quinta-feira, 28 de maio de 2015

Quinta sem trigo. Pão de mandioca

Por uma ironia do destino, o amigo padeiro francês Michel Cirés, que ficou hospedado em minha casa nos últimos dias, não pode comer pão. É uma doença funcional relacionada a profissão de padeiro, que desenvolve intolerância ao trigo (não especificamente ao glúten) devido à super exposição. Quando come pão, pode ter crise de asma. Mesmo assim, às vezes não resiste  - experimentou todos os que fiz sob sua orientação neste período. 

Então, foi uma troca. Ele me ensinou a fazer bons pães de trigo com fermentação natural e eu fiz algumas receitas com milho ou mandioca sem fermentação alguma - cuscuz, pãezinhos de queijo e outras derivações. 

O pão de mandioca que fiz e Michel gostou muito (especialmente porque cresce mesmo sem ter fermento) tem praticamente a mesma fórmula de um outro que já dei aqui, de cará. A diferença é que usei mandioca e que modifiquei o formato para ganhar aspecto de filão. E assei sobre folhas de sete-copas que funciona como papel manteiga.  Claro que fica melhor enquanto está quentinho. Mas no outro dia pode ser torrado em fatias no forno e fica muito bom com manteiga. 

E nhac!


Pão de mandioca com polvilho 

250 g de mandioca descascada e picada
125 g de polvilho azedo
125 g de polvilho doce
1 colher (chá) de sal
3 colheres (chá) de açúcar
2 ovos
1/4 de xícara de manteiga, azeite de oliva ou óleo

Cozinhe a mandioca com água até que fique bem macia (reserve a água para o caso de precisar corrigir a consistência da massa). Numa tigela, misture os polvilhos peneirados com o sal e o açúcar e esprema por cima mandioca bem quente (passe-o em espremedor de batatas diretamente sobre o polvilho). Misture bem com um garfo, fazendo uma farofa úmida. Assim que amornar, amasse bem com as mãos. Junte os ovos batidos e a gordura, aos poucos, e continue mexendo. Se preferir, use o mixer ou a batedeira, pois deve formar uma massa meio grudenta. Uma colher de pau também resolve. Se a massa ficar muito dura, junte um pouco da água de cozimento da mandioca. A consistência é de modelar. Unte as mãos com óleo e modele dois pães compridos. Coloque-os em forma sem untar (ou coloque embaixo de cada um uma folha de sete-copas) e leve ao forno a 200 ºC e deixe assar por cerca de meia hora ou até dourar. Se quiser, faça pãezinhos do tamanho de bolinhas de ping-pong. 
Rende: 2 pães ou 15 pãezinhos
Nota: se quiser, polvilhe a superfície com polvilho.  E se não tiver polvilho azedo (que faz o pão crescer), use só polvilho doce - neste caso o pão poderá ficar mais macio e oco. 


quarta-feira, 27 de maio de 2015

Chá de tagetes

Tagetes filifolia (segundo livro do Kinupp)
Voltamos agora tudo ao normal. Estive no último mês com visita do amigo padeiro francês em casa e ainda estava enrolada com trabalho. O blog é hobby e vai sempre sendo deixado por último na escala de prioridades. 

Muitas coisas foram acontecendo nestes últimos dias e uma das mais deliciosas descobertas foi este chá de tagetes. 

Fui com Michel, o amigo francês, à feira de orgânicos da Água Branca e na banca de flores encontrei maços destas tagetes. Não eram vendidas como alimento, mas como espécie decorativa apenas. Lembrei de ter visto no livro do Kinupp e Lorenzi (Plantas Alimentícias Não Convencionais - PANC - no Brasil) esta espécie de tagetes e comprei para experimentar. 

Plantas do gênero Tagetes, de um modo geral, são usadas de vários modos mundo afora. No Leste Europeu pétalas alaranjadas de tagetes são secas e usadas como substituto do açafrão, tanto em fiapos como em pó. As folhas e flores de várias espécies são estimadas na fitoterapia por suas ações farmacológicas como antiespasmódicas, hipotensoras, broncodilatadoras, sedantes e anti-inflamatórias. Sabe-se também que a planta contém substâncias antimicrobianas e inseticidas, por isto muito usada na agricultura orgânica. 

