Nosso amigo padeiro: trabalha de camisetão e pernoca de fora
Já falei aqui que minhas duas amigas e eu alugamos um apartamento em Florença em cima de uma padaria. Sorte nossa não sermos carboidratófobas. Muito pelo contrário. No primeiro dia de nossa estadia, eu passava por último pelo corredor que ligava a escada à nossa porta quando, por uma janela aberta, espiei lá embaixo o pátio da padaria. Meia noite, uma da manhã, não me lembro. O flash disparado era em direção a umas caixas de pães recém-assados e cheirosos que repousavam ali, mas cumpriu também a função de chamar a atenção do padeiro que correu para o quintal escuro a espiar que raio era aquele misterioso vindo do céu. Olhou rápido pra cima e se deparou com minha cara sem graçona pedindo desculpas pelo susto. Ele foi simpático, sorriu e perguntou se queríamos pão quentinho. Que era pra eu descer e buscar. Corremos lá, fizemos amizade. O patrão dele era jovem e sonhava conhecer o Brasil. O outro padeiro era argelino. Ele, um vero toscano. Todos simpáticos e conversadeiros, mas não tiravam os olhos dos pães que assavam. Todas as noites encontrávamos com estes trabalhadores da madrugada. De manhã seus pães estavam lá, fresquinhos, numa panetteria pequena, de bairro, com uma vendedora também simpática, que nos ensinou o nome de vários tipos de pães, incluindo o pão toscano que ela fez questão de ressaltar: si, questo é il pane sciocco, il pane senza sale. Lembrando que sciocco, como este pão sem sal também é conhecido em Firenze, quer dizer insípido, bobo.
Pane senza sale
Dizem que o sabor insípido deste pão é toda culpa ou mérito dos pisanos (de Pisa). É que no século 12, o sal chegava pelo antigo porto de Pisa, mas como havia uma rivalidade grande com Florença, Pisa não permitia a distribuição do sal por terras toscanas. Mas os padeiros ao longo do rio Arno não se intimidaram: cortaram o sal do pão. Porém há quem discorde desta versão e diga que a verdade é que o sal era tão caro e raro na Toscana medieval, que a decisão de excluí-lo do pão deixaria de condenar à fome milhares de cidadãos. Ouvi ainda que o pão da Toscana é sem sal simplesmente porque é o alimento que acompanha presuntos e embutidos, itens já suficientemente bem salgados. Um complemento em equilíbrio. O fato é que no começo se estranha, depois de acostuma e no final se deseja este pão feito de farinha branca ou integral, água e levedura. Nada mais.
Aqui mais algumas fotos, incluindo as dos pães do Mercado de San Lorenzo, em Florença:
Já falei aqui que minhas duas amigas e eu alugamos um apartamento em Florença em cima de uma padaria. Sorte nossa não sermos carboidratófobas. Muito pelo contrário. No primeiro dia de nossa estadia, eu passava por último pelo corredor que ligava a escada à nossa porta quando, por uma janela aberta, espiei lá embaixo o pátio da padaria. Meia noite, uma da manhã, não me lembro. O flash disparado era em direção a umas caixas de pães recém-assados e cheirosos que repousavam ali, mas cumpriu também a função de chamar a atenção do padeiro que correu para o quintal escuro a espiar que raio era aquele misterioso vindo do céu. Olhou rápido pra cima e se deparou com minha cara sem graçona pedindo desculpas pelo susto. Ele foi simpático, sorriu e perguntou se queríamos pão quentinho. Que era pra eu descer e buscar. Corremos lá, fizemos amizade. O patrão dele era jovem e sonhava conhecer o Brasil. O outro padeiro era argelino. Ele, um vero toscano. Todos simpáticos e conversadeiros, mas não tiravam os olhos dos pães que assavam. Todas as noites encontrávamos com estes trabalhadores da madrugada. De manhã seus pães estavam lá, fresquinhos, numa panetteria pequena, de bairro, com uma vendedora também simpática, que nos ensinou o nome de vários tipos de pães, incluindo o pão toscano que ela fez questão de ressaltar: si, questo é il pane sciocco, il pane senza sale. Lembrando que sciocco, como este pão sem sal também é conhecido em Firenze, quer dizer insípido, bobo.
Pane senza sale
Dizem que o sabor insípido deste pão é toda culpa ou mérito dos pisanos (de Pisa). É que no século 12, o sal chegava pelo antigo porto de Pisa, mas como havia uma rivalidade grande com Florença, Pisa não permitia a distribuição do sal por terras toscanas. Mas os padeiros ao longo do rio Arno não se intimidaram: cortaram o sal do pão. Porém há quem discorde desta versão e diga que a verdade é que o sal era tão caro e raro na Toscana medieval, que a decisão de excluí-lo do pão deixaria de condenar à fome milhares de cidadãos. Ouvi ainda que o pão da Toscana é sem sal simplesmente porque é o alimento que acompanha presuntos e embutidos, itens já suficientemente bem salgados. Um complemento em equilíbrio. O fato é que no começo se estranha, depois de acostuma e no final se deseja este pão feito de farinha branca ou integral, água e levedura. Nada mais.
