Folhas e frutos de curry |
Ontem foi dia de voltar da Ilha do Marajó - veja fotos aqui no blog, clicando as fotos do instagram aí na coluna do lado direito. E dia da coluna do Paladar que saiu no jornal impresso, no site do caderno - agora só para assinantes - e que reproduzo aqui também integralmente com alguns adendos, como o molho de curry e a pimenta com os frutos.
FOLHAS DE CURRY
Falar hoje de temperos asiáticos como limão makrut ou kaffir,
galanga e folhas de curry, talvez já não suscite
mais grandes curiosidades como acontecia vinte anos atrás. Vivemos naquele
momento em que cozinheiros amadores e profissionais têm facilidades enormes
para conseguir quase tudo o que querem. E desejos satisfeitos não são mais
motivos para os rompantes de alegrias vividos em um passado recente.
Ainda assim, sempre haverá um ou outro ser atemporal que
correrá atrás do ingrediente como se ele fosse realmente raro e entrará em êxtase
quando o encontrar. Foi exatamente assim que aconteceu comigo muitos anos atrás
quando li uma crônica da Nina Horta no jornal Folha de São Paulo falando do meetha neem ou folhas de curry, o ingrediente que faltava para fazer um
prato de caril perfeito. Nina dizia que tinha plantado a árvore em sua calçada no Alto de Pinheiros e relatava a
saga para conseguir a muda da casa de uma indiana no Alto da Lapa. Nesta época
ainda não a conhecida pessoalmente e tudo o que eu poderia fazer era andar
pelas ruas de Pinheiros à procura de tal árvore. Sendo a calçada um espaço
público, era certo que se encontrasse traria para casa algumas folhas sem me
apresentar por timidez. Claro, nunca achei
nada parecido nas calçadas por onde andei. Até que nos aproximamos e finalmente
ganhei uma muda retirada do entorno da planta-mãe, que quando adulta lança muitos rebentos saídos
da raiz emaranhada, por sinal muito vigorosa,
boa para segurar desmoronamentos e
evitar erosões.
Quando se tem uma muda, sempre terá outras para multiplicar e
presentear, venham por rebentos ou
sementes. Minha muda, na época, foi para
o sítio dos meus pais e virou uma árvore enorme. Lembrando das raízes poderosas, é sempre prudente plantá-la a uma certa
distância de casa. Depois disso, nunca mais fiquei sem e hoje temos uma muda
vistosa na horta comunitária da rua. Sei
que ninguém vai sair de onde está pra vir aqui buscar umas folhinhas, pois
basta comprar a muda nos Viveiros Ciprest ou Sabor de Fazenda e suas receitas
indianas estarão salvas. Mas, desde que não depletem a árvore e deixe também
para os voluntários que cuidam dela, o espaço é público e qualquer pessoa pode
colher.
De vez em quando vejo alguma confusão feita com outra planta
de folhas penadas como a árvore de curry, chamada de neem ou nim (Azadirachta
indica), que contém em todas as partes uma substância tóxica, de
ação carrapaticida, bactericida e praguicida e por isto é muito usada em todo o
Brasil atualmente como defensivo natural na agricultura orgânica. É também
bastante usada na medicina e na cosmética ayurvédicas.
Mas a erva aromática usada na Índia (mais no
Sul) e países vizinhos vem da espécie Murraya
koenigii, árvore vistosa, com folhas penadas, brilhantes e
perfumadas . Os frutos que passam do vermelho ao preto com o amadurecimento
também são comestíveis, docinhos, suculentos, perfumados, lembrando um pouco os
grãos de café, inclusive na proporção de polpa e sementes, estas verdes e
tóxicas – para usá-las em preparos doces ou salgados, deve-se tirar as sementes
que podem ser plantadas. Na língua híndi a planta é chamada de meetha neem ou kari-pattha - respectivamente, neem doce e folha de caril (em
inglês é curry leaf). Embora apenas a
Murraya seja aromática, as duas são
medicinais. Neem, em sânscrito,
significa “cura para todos os males”. Há estudos mostrando efeitos benéficos da
M. koenigii no tratamento do diabetes.
Fora a confusão botânica entre as ervas, as de natureza
linguística não se acabam no termo neem. Isto porque as palavras kari, em hindi, curry em inglês ou caril, em português, valem para um prato feito com uma combinação
de especiarias além das folhas citadas; para o pó feito com todas as
especiarias usadas no prato incluindo as folhas; e para as folhas de curry
isoladamente, pois são folhas para se usar no prato curry.
Aliás, o
pó de caril ou de curry parece ter sido invenção dos colonizadores ingleses
que, quando deixaram livre a Índia, levaram com eles a saudade daquela mistura ou
massala que os indianos faziam na hora, tostando e triturando especiarias, para
temperar os ensopados de vegetais ou leguminosas. O produto comercializado em
pó foi uma forma de tentar reproduzir e resumir aqueles sabores – europeizando
a mistura, deixando-a menos picante.