Na Bolívia, várias espécies deste gênero são usadas como tempero. A conhecida como huacatay ou huakataya tem sabor mais suave, entre menta e coentro, e é usada em molhos ou como erva para aromatizar carnes e legumes.  Já minha tagete não consegui guardar para tempero, mas poderia. Fiz chá e tomamos todos os dias até tudo se acabar  - folhas e flores. As folhas na boca são amargas, mas na infusão liberam um perfume incrivelmente bom que lembra tangerina misturada com feijoa ou goiaba da serra, que por sua vez tem perfume de todafruta. Michel gostou tanto que levou sementes para a França - e até umas mudinhas que ganhei da Silvia e da Sabrina do viveiro Sabor de Fazenda.   Quem quiser muda, é só pedir para elas. 

Para fazer o chá, tenho usado cerca de 2 ramos inteiros, com flores e folhas picados para uma chaleira de meio litro de água. Deixo ferver um minuto a água com a erva para extrair o perfume e a cor (se fosse para uso medicinal, apenas abafaria, deixando em infusão). A coloração depende da quantidade de flores, mas você pode clarear ou deixar mais rosado o chá com a adição de gotas de limão, como pode ver na foto. A cor também vai variar conforme a quantidade do suco ácido adicionado. Pense num chá gostoso e viciante. É este. 

Então, se vir esta flor por aí, já sabe.  




segunda-feira, 18 de maio de 2015

Ainda sobre o Capim Santo na horta. Deu na BBC

Em pleno dia das mães estávamos nós lá na horta replantando o capim santo que tivemos que retirar para a subprefeitura refazer a calçada. Tudo bem, plantamos tudo de novo, embora a maioria das mudas que já estavam grandinhas não tenham sobrevivido ao arranque e replante.

A subprefeitura refez a calçada (ainda sem acessibilidade) e a última notícia que tivemos da implicância dos moradores que querem o papel oficial foi através do jornalzinho de bairro, que diz haver dois interessados em adotar o local (com tanto local abandonado para ser adotado...). Enquanto os pais oficiais não aparecem (e acho que não vão aparecer), nós vamos cuidando da horta voluntariamente e sem interesse em colocar placas com nossos nomes. E isto já sabemos que não é contra lei. As obras da subprefeitura incluiu até um banquinho de concreto para apoiarmos a cisterna. Isto foi legal.

O calçamento foi feito também onde não havia pavimentação e isto foi bom para a comunidade, mas o capim santo se foi. Tudo bem. Ganhamos mais espaço de terra e por enquanto plantamos batata-doce e boldinho. O dia das mães foi ótimo para isto. Aproveitamos a chuva e fizemos o trabalho. Até o amigo francês entrou na dança.

Mas o post é só pra contar que saiu uma matéria bem legal sobre a retomada dos espaços públicos na BBC, e a polêmica da nossa horta está lá.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150514_ocupacao_espaco_publico_rb

Veja o capim santo como estava e como foi plantado aqui e ali.

Todos vizinhos e um francês


Michel plantando batata doce debaixo de chuva 



sexta-feira, 15 de maio de 2015

Pãozinho de batata-doce sem glúten

Meu amigo francês padeiro, Michel, de tanto trabalhar com trigo, desenvolveu certa intolerância. Então, faz ótimos pães, mas não come trigo. Eventualmente não resiste, mas sabe que não deve. 

Então, tenho me empenhado em fazer nossas iguarias sem glúten. Estes pãezinhos já dei aqui, feitos com cará. Esta é uma fórmula que funciona bem para qualquer tipo de tubérculo ou raiz como mandioca, taro, cará, mandioquinha, batata. O que tinha em casa nesta semana era batata-doce e um pouco de mandioquinha. Misturei as duas, com protagonismo da batata-doce. Se quiser, escolha uma ou outra e veja como ficam gostosos. Para finalizar, usei um pouco do queijo de leite de ovelha trazido dos Pireneus pelo Michel. E nhac!



