sexta-feira, 28 de março de 2008

Si, nosotros tenemos huitlacoche

Desta safra, em Fartura-SP
Foi através desta crônica da Nina Horta, escrita há anos, que conheci huitlacoche (aliás, quanta coisa aprendi com ela!). Corri atrás de informações e fiquei sabendo que o mesmo é tratado aqui como praga do milharal. Então estava fácil...




"Huitlacoche" vale uma deliciosa cantada

NINA HORTA
Colunista da Folha

Minha sócia e eu fomos comer um cozido num restaurante antigo da cidade para lembrar o gosto e ver a quantas andava a mostarda de Cremona.
Era um almoço de dia de semana, chocho, poucas mesas ocupadas, homens de negócio conversando dólares sobre o prato de massa e um ou outro vago turista caído ali por acaso, hospedado no hotel.
Na mesa ao lado da nossa sentava-se um casal moço, ele de terno, bonitão, ela de roupeta de trabalho e óculos.
Enquanto beliscávamos o patê do couvert ouvíamos só a voz do homem, intensa mas monocórdica, e algumas tímidas intervenções da mulher. Ele falava inglês com um leve sotaque a la Arnold Schwarzenegger. Ela ouvia. Nós pesquisávamos o cozido.
Naquele dia o cozido, ótimo em outros tempos, estava ruim. Era um prato triste, de hospital, pálido e frouxo, um arremedo do que fora. Desoladas, conversávamos abobrinhas.
De repente, ouvi distintamente uma palavra que se definiu, clara, iluminada, saída daquela zoeira do Schwarzenegger, a palavra "huitlacoche". Todos os meus ouvidos da nuca se alertaram. "Huitlacoche"! Só eu sabia o que era aquilo! Impossível que um executivo em viagem introduzisse na conversa esta palavra mirabolante, tão específica, tão ligada à comida. Parei de mastigar, parei de criticar o cozido, torci o pescoço com naturalidade e fiz um olhar distraído, dirigido ao infinito de quem não está ouvindo conversa de ninguém.
"Cuitlacoche" ou "huitlacoche" é um fungo prateado por fora, preto por dentro, que dá nas espigas de milho verde e é muito apreciado no México.
É uma praga, uma excrescência da espiga que se deforma, cresce e faz com que o milho se abra numa explosão precoce. O nome botânico é Ustilago maydis e o nome dado pelos astecas, é "cuitlatl" (excremento) e "cochtli" (adormecido).
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, (na França não sei), é uma das novas comidas descobertas pelo mundo gastronômico. Um cocô dormido, dirão os céticos, como os astecas. Não, mais uma jóia de exotismo, um cogumelo raro, uma coisa que não se planta, que brota sem que se espere, uma trufa nas barbas loiras do milho, este camponês.
Ao cozinhar, solta uma tinta preta, muito, muito saborosa. E ali, bem ao nosso lado, um homem com cara de economista sabia o que era "huitlacoche". E falava.
-Fiz um "chowder". Você sabe o que é um "chowder"? Digamos que é uma sopa, para simplificar. Uma especialidade do Maine. Fiz um "chowder" de milho. Comecei pondo uns pedaços de banha de barriga de porco no caldeirão. Poucos, para não engordurar demais o caldo. Esperei que encolhessem, juntei uma cebola e duas batatas picadinhas.
-Huum...
-Calma aí. Mais um litro de leite, grãos de 12 espigas raladas, mais os sabugos, os sabugos para dar gosto, tirei depois. Não se pode deixar ferver. É só aquele fogo baixinho.
Schwarzenegger pontificava. E nós, cozinheiras, aos poucos durante a arenga que foi longa, detalhada, fomos nos apaixonando furiosamente pelo homem que tentava seduzir a mulher com uma receita de sopa.
Era dos nossos! E que ciúme daquela menina desenxabida que só dizia hum, hum, fascinada pelos dentes e amígdalas do falante, uma bobinha ignorante que não sabia o que era "huitlacoche".
-O tempero é só sal e pimenta-do-reino. Tem gosto de horta, fresco, doce, forte, e aí não aguentei, pirateei, sorrateiramente contrabandeei e juntei ("I smuggled in") um lote de "huitlacoche" ao caldo. Prato fundo, um quadradinho de manteiga por cima, pão preto, você nem imagina.
Schwarzenegger salivava e quase engoliu a menina ali, na hora, com sal, pimenta e "huitlacoche".
Foi a primeira cantada culinária que ouvi. Pela cara de sapo hipnotizado pela cobra grande da menina, acho que funcionou
. Nina Horta


