Você pode ver o passo-a-passo de como fazer o tucupi em outro post aqui no blog. Se quiser ver a coluna no jornal Estadão, é só comprar nas bancas e ir ao caderno Paladar. No blog do caderno, o texto está também publicado.
Mas deixo aqui também:
O leite da macaxeira ou
tucupi manso
Que
fique bem claro, ninguém aqui está querendo mexer no tucupi dos nortistas. É
perfeito do jeito que é e que continue intocável para que possamos ter saudade
das tardes quentes e úmidas a tomar um cuia de tacacá nas calçadas, seja em Rio
Branco ou Belém, embora aqui e ali algumas tacacazeiras adicionem à sopa pitadas
de açúcar e glutamato, o que a torna enjoativa, pelo menos pra mim.
Recentemente
viajei para a Ilha do Marajó e vi no mercado tucupi branco que a vendedora
disse ter sido feito com mandioca mansa. A referência que precisava. Tradicionalmente
o tucupi, um caldo amarelo, aromático e ácido, de origem indígena, é feito à
partir do sumo da mandioca brava ou amarga, que tem altos níveis de glicosídeos
precursores de ácido cianídrico, tóxico para homens e animais. A mesma
substância é encontrada nas amêndoas amargas e talvez seja este o segredo do
excelente sabor do tucupi.
Esta
variedade tóxica, chamada simplesmente de mandioca, é usada principalmente para
fazer farinha d´água e tucupi, pois o processamento dos dois produtos envolvem
fermentação. Já a mandioca mansa ou doce,
para diferenciar da outra, recebe nomes como aipim ou macaxeira, especialmente onde
as duas coexistem. Em São Paulo e Minas, por exemplo, chamamos a mansa de
mandioca, já que não se planta da brava.
Claro,
entre as muitas etnias indígenas e comunidades que lidam com a mandioca e seus
produtos, são cultivadas dezenas de
variedades da raiz, mais úmidas ou mais secas, mole ou dura, mais amarela ou
branca, venenosa ou mansa. E cada uma
tem um uso, cada qual, um nome próprio.
Mas
a mandioca mansa é mais usada mesmo como mandioca de mesa. Ela cozinha melhor,
se desmancha, tem sabor mais adocicado. Embora
em quantidades menores, ela também contém os tais glicosídeos cianogênicos e
portanto o caldo tem sabor parecido. Então, não tendo mandiocas bravas, façamos
nosso tucupi mais mansamente, que também será bom.
O
processo tradicional consiste em ralar a mandioca amarela, extrair o sumo em
prensa ou tipiti, deixar sedimentar a goma, separar o líquido que é deixado a fermentar
por dois dias, ferver por meia a uma
hora ou deixar alguns dias no sol e está pronto para servir com carne de caça,
rã, peixe, camarão. Um pouco de água é adicionada no processo, de modo que 1
quilo de mandioca rende cerca de meio litro de tucupi. Ou muito mais, conforme
se aumenta a diluição e o lucro, com perda de qualidade. Atualmente se tempera com
folha de cipó de alho ou alho, coentro-de-pasto, alfavaca, pimenta-de-cheiro e
sal.
Mas,
na primeira vez que estive em Belém, uns quinze anos atrás, voltei com o claro
propósito de reproduzir em casa o tucupi que temperava o pato e fazia o tacacá.
Para quem não sabe, tacacá é aquela sopa que se forma na hora de comer, dentro
da cuia: leva tucupi, mingau de goma feito a partir da fécula fresca ou seca
misturada com água e cozida até ficar transparente, jambu cozido - a erva que
adormece a boca - e camarões secos
cozidos. Pimenta, só para quem quer. Sabendo
um pouco da técnica, cheguei em casa e
adaptei com o que tinha em mãos usando a mandioca mansa. Fiquei feliz com o
resultado e satisfeita quando publiquei no meu blog e leitores paraenses, longe
de casa, em São Paulo ou na Europa, não só conseguiram prepará-lo como o acharam
tão gostoso como que conheciam. Na Europa, usaram mandiocas parafinadas vindas
da África.
Nesta
última viagem ao Pará, escolhi comprar no mercado Ver o Peso o tucupi de aparência bifásica – por cima é
mais esbranquiçado e no fundo fica o líquido mais denso e amarelo. É que o tucupi uniformemente amarelo às vezes
é resultado de adulteração com corante artificial e há vários deles assim. Se o líquido for cozido sem parar de mexer até
começar a ferver, a coloração se mantém uniforme também, cheguei à esta
conclusão na prática. Mas o adulterado é de um amarelo mais infantil, fácil de
notar. O artifício é mais gritante no
mercado de Rio Branco, no Acre. Não sei se ainda é assim, mas há uns 4 anos,
quando estive lá, estranhei os tucupis de amarelo vivo vendidos em sacos
plásticos. Perguntei para uma vendedora que pigmento eles costumavam adicionar
para dar aquela cor uniforme e ela me mostrou uma caixinha à venda contendo,
conforme dizia o rótulo, corante artificial amarelo tartrazina – pelos males
que causam, é proibido em alguns países mas não aqui -, além de açúcar e
glutamato monossódico.
Isto
não é pra desanimar nem pra convencer você a fazer seu tucupi em casa, afinal
hoje já há bons produtos no mercado e mesmo em São Paulo podemos encontrar
tucupi. Em Belém, no ano passado,
visitei uma fábrica com plantação própria, certificação orgânica, processo de produção todo mecanizado e
resultado excelente. Vi também na Ilha
do Marajó produtores que conservam técnicas artesanais indígenas de trituração
manual e extração do líquido através de tipiti – a prensa com trama de fibra
vegetal em formato de cobra. Depois de fermentado, deixam no sol por vários
dias em vez de ferver. Estes, são inigualáveis. Porém,
eles nem sempre estão por perto.