Pãozinho de batata-doce e polvilhos
250 g de batata-doce cru picada (ou mandioquinha, ou uma mistura dos dois ingredientes)
125 g de polvilho azedo
125 g de polvilho doce
1 colher (chá) de sal
3 colheres (chá) de açúcar (neste caso, sendo a batata doce, pode eliminar - mantenha se usar outras batatas não doces)
2 ovos
1/4 de xícara de óleo ou manteiga
Queijo ralado para finalizar

Cozinhe a batata-doce com água até que fique bem macia. Numa tigela, misture os polvilhos peneirados com o sal e o açúcar e esprema por cima a batata bem quente (passe-o em espremedor de batatas diretamente sobre o polvilho). Misture bem com um garfo, rapidamente, fazendo uma farofa úmida. Assim que amornar, amasse bem com as mãos. Junte os ovos batidos com o óleo, aos poucos, e continue mexendo. Se preferir, use o mixer ou a batedeira, pois deve formar uma massa meio grudenta. Uma colher de pau também resolve. Com as mãos besuntadas de óleo, modele bolas com porções retiradas com uma colher de sopa.  Coloque-as em forma sem untar, polvilhe um pouco de queijo ralado no topo de cada um e leve ao forno (com temperatura de média a alta). Deixe até que cresçam e dourem (cerca de 30 minutos).
Rende: cerca de 15 pãezinhos
Nota: caso não tenha balança, saiba que uma xícara daquelas padronizadas de 240 ml comporta 120 g de polvilho - neste caso, preferi usar balança, já que fui alterando as medidas enquanto testava.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Pão com fubá feito pelo padeiro francês

O pão francês
Estou com hóspede em casa, por isto também a falta de escrever aqui (no instagram, veja aí do lado, tenho publicado algumas fotos). Aquele amigo padeiro francês que conheci no Senegal, Michel Cirès, veio passar vinte dias e estou tendo a sorte de aprender muitas coisas com ele. Chegou com queijos de leite de cabras e de ovelhas do Pirineus, deliciosos, amanteigados, amendoados, uma coisa de louco. Estes franceses sabem das coisas. E também vinhos, claro.

Michel e James Forest, padeiros franceses, com padeiro senegalês diante
de um tapalapa, o forno de lenha local
Eu falo e entendo francês pessimamente e ele, português, idem. Mas ainda assim nos entendemos bem e nos divertimos. No Senegal foi assim também. Ele vai de espancês e eu de portunhol quando a coisa aperta. Mas valem gestos, palavras em inglês, italiano, qualquer código serve. E assim vamos nos entendendo.

Ele tem uma padaria orgânica em Lourdes, nos Pirineus franceses, e faz cerca de 3 toneladas de pães por semana. No Senegal ensinou padeiros artesanais a fazerem pão com menos trigo e mais cereais e amidos locais. Então não poderia deixar de fazer ao menos um pão por aqui para nós. Usou milho para diminuir a quantidade de trigo.

Cheio de truques e técnicas, o feitio do pão só vai ganhando perfeição com a repetição. Por isto, comece já. Para aprender a fazer um bom levain, veja aqui no blog várias técnicas como esta ou compre o livro Pão Nosso de Cada Dia, do Luiz Américo, que lá tem tudo direitinho.

E deixo aqui a receita do pão de milho do Michel.

Primeiro crescimento

Segundo crescimento


Terceiro e último crescimento - antes de ir ao forno (as dobras ficam pra cima)
Desemborca (as dobras ficarão por baixo)  e faz os cortes com gilete
E voilà!

Pão de trigo com fubá. Por Michel Cirès

175 g de levain (já reformado, borbulhante)
425 ml de água a 25 ºC
400 g de farinha de trigo orgânica
175 g de fubá orgânico
12 g de sal