Da safra passada
No México eles o cultivam propositalmente desde a época dos Aztecas, mantendo o pé fungado na plantação, inoculando os esporos. Aqui levam-no para bem longe, para nunca mais voltar. Está certo, pois lá é uma iguaria, todos apreciam. O milho com fungo tem mais valor que o milho saudável. Aqui, não. Seria um sabor a ser adquirido. Bem, se era praga de milharal, meu pai certamente conhecia. Dei o nome do fungo e nada. Falei do aspecto e ele matou. Carvão! Ficou chocado em saber que se comia aquilo que pareciam grãos com tumor. Aliás, ele experimentou e disse eca. Mas, também tem que saber preparar e ele só meteu na boca, ainda cru. Como ele planta milho índio, imagino que seja uma planta mais suscetível a este tipo de praga que os milhos melhorados e resistentes, mais comuns por aqui. Mas, mesmo assim, acontece pouco. Desde que fiquei sabendo, sempre que são encontrados, são guardados no freezer para mim que, por chacota, virei neide-carvoeira. Pela experiência, minha mãe acha que isto acontece quando a planta recebeu muita umidade na época da formação da espiga ou quando a terra é pobre e as espigas saem ralas ou ainda quando os grãos são plantados fora do tempo. Por exemplo, se plantar agora. Já meu pai acha que não, acredita que só depende da lua. Se plantado na crescente a espiga vai ficar mais aguada e sensível ao fungo. Eu só sei que se quisesse realmente cultivar huitlacoche iria pesquisar a verdade a fundo. Para começar, é só fazer o inverso de todas as recomendações para evitá-lo. Mas, apesar da delícia que é, o engraçado e emocionante é assim, a sensação de comer uma raridade: uma ou duas trufinhas mexicanas ao ano. Tá bom assim, se não, perde a graça. Mistura de milho defumado com fungo de madeira molhada. No México, eles são vendidos frescos ou enlatados.

Minha sopa é uma adaptação de outra que tirei daqui.



Sopa de batatas com huitlacoche

2 colheres (sopa) de azeite de oliva
1 cebola roxa picada
40 g de huitlacoche picado
6 batatas médias descascadas e fatiadas
1 litro de caldo de frango caseiro quente
1 pimenta dedo-de-moça sem sementes corta pela metade, de comprido
1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada em rodelas
2 colheres (sopa) de salsa com epazote (erva-de-santa-maria, mastruz/ mentruz-de-arbusto) picado
Sal a gosto
Aqueça o azeite de oliva numa panela grande, fogo alto, junte a cebola e refogue até amolecer. Acrescente o huitlacoche e as batatas e mexa por mais um minuto. Coloque o caldo de frango, a pimenta dedo-de-moça e salgue a gosto. Com a panela tampada e fogo baixo, cozinhe por cerca de 30 minutos ou até a batata estar bem macia. Se preferir mais suave, tire a pimenta. Se não, passe tudo pelo mixer ou liquidificador (neste caso, espere antes amornar um pouco). Volte ao fogo, deixe ferver. Se estiver muito densa, junte mais água fervente para deixar a sopa com consistência cremosa e fluida. Junte as rodelinhas de pimenta e as ervas e sirva. Se quiser, espalhe sobre a sopa queijo fresco ralado.
Rende: 4 porções

Sãos estas coisinhas pretas o huitlacoche. Usei caldo de frango caseiro bem gorduroso para curar minha gripe, mas poderia ter desengordurado.

19 comentários:

  1. NEIDE, QUE ESTRANHO QUE FICA!! VOCÊME DEIXOU BABANDO COM AS PAMONHAS AI EMBAIXO. FICO ENCANTADA COM SUAS FOTOS SÓ IMAGINANDO OS LUGARES MARAVILHOSOS QUE VOCÊ CONHECE,QUE MARAVILHA DE VIDA!! AH, GANHEI INGRESSOS PARA ESTOMAGO LA NA ESCOLA DE GASTRO. BEIJÃO

    ResponderExcluir
  2. Quando vi a primeira figura, pensei: que desgraça! Mas lendo o texto da Nina Horta e o seu, fiquei instigada pra saber o sabor, só dúvido que eu tenha oportunidade de experimentar. Talvez, se um dia eu for pro México e aparecer uma sopa dessas por lá. Quem sabe!

    ResponderExcluir
  3. Neide, adoro seu blog!!!
    Tenho aprendido muitas coisas novas no seu blog, e as fotos são lindíssimas!!! Ainda não tenho uma câmera digital, mas logo, logo vou ter.
    Já inseri o endereço do seu blog no meu. Mas, recentemente, resolvi desmembrar meu blog por assuntos, e criei um sobre alimentação, e claro que eu já coloquei o endereço do seu blog lá também! Parabéns por esta maravilha de blog!! E continue assim, viu?
    Beijos no coração,
    Karin Rupp

    ResponderExcluir
  4. Neide do céu !!
    Acho que nessa eu tô com o Seu Toninho...que coisinha mais feia esse tal aí. E ainda com um nomezinho danado hein !
    Bem, sendo do reino vegetal eu não me furtaria a experimentar.

    Abraço da Ana.

    ResponderExcluir
  5. Carol,
    eu conheço pouquíssimos lugares, por isto gosto de explorar tudo o que posso.
    Flavia, quem sabe você não se depara com um destes por aqui mesmo, em algum milharal.