Hoje o
produto industrializado pode ser encontrado em todo o mundo, inclusive na
Índia. E assim como as misturas caseiras, o produto comercial também pode
trazer muitas fórmulas, com diferentes especiarias e proporções - com mais, menos ou sem cominho, pimentas
variadas, gengibre, canela, grãos de coentro, cúrcuma, feno grego, erva-doce
etc. Em comum todos chegam à coloração amarelada, graças à presença constante
da cúrcuma. O feno grego confere aroma de caldo de galinha e as pimentas dão
picância. Já as folhas de curry tem perfume muito mais sutil, cítrico, fresco e
penetrante. Na primeira vez que senti o sabor e perfume logo pensei em folhas
de tangerina e de pitanga. Desde então é o que recomendo quando alguém me pede
substituições. Aliás, confira sempre a lista de ingredientes
do pó comercial – nem sempre as folhas estão presentes, por incrível que possa
parecer.
Uma técnica corriqueira de uso das folhas é
fazê-las crepitar sobre óleo quente com cominho, grãos de mostarda e feno
grego. Assim, elas soltam o perfume para a gordura, ficam crocantes e é um bom
jeito de começar um ensopado ou acrescentar pimentas, oleaginosas e pimenta e
temperar arroz branco ou fazer curry seco refogando nesta mistura legumes
pré-cozidos.
Outro jeito de usar é empregar em qualquer
prato com caldo como fazemos com louro, com a vantagem de que podemos comer as
folhinhas cozidas – aliás, mesmo em saladas elas ficam gostosas.
Por aqui, as folhas são mais usadas em pratos
indianos, como os ensopados de lentilhas ou dals, mas elas são comuns também em
outros países asiáticos, incluindo Sri Lanka, Burma, Cingapura, Camboja e
Tailândia.
Caril Seco de legumes
2 colheres (sopa) de ghee ou azeite
500 g de legumes picados em pedaços grandes (abobrinha brasileira, pimenta americana, cebola roxa, pimentões coloridos, por exemplo)
1 colher (chá) de sal
1 colher (chá) de cominho
2 colheres (chá) de grãos de mostarda
1 colher (chá) de feno grego
500 g de legumes picados em pedaços grandes (abobrinha brasileira, pimenta americana, cebola roxa, pimentões coloridos, por exemplo)
1 colher (chá) de sal
1 colher (chá) de cominho
2 colheres (chá) de grãos de mostarda
1 colher (chá) de feno grego
20 folhas de curry
1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada
1 colher (chá) de cúrcuma em pó
Coloque 1 colher (sopa ) de ghee ou azeite numa frigideira antiaderente que tenha tampa (pode ser omeleteira) e leve ao fogo para aquecer. Coloque os legumes com o sal, tampe e cozinhe em fogo baixo, chacoalhando constantemente até que os legumes fiquem dourados e macios – sem precisar de água.
1 colher (chá) de cúrcuma em pó
Coloque 1 colher (sopa ) de ghee ou azeite numa frigideira antiaderente que tenha tampa (pode ser omeleteira) e leve ao fogo para aquecer. Coloque os legumes com o sal, tampe e cozinhe em fogo baixo, chacoalhando constantemente até que os legumes fiquem dourados e macios – sem precisar de água.
À parte, numa frigideira grande, aqueça a
gordura restante e coloque o cominho, a mostarda e o coentro. Quando começarem
a pipocar, junte as folhas de curry e deixe que fiquem crocantes. Acrescente a pimenta, mexa e junte a cúrcuma.
Coloque os vegetais pré-cozidos, chacoalhando a frigideira para uniformizar. Sirva como acompanhamento junto a saladas de
folhas ou com arroz branco.
Rende: 4 a 6 porções
Aqui os frutos, sementes e folhas |
Com as folhas que sobraram das fotos, resolvi fazer um molho para refogados rápidos. Usei os temperos comuns que uso normalmente num curry indiano e bati tudo com óleo.
Curry em pasta para pratos de inspiração indiana (já que há pastas de curries tailandesas, mas geralmente as misturas indianas são secas)
Coloquei no copo do liquidificador umas 3 pimentas dedo-de-moça, um punhado grande de folhas - o tanto que está na tábua no começo do post - além de uma colher (sopa) de cominho levemente tostado, 1 de cúrcuma em pó e outra de feno grego levemente tostado e 1 rodela de gengibre. Bati tudo, adicionando óleo só para fazer funcionar o aparelho.
Depois de bem triturado, juntei algumas folhas de curry inteiras e 1 colher (sopa) de grãos de mostarda escura. Guardei na geladeira para acrescentar a qualquer legume pré-cozido ou no início de um refogado.
Numa omeleteira com tampa, coloquei algumas pimentas e uma berinjela pequena cortada em quartos. Reguei com azeite, tampei e fui cozinhando, virando sempre a omeleteira, até que os legumes ficassem dourados e macios. Juntei uma colher (sopa) rasa da pasta de curry e misturei bem. Temperei com sal. À parte, dourei em um pouco de azeite algumas folhas de curry e juntei frutos de curry. Mexi e deixei cozinhar só até que os frutos ficassem murchos. Juntei aos vegetais e pronto.
Em Kerala, onde estive há alguns anos, essas folhas estão presentes em todos os pratos, sempre cozidos no óleo de coco e finalizados com leite de coco. Nessa região da Índia, as folhas geralmente são adicionadas no final, como fazemos com o manjericão ou a cebolinha por aqui.
ResponderExcluirAssim que voltei de lá, comprei minha muda, que encontrei lá em Itaquera. Infelizmente, tive que deixá-la no meu último endereço.
David Kim.
Tenho em casa um pé e muitassss mudas que sempre faço qdo as sementes já estão pretinhasce madurinhas...e amooo
ResponderExcluirBoa noite quem poderia me vender uma muda
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