Numa tigela, coloque o levain e despeje a água. Misture bem com as mãos. Junte as farinhas e o sal e mexa bem. Nesta fase, pode usar uma batedeira com garfo para massa. Bata durante uns 10 minutos em velocidade média. A massa fica bem mole. Passe para uma superfície enfarinhada, trabalhe a massa com as mãos enfarinhadas, puxando e dobrando. Coloque dentro de uma panela de barro enfarinhada e coloque a tampa (só para proteger do frio e deixar a massa mais quentinha). Claro, se estiver fazendo calor, é só colocar numa tigela, cobrir com plástico e esperar crescer. Depois de uma hora, veja se quando afundar o dedo na massa, ela toda se movimenta (é assim que ele vê se já está no ponto de dobrá-la de novo).  Novamente sobre a superfície enfarinhada, achate a massa e dobre-a, no mesmo sentido, fazendo uma bola. Deixe crescer até que esteja levedada - e o dedo afundado faz com que o resto da massa se movimente. Passe novamente para a superfície enfarinhada, modele a bola, dobrando a massa no mesmo sentido das dobradas anteriores. Polvilhe uma cesta com bastante farinha e coloque aí a massa deixando as emendas das dobras para o lado de cima. Deixe crescer mais um pouco em local protegido do frio ou ligeiramente aquecido - tempo a depender da temperatura ambiente. Quando estiver crescida a massa, preaqueça o forno a 250 ºC por cerca de 10 minutos. Deixe dentro a assadeira onde vai assar o pão. Se o seu forno não tem vaporizador, deixe dentro também outra assadeira para fazer o vapor. Desemborque a massa enfarinhada sobre a assadeira quente, faça cortes com lâmina e leve ao forno imediatamente. Jogue meia xícara de água sobre a assadeira quente para o vapor e feche o forno. Repita a operação sempre que a água secar, para criar bastante vapor. Pelo menos nos primeiros 10 minutos. Depois de 20 minutos do início, abaixe para 220ºC e deixe assar por mais cerca de 30 minutos.  Retire do forno, deixe esfriar completamente sobre uma grade e só então corte-o em fatias. E nhac!


sexta-feira, 8 de maio de 2015

Limãozinho, capim-limão-de-flor, catinga-de-formiga, alecrim bravo, chá-de-moça

Cida, de Curaçá-BA
A Caatinga tem suas graças e trapaças. Sempre que estou no sertão, ouço várias histórias fantásticas. Até eu mesma vivi uma experiência sem explicação quando me perdi no mato

Mas outra coisa intrigante me aconteceu recentemente. Antes, preciso contextualizar duas situações. 

Em fevereiro deste ano dei oficinas para merendeiras em Curaçá, no sertão do São Francisco. Uma delas, Cida, me trouxe uma erva chamada de "limãozinho". Tinha perfume de citronela, de capim-limão, verbena, limão-kafir. Fiquei tão encantada com a planta que levei para o hotel em Uauá (onde ninguém conhecia) e deixei na água na esperança que durasse até voltar a São Paulo. Quase todos os galhos morreram, restando apenas dois que embalei com cuidado e trouxe para casa. Chegaram meio capengas, mas plantei e cuidei até que as primeiras folhas vieram para dizer que a planta vivia. Tudo muito lento. E eu feliz a cada folhinha nova e com a chegada das florezinhas amarelas, sonhando com uma moita delas, com seu perfume numa panela junto com leite de coco, coentro, quem sabe um peixe ou frango. E segue assim, devagar mas viva. Acabou que me afeiçoei demais por esta espécie. 

A outra situação é que os hortelões da horta comunitária e eu resolvemos plantar umas árvores na praça (perto da horta comunitária). Eram uns dois sabugueiros, um mandacaru sem espinho e um umbuzeiro que fiquei cuidando durante um ano, também trazido da Caatinga. Depois de perder todas as folhas, outras novas brotaram no umbuzeiro quando acabou o inverno. E estas folhas são ácidas e deliciosas para chá. Quando estava forte suficiente achei que era hora de sair do vaso. Então chamamos este local - onde já havia um pé de palma - de jardim da Caatinga. Mas era um nome só nosso. Não colocamos plaquinha e não revolvemos a terra. Apenas plantamos num pequeno platô de mato que já existia e usamos as covas de árvores que não tinham vingado.  Os dias eram de chuva e elas pegaram bem, lançaram folhas novas e não estavam atrapalhando ninguém. Eram espécies úteis para todos os moradores e não são árvores que ficam monstruosas. .

