Em Fartura plantei e fiquei surpresa ao ver como ganharam vida e cores próprias.

Rabanetes, cenouras, beterrabas. Falo melhor delas depois.

16 comentários:

  1. Oi Neide.
    Sou fascinada p/ seu blog. Super instrutivo. P/ mim suas narrativas me transportam p/ um Brasil q. n/ vejo c/ tanta frequencia. Estou aprendendo mto. Qdo for ai passear quero conhecer todas essas frutas e legumes e plantas e tudo mais q. nem sabia q. ai tinha e algumas q. ja havia me esquecido. Fico mto grata a vc por nos proporcionar esta visita nos quintais diversos do Brasil. Voce e muito especial.
    Obrigada.
    Milza.

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  2. Neide, adoro todas as suas viagens para o sítio. As fotografias são sempre maravilhosas!
    Nessa eu adorei sobretudo o chão do seu pai! Muito lindo e super criativo!

    Beijão *
    Mariana

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  3. Olá, Neide,

    O seu blog é original e interessante. Passar por aqui sempre rende conhecimento e prazer!

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  4. Neide, me faltam palavras,AMEI toda a tua narrativa, me identifiquei com a penca de insetos e pererecas no banheiro,tal qual quando morávamos no sítio que vocês conheceram, o paraíso...e gostei muito de conhecer dona Olga e seu Toninho de quem tu herdaste vários traços,beijo amiga e boa semana!

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  5. Adorei ver seu pai e sua mãe. E a casa, claro, maravilhosa. Saudade! Um beijo

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  6. Ai ai...adorei conhecer "Dona Orga e Seu Toninho".

    O sítio de Fartura já é de todos nós..hehehe.

    Beijo Neide....linda postagem como sempre.

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  7. Neide, eu QUERO ir pra Fartura com voce! Que fofos os seus pais--voce eh muito parecida com ele. E adorei o chao mosaico, a paineira vermelha, as gostosuras, nossa, que paraiso! E tem ate rabanete e cenoura psicodelicos! :-))

    beijao, Fer

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  8. Amei tanto as suas fotos!!!

    beijos!

    http://meninadecachos.blogspot.com/

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  9. Neide,
    só de pensar em dormir na escuridao total e sob um céu limpo, a gente já descansa.
    Lindas fotos. Eu nao levaria nada pra lá, além da vontade de viver a vida do sítio.
    bjs e boa semana

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  10. Assim nãao vale...linguiça caseira e ainda defumada no calor do fogão à lenha!!!
    Mesmo com receita fica complicado. Só se vier com o fogão acoplado.rs
    bjo

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  11. Vixe! Quanta coisa bonita e gostosa!
    Belo sítio, ótimo relato.

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  12. hehhe, me diverti com as historias dos bichos. Aqui tres gansos quiseram uma companheira e uma pata pagou o pato, isto é, pagou com a vida. Nasceram varios patinhos, dois morreram, matei uma franguinha por erro médico grave - desatenção, devolvi o irmào dela pro galinheiro depois de tratá-lo da briga em que machucaram-lhe o olho. Outro dia uma perereca pulou quando abri a janela, eram tantas aqui há 30 anos passados, esta é solitária e eu feliz em rever uma.

    Ah, bem conheço tantas aventuras!

    Neide, as fotos ficaram ótimas, especialmente a dos seus pais, a sua e do lindo flamboyant florido.

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  13. Lendo esse post, me da uma vontade imensa de voltar pro Brasil, me enfiar na chacara do meu pai e nao sair de la nunca mais.

    Adoro o seu Blog!

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  14. Neide, como é maravilhoso reportar-me à minha cidade do interior (MG)
    através de suas fotos e descrição!
    Que saudade! e quando vejo "D.Orga"
    lembro minha mãe que já não tenho
    mais...você é sortuda de ter tudo
    isso ao seu alcance ainda. Aprovei-
    te pois quando eles se vão, doe de-
    mais...Você é "demais" e muito pa-
    recida com tanta gente desse nosso
    Brasil Varonil!Abraços. Glaucia

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  15. EStou apaixonada pela cozinha com aquela mesa linda e o chão maravilhoso!!!

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  16. Oi, tudo bem? Escrevo pra te falar que na minha casa tem um pé de jiquiri. Quase ninguém conhece mesmo! Desde criança a minha mãe prepara essa delícia que a maioria desconhece. Estava pesquisando sobre as propriedades dessa planta. Afinal, não sei o tanto e quais vitaminas que possui.
    Abraço.
    Deisy
    deisycrislima@hotmail.com



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