Aqui mais algumas fotos, incluindo as dos pães do Mercado de San Lorenzo, em Florença:
O padeiro-patrão fiorentino: manda mas também rala. Aqui, cortando schiacciatina. Ele é louco pra vir ao Brasil.
Schiacciatina all´olio morbida: preferem o termo schiacciata a focaccia, mas às vezes usam os dois indiscriminadamente. Esta, com azeite, fica mesmo muito mórbida (macia).
Pane di Montegemoli cotto a legna: a placa antiga decora um box de bebidas e presuntos do Mercado de San Lorenzo. Não sei se era apenas enfeite, pois não vi o pão. O fato é que este é um famoso pão toscano de tradição antiga, cuja receita atual é resultado do resgate do pão artesanal feito no campo antes da revolução industrial. Muito dourado e formato arredondato ou tondeggiante, como se diz, conserva toda a propriedade do grão de trigo integral, moído em moinho artesanal (Antico Molino Artigianale Messerini), fundado no fim do século 19. Montegemoli, nos arredores de Pisa, é famosa pela água rica em minerais, também fundamental para a qualidade deste pão.
Prontos pra virar sanduiches: panini tipo roseta, baguetina ripieno, panini, schiacciatina e, claro, pane toscano. Todo lugar que vende pão, tem também presuntos e que tais e facilmente se consegue aí um sanduíche frio. Agora, panini caldi ou, como se vê aí neste box, sandwich hot não é todo lugar que tem.
Pane puliese cotto a legna, pane toscano cotto a legna a lievetazione naturale (fermentação natural) e bozza pratese: este é um pão (o escuro) integral também de tradição antiga, feito na província de Prato, perto de Florença. Como outros, é um pão toscano sem sal - leva apenas farinha integral, água e fermento. Assado em forno a lenha, é ótimo com sopas ou para o preparo do popular crostini de fígados. É considerado um produto de excelência incluído na lista da ARSIA (a agência regional para o desenvolvimento e inovação no setor agroflorestal da Toscana) - www.arsia.toscana.it.
Bozzette pratesi Schiacciatine all´olio e integrali Frustone Fruste all´olio
Ruote e bozzette: mais pães artesanais de Prato.
Ruote e bozzette: mais pães artesanais de Prato.
Bozzette pratesi, schiacciatine all´olio (lá atrás) e integrali, frustone e fruste all´olio (fruste são estes pães mais compridos, como filões)
Guanciale semintegrale, pane tipo pugliese e pane siciliano salato. Engraçado que guancia é bochecha de porco e guanciale é o toucinho feito com esta bochecha. Agora fiquei sem saber se este pão guanciale é porque leva gordura deste toucinho, pedacinhos dele ou porque tem o formato de uma bochecha. Alguém sabe? Se não fica como tema de pesquisa para a próxima viagem.. Ah, engraçado também o "salado" do pão siciliano. É que tudo por lá é meio ou completamente sem sal.
Cadê as fotos dos pães do Mercado de San Lorenzo? Não apareceram pra mim... :-(
ResponderExcluirOi Neide.
ResponderExcluirBem bonitinha a sua estòria.
E devo dizer que este tipo de pao, sem sal, tb é tradiçao aqui na Umbria. E vem de um tempo, até, anterior a este toscano.
O seu aparecimento foi ocasionado pelo assédio, do exercito do papa "nao me recordo o nome",que sitiou Perugia por nao sei qto tempo. Isto impediu que muitas coisa, incluso o sal, nao pudessem chegar por aqui, regiao de centro terra.Alias, estes papas e seus exèrcitos fizeram um bel casino por aqui e por toda a Europa tb, se apropriando de cidades e subjugando citadinos...
Basta citar o conhecido caso de Lucrécia Borgia, filha de um papa homonimo, que se casou com um conde estense, ao mando do pai, para depois "se livrar dele" abrindo espaço para a tomada de Ferrara.Devo dizer que o tiro saiu pela culatra, ja que ela se apaixonou pelo marido...
Ah, mas ao fim de muuuitos anos de tentativa o exercito papal terminou, enfim, por se empossessar da cidade, acabando com a sua fama de tolerante e aberta...
Boh!
E dai, tem sempre a politica e a prepotencia condicionando a culinaria...
Hihihihi.
Bjs!
Chris,
ResponderExcluirfalha no sistema... Elas estão lá agora.