As coisas iam bem, passaram algumas poucas semanas e voltei lá com uma amiga. Todas as árvores e os pés de citronela que havíamos plantado em volta para ajudar espantar mosquitos estavam arrancadas e deixadas do lado. Como o vandalismo era recente, as plantas puderam ser replantadas no mesmo lugar. Quem sabe era apenas um andarilho enlouquecido?  Mas não. Duas semanas depois voltamos lá e nos deparamos com as árvores e as citronelas arrancadas e desta vez sumidas. Havia também duas mudas que plantamos em covas de árvores que não haviam vingado e cercamos para que os jardineiros não a destruissem quando fossem roçar. Uma de folhas de curry e outra de limão-caviar. Arrancaram também estas duas. Só encontramos um sabugueiro ressequido a uns 100 metros dali. Descobrimos depois que foram alguns moradores, certamente os mesmos contrários à horta comunitária (certamente achando que estivéssemos expandindo nosso poder maléfico), pois a praça já tem árvores demais, árvores podem crescer e fazer aquilo virar um bosque e um bosque pode ser perigoso, atrair traficantes de drogas, e árvores frutíferas não podem porque atraem coletores etc etc. Ouvimos coisas assim contadas por outros. 

Senti muito pelo umbuzeirinho. Muito mesmo. Fiquei sem vontade de voltar lá. Mas outro dia, passeando com a Dendê, passei perto e vi um mato rasteiro e diferente com florezinhas amarelas. Pensei ser uma miragem. Uma moita de limãozinho nasceu ali. Fiquei emocionada. Claro, as sementes podem ter vindo junto com os cactos, de Uauá. Mas em Uauá ninguém conhecia a erva. Mesmo em Curaçá, as outras merendeiras tampouco conheciam. As únicas mudas que consegui fazer vingar em casa não tinham sementes. Então como foi nascer esta erva justo ali? E em tão pouco tempo já estava tão alastrada. Para aplacar a tristeza escolhi acreditar que foi uma recompensa da Caatinga para a perda do umbuzeiro. Este não poderia reaparecer assim, de repente. O umbuzeiro provavelmente foi pisoteado, dobrado, colocado numa lixeira ou debaixo de restos de poda (procurei por todo o bairro, em todas as lixeiras, mas não encontrei sinal dele). Agora, o limãozinho, uma erva espontânea que nasce à beira do São Francisco, sim. Apareceu de sopetão, se mostrou, me deixou colher. E deixe estar, que a natureza tem seus segredos. Não precisamos nos esforçar para entender, basta aceitar e agradecer. Deixemos assim. 

Sobre a planta, já falei aqui. Mas não custa copiar e colar: 

Nasceu no Jardim da Caatinga destruído
"
Limãozinho: na cidade de Curaçá, que fica na beira do São Francisco, uma merendeira trouxe uma erva surpreendente não só para mim mas para a maioria das colegas. Tinha folhinhas pontudas, flores minúsculas amarelas e perfume de citronela, melissa, verbena, limão-kafir. Recebe por lá o nome de "limãozinho". Disse que nasce espontaneamente na beira do rio na época da chuva. Todo mundo quis beliscar, sentir o perfume, saber pra quê servia. Claro, é uma erva antes de mais nada medicinal, mas já fiquei imaginando num prato com leite de coco e pimenta. Conservei um galhinho comigo até o fim da viagem e já chegou em São Paulo meio capenga. Ainda assim, plantei e todos os dias vou espiar as folhinhas verdes que restaram, pra ver se a planta desperta.  Pelo menos já fui pesquisar e descobri o nome da preciosidade: Pectis brevipedunculata ou capim-limão-de-flor, chá-de-moça, catinga-de-formiga (lembrando que a cabeça da saúva sabe à citronela) e alecrim bravo - além do nome com o qual é conhecido lá por aquelas bandas: limãozinho. Segundo Kinupp, V. F, e Lorenzi, H. no livro "Plantas Alimentícias Não Convencionais", em Manaus a erva é vendida nas feiras livres e é usado como tempero na região amazônica."

quinta-feira, 7 de maio de 2015

A flor azul do feijão borboleta. Macarrão com ovo azul. Coluna do Paladar. Edição 07/05/2015

Hoje tem coluna Nhac no Paladar, do Estadão.  Está lá no blog do caderno e também aqui. 