    Obrigada, Karin! Não consigo ficar sem minha maquininha, que já anda pedindo arrego.

    Ana, é uma delícia, acredite. Mas sendo os fungos um reino à parte, tem que pensar bem...
    beijos, N

    ResponderExcluir
  6. Menina, mesmo sendo da terra da maniçoba, do sarapatel e de outras coisas às quais muitos torcem o nariz, tenho que confessar que a aparência é questionável, mas o negócio é provar de tudo pois "se não mata, engorda", como já dizemos lá em casa.

    ResponderExcluir
  7. Neide, achei o negócio meio feioso, mostrei para o marido que cresceu na fazenda e ele logo disse que tem isto no milharal dos pais dele, vou ter que me encorajar. Por enquanto estou com seu Toninho e não abro,beijo!

    ResponderExcluir
  8. Neide que maravilha.....vc é uma eniclopédia. Obrigada pelos aprendizados...
    Bjs.

    ResponderExcluir
  9. Mais uma que aprendo contigo...a aparência não é realmente das melhores...em questão de beleza o huitlacoche andaria de mãos dadas com as trufas, pois tbm de bonitas não tem nada...

    Bela descoberta e que bom que tem no milharal da familia!!!

    Beijos !!!

    ResponderExcluir
  10. Neide cai por aqui vindo diretamente da chucrutaria da Fer e vou te repetir o que disse a ela:eu não gostava de blogs,tudo bem que eu não conhecia os culinários e nem me permitia conhcer,se eu estivesse procurando uma receita e desse blg no resultado eu pulava, mas eis que um dia me vejo provando o chucrute da Fer. E garota me apaixonei.Qta gente linda circula por esaas paragens!E sem medo de parecer uma puxa-saco-exagerada-deslumbradinha eu amei teu blog,pelo que andei lendo você como ser-humano é show de bola.E como eu curto gente que saber ser gente, ganhaste uma fã.
    Mil bjs,Paz, Amor e Sucesso.

    ResponderExcluir
  11. Neide, que post excelente :)
    mas a coisinha do milho dá medo. procurei imagens no google e apareceram alguns assustadores!

    ResponderExcluir
  12. Andei perguntando por aí e não obtive resposta ( acho que foi pra Fer). E quando entro aqui vejo a trufa mexicana ! Um chefe fez um programa no Travel and Living sobre o huitlacoche e achei bastante interessante ! Vou ter que experimentar.
    Mais uma vez o Come-se é cultura !!!

    ResponderExcluir
  13. Prezada Neide
    A minha amiga que mora no México já tinha-me recomendado...ainda estou em dúvida, mas o Marcelo K já experimentou, e gostou...
    vamos ver. Sem dúvida deve ser uma delícia!!!
    O seu Blog é Cultura

    Um abraço

    Rubén Duarte

    ResponderExcluir
  14. Neide,
    uauuuuuuuuuuu!!!!!! Uitlacoche e tartufo são duas das melhores doenças vegetais para se comer. Pena não podermos te-las aqui.Meu encontro com ambas foi divino. Indescritível.
    paulo

    ResponderExcluir
  15. estou rindo até agora, imaginando sua cara e sua vontade de intervir na prosa afiada do Schwarzenegger torto! Hilário!!! E que coisa esse cocô dormido do milho?!? Menina, nunca tinha ouvido falar dessa coisa, e olha que cresci na "roça". Agora tô virando o juízo pra provar, pensando nos sabores...
    Obrigada por mais um estímulo sensancional ao meu paladar inquieto e curioso!
    Beijocas da Foca

    ResponderExcluir
  16. Oi, Dricka, obrigada. Seja sempre bem-vinda.

    Foca, o texto de que está falando é da Nina Horta. Eu o anexei, com a permissão dela, é claro. Mas deixei isto claro no post. De qualquer forma, o texto dela é mesmo hilário. Que bom que gostou.

    Um abraço,
    Neide

    ResponderExcluir
  17. Neide, nunca imaginei que isso fosse comestivel. Nossa, que coisa! :-)

    Fui procurar no nosso website, aqui no IPM, a pagina dessa doenca do milho. Sim, nos habemos huitlacoche en California:

    http://www.ipm.ucdavis.edu/PMG/r113100311.html

    Aqui se chama Smut. Lord have mercy, sera que eu encaro esse negocio??

    beijaooo,

    ResponderExcluir
  18. Onde eu posso conseguir huitlacoche no Brasil?

    ResponderExcluir
  19. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir

Obrigada por comentar. Se você não tem um blog nem um endereço gmail, dá para comentar mesmo assim: É só marcar "comentar como anônimo" logo abaixo da caixa de comentários. Mas, por favor, assine seu nome para eu saber quem você é. Se quiser uma resposta particular, escreva para meu email: neide.rigo@gmail.com. Obrigada, Neide