Clau, adorei saber desta história. Realmente não sabia que na Umbria o pão também é sem sal. Vou ter que ir até aí confirmar... Também não sabia de todo a história que me contou. Obrigada!! Beijos,
neide
Neide, se eu já acompanho tudo por aqui, esta saga vou acompanhar mais ainda pois pretendo ir pra Toscana no final do ano e aqui vai dar pra pegar dicas de primeira !
ResponderExcluirEu nem tenho o que dizer, mas preciso deixar registrado aqui a maravilha que eh essa sequencia de fotos de PAO! sou tao fissurada por pao, que ate senti o cheirinho dessa padaria. Um beijooo,
ResponderExcluirem cada palavra eu sinto uma emoção e um carinho que me espantam e leio como se estivesse a recordar uma experiência minha!
ResponderExcluiré grande essa magia.
Neide, isso ai é um pecado, que monte de pão é esse, menina, fiquei abismada!! Que delícia!! Grande viagem essa, heim!!Ah, ele fala pro padeiro que se ele vier a São Paulo, que eu faço um pão bem "bão" pra ele, homem bonito, sô!! Grande beijo!!
ResponderExcluirLargo muuuitos chocolates por estes pães...rsrs
ResponderExcluirbjo,
Nina.
sinto muita falta desta variedade de pães por aqui,que são sempre os mesmos..
ResponderExcluirNeide
ResponderExcluirÉ a primeira vez que visito seu blog e estou achando demais!!
Slow food é um tema super interessante e tudo que você postou é mesmo uma arte.
E a Itália ....com seus aromas ,sabores e cores...
Estou me preparando pra visitar uma amiga de Roma (não sei quando)enquanto isso vou me deliciando com seus comentários e sentindo o aroma suave e convidativo dos pães,vinhos e salameria.
Baccio !!Ci vediamo pronto!
Ciao
Puxa Neide...que maravilha de post.
ResponderExcluirSem comentários ou cem comentários de parabéns e obrigada.
Beijos.
Olá Neide!
ResponderExcluirSou uma portuguesa que se esfola toda para comer bem e bonito.Depois que descobri o seu blogue adicionei-o aos meus favoritos,e,como se não me bastasse,ainda o enviei para algumas mulheres de quem gosto.
Como as suas fotos me parecem tãaaaao comestíveis como os seus cozinhados,hum!!!,quero pedir-lhe permissão,caso não haja nenhum conflito com direitos de autor,para lhe surripiar algumas fotos que serão usadas por mim no meu pc como protecção de ecrã ou a ilustrar algum texto no meu blogue ou no meu hi5.É claro que sempre referindo a proveniência.
Quero acrescentar que senti a sua falta aqui,durante a sua estadia em Itália,e que,mesmo sabendo que A Neidi não estava,teimava em vir cá para "cheirotar",não fosse escapar-me algum post...
Beijo carinhoso e grato.
Adriana
Oi, Adriana! Obrigada! Qual é o seu blog? Me diga qual foto quer, que eu lhe mando em alta resolução. Será um prazer.
ResponderExcluirUm abraço,
Neide
Olá Neide!
ResponderExcluirObrigada pela sua gentileza.Ainda vou decidir sobre a foto que desejo e depois venho cá denunciar...
O meu blog não tem absolutamente nada que ver com comida e tem o nome "embalar as horas".
A sua foto e o tema do primeiro post ao cimo da página é de estalo!Porque há-de a gula ser considerada um pecado capital?Com comida tão especial eu quero é ser muuuuuuuuito pecadora e o inferno que se dane porque,que me conste,não há lá manjares excelentíssimos!!!
Fique bem
Dri
Gentem... mas todo mundo que trabalha nessa padoca não usa calça??? hehehehe
ResponderExcluirSério, cadê a calça do tiozinho???? kkkkk
Neide,ia-me dando um fanico enquanto escolhia ansiosa e nervosamente as fotos que desejo ganhar da sua generosidade.
ResponderExcluirDesculpe-me,é que vou abusar vergonhosamente escolhendo 3 fotos,a saber:
.foto abóboras -logo a primeira da pagina,deliciosa e linda com a estrelinha de anis ao cimo;
.foto do café da manhã -um trio m.a.r.a.v.l.h.o.s.o:croissant,café e natas;
.foto dos pêssegos saturninos,terão a forma de saturno? -belíssimos nas suas cores rubras e aspecto rude mas tãaaao trincáveis como o padeiro que uma das meninas daqui convidou para sua casa...
Obrigada por tudo Neide.
Beijo carinhoso Dri
Oi, Adriana!
ResponderExcluirEscreva para o meu email (neide.rigo@gmail.com), que eu lhe passo as fotos em alta definição.
beijo e obrigada,
Neide