Quem acompanha o blog já deve ter visto o outro post onde falo desta flor. Veja lá a transformação da cor do chá. 


A flor azul do feijão-borboleta


Ao longo dos séculos o homem foi selecionando alimentos de uma paleta diversa de cores, com exceção do azul relacionado quase sempre ao bolor da comida estragada. Afinal o mofo azul é aceito nos queijos mas sob controle, e nem é tão azul assim. Então, é por falta de repertório que consideramos o azul tão frio, artificial e repulsivo.

Acontece que temos, sim, alguns alimentos azuis, cujo pigmento se expressaria melhor se estivesse em meio mais alcalino. Amoras, mirtilos (blueberries, como já diz o nome em inglês), uvas e jabuticabas seriam frutos muito mais azulados se não fossem ácidos. Basta colocar mirtilos ou amoras em massa de bolos com bicarbonato para ver como ficam azulados. Nestes casos, o resultado realmente não é muito apetitoso. O próprio nome do pigmento presente nestas espécies, antocianina, não deixa dúvida sobre o tom. Ciano vem do grego κυανός (kyanos) que significa azul. E antocianina, nós sabemos, é a substância antioxidante mais citada quando queremos justificar nosso apreço pelo vinho tinto.

Pois as flores comestíveis do feijão-borboleta são azuis sem disfarces e com elas podemos fazer comidas de smurfs ou de sereias enquanto não nos acostumemos com a seriedade de um alimento azulado no prato.

Como nomes populares podemos escolher outros: ervilha-borboleta, ismênia, palheteira ou cunhã. Mas foi sob o nome de feijão-borboleta que ganhei algumas sementes cinzas esverdeadas em 2008 em um encontro do Terra Madre, do Slow Food, em Brasília. Fiquei curiosa quando um produtor de orgânicos expôs as sementes num vidro como forrageira. Perguntei se era de gente comer e ele disse que não, mas que animais gostavam. As sementes ficaram dentro de um envelope ao lado do meu computador durante uns cinco anos, até que um dia resolvi pesquisar pelo nome em português e inglês, butterfly pea, e um céu sem nuvens se abriu à minha frente. São tantos estudos e relatos sobre os usos medicinais, forrageiros e alimentícios, que não esperei para plantar e, em pouco tempo, colher e colorir tudo o que pude. Desde então não fico sem meu chá azul. Ou rubi, se pingo gotas de limão.

Da mesma família do feijão e da ervilha, a Clitoria ternatea é originária da Ásia tropical e hoje está presente na América do Sul e Central, China, Índia e Sudeste Asiático. No Brasil a planta é mais conhecida como cunhã e mais usada como forrageira, sendo considerada o feno tropical por causa da boa aceitação entre os animais e o bom teor nutricional de sua folhagem. Já na cozinha é praticamente ignorada.

As folhas também são comestíveis, assim como as vagens bem jovens. Porém, o maior atrativo são as flores e nem tanto pelo sabor, já que são muito neutras, mas sim pela cor incomum e finalidades terapêuticas, já que são boas fontes de fitoquímicos. Por isto, a infusão das flores é tida como hepatoprotetora e antidiabética e o suco é usado tradicionalmente na medicina ayurvédica para curar picadas de insetos e doenças de pele, só para citar alguns exemplos. Fosse este um caderno de fitomedicina, suas páginas não bastariam para descrever o tanto de aplicação medicinal desta espécie mundo afora. Mas fiquemos com a planta comestível, visto que seu pigmento azul natural é usado fartamente mundo afora.

A cozinha do Sudeste Asiático, porém, parece concentrar o maior número de comidas azuis feitas com a flor. São refrescos, chás, bolinhos doces, sorvetes, sopas, mingaus, arroz e tudo o que possa ser tingido. Por aqui, me divirto colorindo tapiocas – é só usar a infusão bem forte e fria para hidratar a fécula da mandioca e terá lindos beijus azuis que combinam com recheio cremoso de coco fresco.