Como
diz Câmara Cascudo, o tucupi e o tacacá não se aclimataram no Sul, no Centro e
Nordeste do país, mas nunca é tarde para começar uma nova história com um
ingrediente tão farto, ainda que seja um tucupi mais manso e mais pálido, e
ampliar seu uso. O líquido fresco extraído da mandioca ou macaxeira para o
feito de farinha e extração da fécula costuma ser um importante contaminante do
solo ao redor de casas de farinha e fecularias. Pesquisadores vivem buscando
uma solução para seu aproveitamento – coagulante para látex, fertilizante,
alimentação animal etc, quase nunca envolvendo alimentação humana.
No
entanto, inspiração para uso não nos faltam: em Iquitos, no Peru, o sumo da
mandioca vira um reduzido molho picante chamado ají negro. Em Roraima ou no alto Rio Negro, as etnias indígenas
também reduzem o tucupi para fazer o tucupi preto usado em muitos pratos – às
vezes, com formigas.
Sei
que está morrendo de vontade de ir até a feira ou supermercado e comprar umas
raízes, agora vendidas já descascadas, para extrair o puro leite de macaxeira que
vai temperar sopas, fazer marinadas, cozinhar carnes, servir com assados, fazer
caldas doces – já fiz até caramelo usando o sumo como único ingrediente, sem
açúcar. E ainda combinar com caldo de
frango, caldo de peixe, leite de coco e ervas a gosto. Quem se anima?
Como fazer em casa o
tucupi manso
1 kg de macaxeira descascada
1,5 xícara de água
Temperos: folhas de alfavaca, pimenta-de-cheiro,
chicória-do-pará ou raiz de coentro, alho ou folha de cipó de alho e sal a
gosto
Pique a macaxeira em pedaços
pequenos e divida em 4 porções. Junte a água à primeira porção e bata no
liquidificador até formar uma massa. Coe num pano (um saco de fibra sintética
próprio para lavar roupas em máquinas de lavar – sem este uso, é claro – faz um ótimo coador), apertando bem. Vá
guardando a fibra. Use o líquido coado para bater a próxima porção. E faça isto
até bater tudo. Deixe o líquido em repouso por duas horas ou até a goma
assentar no fundo. Separe o líquido, coloque numa jarra ou bacia, cubra com
pano e deixe fermentar em temperatura ambiente por 48 horas. Leve o líquido ao
fogo com os temperos e deixe cozinhar por meia hora, mexendo sempre só até
começar a ferver. O restante do tempo, deixe em fogo baixo. Espere esfriar, peneire e guarde na geladeira
por até uma semana. Ou congele.
Rende: cerca de meio litro
Tudo se aproveita: a fibra que fica no pano
pode ser usada para fazer os beijus mostrados na última coluna – basta temperar
com sal, passar por peneira grossa diretamente sobre uma frigideira e cozinhar
dos dois lados. Pode temperar com coco, castanhas ou ervas. E a goma assentada pode ser seca com pano
limpo, temperada com sal e usada para fazer beijus de tapioca.
Asinhas de frango no
tucupi manso: tempere
e asse meio quilo de asinhas de frango. À parte, coloque numa panela 3 colheres
(sopa) de cebola roxa picada, meio tomate picado, 2 pimentas-de-cheiro doces
picadas, 2 colheres (sopa) de cebolinha e coentro picados e 1 colher (sopa) de
óleo. Deixe aquecer e junte 1,5 xícara de tucupi manso. Se quiser, junte
pimentas ardidas inteiras. Deixe ferver, junte os pedaços de frango e cozinhe
por 10 minutos só para apurar o sabor. Prove o sal e corrija, se necessário.
Junte folhas de coentro e sirva com arroz ou farinha.
Mais uma vez, aprendo com as observações que faz, Neide. Sou do Pará e moro em Curitiba e adorei tudo que li na postagem acima. Saúde e muitas alegrias eu te desejo nos dias que antecedem a virada do ano para 2016.
ResponderExcluirfinalmente tentei fazer! te conto daquia 48h o que aconteceu.
ResponderExcluir-- Leticia
Olá, te fazer uma pergunta:
ResponderExcluirEstou numa dieta crudivora há um tempo, e vi você sugerindo como alternativa ao cozimento, deixar o caldo no sol após as 48 horas de fermentação, pode me explicar melhor essa parte?
Coloco o pote de vidro no sol ou o espalho em uma bacia? E quantas horas mais ou menos num dia de sol forte de verão? Quero usar esse líquido sem precisar cozinhar
Abraços
O meu tucupi está descansando rsrs espero que fique bom! Já morei em Belém e tucupi faz uma falta danada rsrs...
ResponderExcluirSi quieren pasar un buen rato estos días aburridos pueden ver Sueño de fuga online bastante recomendada
ResponderExcluirMinha avó, na região do salgado paraense, fazia tucupi de macaxeira. Era o preferida, tido como requintado e com sabor mais suave. Ela fazia de mandioca também, pra vender, mas pra casa ela gostava de usar o de macaxeira.
ResponderExcluirAmei a receita de tucupi vou tentar fazer nunca comi
ResponderExcluirHoje me aventurei nessa receita , depois digo o resultado . Congelado pode ser guardado por quanto tempo? Obg
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