No site Amazon você pode encontrar flores secas para chá importadas. Procure por “Dried Butterfly Pea Flowers”. E a planta, talvez você possa encontrar em floriculturas, já que é cultivada como espécie ornamental. Agora, se quiser plantar em vaso, nas floreiras ou no quintal, saiba que é uma linda trepadeira perene e que em nosso clima fica florida na maior parte do tempo, preferindo verão e outono. Procure as sementes em casas agrícolas que vendam grãos forrageiros. Neste caso, peça sementes de “cunhã”. Uma boa ideia é começar pesquisando no mercado virtual. O bom é que em pouco tempo ela floresce. Basta espalhar algumas sementes, pulverizar terra por cima e regar e esperar. Se quiser apressar o processo, deixe as sementes de molho em água fria por uma noite.


As flores secas

Para extrair o pigmento, afervente flores frescas ou secas em quantidade variável a depender da intensidade de azul que quer. Para colorir uma xícara de arroz cru, por exemplo, umas cinco flores são suficientes. Já para um chá, cerca de 1 colher (sopa) de flores secas ou um pouco mais delas frescas para meio litro de água. Flores frescas podem ser adicionadas inteiras em saladas, picadas, em manteigas ou trituradas juntas com leite ou iogurte para fazer sobremesas.


Resolvi tingir a massa do talharim e os ovos para colocar por cima. Na hora de fotografar, uma abelha pousou no prato me lembrando de dizer o porque do nome popular. Borboletas são loucas por elas.


TALHARIM DE FEIJÃO-BORBOLETA COM OVOS E MANTEIGA DE SÁLVIA

4 ovos cozidos
2 xícaras de infusão de flores de feijão-borboleta bem forte
1 ovo cru
1 colher (chá) de sal
Cerca de 250 g de farinha de trigo
100 g de manteiga salgada
10 folhas de sálvia
4 flores frescas de feijão-borboleta

Descasque os ovos cozidos, parta-os ao meio, retire as gemas com cuidado sem desmanchá-las e reserve. Coloque as claras numa tigela pequena e despeje uma xícara de infusão de flores. Deixe-as imersas até terminar de fazer a massa (se preferir os ovos tingidos só por fora, parta os ovos depois de tingidos).

Coloque o ovo cru numa xícara e despeje a infusão de flores até completar meia xícara. Despeje tudo no copo do processador, ligue o aparelho, junte o sal e vá adicionando farinha até formar uma massa coesa. Talvez sobre farinha. Desligue o aparelho, com as mãos forme uma bola de massa e vá juntando mais farinha se for necessário. Se não tiver processador, faça isto numa tigela, amassando bem. Abra a massa e corte os talharins, usando a máquina de macarrão. Se não tiver, estenda a massa com rolo o mais finamente que conseguir, enfarinhe bem, enrole como rocambole e corte em fatias de 1 centímetro. Vá deixando as fitas soltas sobre toalha enfarinhada ou em varal de massas. Leve para aquecer 1,5 litro de água junto com o restante da infusão azul. Quando ferver, junte ½ colher (sopa) de sal, espere voltar a fervura e coloque o macarrão. Deixe cozinhar por cerca de 2 minutos. Escorra e reserve.
Enquanto isto, numa frigideira grande, derreta a manteiga e acrescente as folhas de sálvia e as flores rasgadas de feijão-borboleta. Junte o talharim, misture tudo com cuidado e distribua a massa em 4 pratos. Por cima, distribua os ovos tingidos e escorridos, com as gemas em seus lugares.

Rende: 4 porções

Notas
Para a infusão, ferva 2 xícara de água com meia xícara de flores de feijão borboleta secas até soltar toda a tinta. Peneire e use.
Cozinhe os ovos assim: primeiro, use os ovos em temperatura ambiente. Coloque água numa panela pequena e leve ao fogo. Quando ferver, coloque os ovos com cuidado, usando uma concha ou colher. Marque 9 minutos de fervura, escorra e deixe que esfriem em água gelada.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Pão com farinha de castanha e mandioca

Quem faz pão com levedo natural (levain) e com ingredientes que tem à mão, de forma amadora, pode ter boas ou más surpresas.  Eu gosto de arriscar, por isto, vira e mexe, meus pães não saem lá estas coisas. Pelo menos uma coisa costumo fazer quando desconfio que a experiência pode dar certo. Vou anotando tudo.

O desta semana só saiu assim porque não tinha a farinha toda de que precisava, havia sobra de mandioca cozida na geladeira e um restinho de farinha de castanha  (ultimamente ganhei farinha de castanha portuguesa de dois amigos diferentes, uma italiana, outra francesa). A farinha de castanha não deixa muito sabor, mesmo porque a quantidade é pequena, mas dá ao pão uma linda coloração escura.  A mandioca deixou o pão bem macio e a textura um pouco elástica.  

Um dia antes, tirei meu levain da geladeira (estava lá havia um mês sem mexer), só um pouquinho, tipo 150 gramas. Acrescentei água e farinha suficientes para fazer uma massa bem grossa, que me rendesse ao menos 3 xícaras  - 2 para eu usar, 1 para guardar. A quantidade de água e farinha não precisa ser exata. Faço isto sempre de olho. Se passar para mais ou para menos, não tem problema. Se ficar muito mole, o ponto pode ser corrigido na hora de amassar o pão. Se sobrar mais ou menos que 150 g, também tudo bem. Aos poucos vai-se aprendendo a lidar com seu levain (quem já faz pão e nunca usou levain, procure aqui no Come-se - há vários posts a respeito - claro, escolha os mais recentes).   Deixei o levain fermentar até o outro dia e ele ficou super borbulhante. Foi desta forma que usei, enquanto ainda estava crescido.  Uma xícara, coloquei num pote e guardei na geladeira.  O fermento vai ficar lá quieto, já cabisbaixo, esperando a próxima vez que será alimentado para voltar a crescer.

Então, aqui vai a receita:

Pão com farinha de castanha e mandioca 

400 g de levain reformado (2 xícaras aproximadamente)
400 ml de água
200 g de mandioca cozida
1 colher (sopa) rasa de sal
2 colheres (sopa) de azeite
2 colheres (sopa) de mel
100 g de farinha de castanha portuguesa - se não tiver, substitua por outra farinha ou de trigo mesmo
700 g de farinha de trigo

Bata no liquidificador o levain com a água, a mandioca, o sal, o azeite e o mel.  Passe para uma bacia e junte as farinhas, aos poucos. Sove bastante até formar uma massa coesa que possa ser sovada com as mãos. Se precisar corrigir, junte um pouco mais de água ou de farinha para dar o ponto. Cubra com pano úmido e deixe crescer até dobrar de volume (pode demorar umas boas horas, se o tempo estiver meio frio). Divida a massa em duas porções, modele os pães e coloque em forma untada. Cubra com pano úmido e deixe crescer novamente. Pulverize farinha de trigo, faça cortes e asse em forno pré-aquecido (bem quente nos quinze primeiros minutos, com uma forma com água dentro do forno).  Abaixe para 200 graus, retire a forma com água, e asse por cerca de mais 45 minutos ou até a casca ficar bem dourada.

Rende 2 pães

terça-feira, 5 de maio de 2015

Queijo manteiga no feijão

Sumi, né? Ultimamente o assunto era tão monotemático que não quis importunar o leitor e a leitora. Mas, só para atualizar, o capim santo foi arrancado da horta comunitária para que a subprefeitura refizesse a calçada (de tanto que encheram) com melhor acessibilidade. Só que o acesso mesmo que era bom não foi feito porque antes é preciso que a CET faça faixa de pedestres. Só depois, sabe-se lá quando, serão rebaixadas as guias e refeitos os acessos. Depois quebram e fazem de novo, tudo bem. A novidade agora é que há dois interessados (nenhum do nosso grupo de voluntários) em adotar a horta, acredite. Porque os que se autointitulam legalistas dizem que precisamos ter papel oficial de adoção pra cuidarmos do espaço. Para jogar lixo e deixar do jeito abandonado que estava ninguém precisou de papel. Enfim... Aguardemos novidades.

Portanto, estes dias foram agitados com estes assuntos mas também com bons encontros. Na semana passada almocei com a amiga Janice Kiss e com Ana Rita Suassuna (autora do essencial livro Gastronomia Sertaneja) no Jiquitaia, que já virou tradição nos nossos encontros.  A comida é sempre muito boa, com bons preços.

Ana Rita pediu uma faca e partiu um pedaço de queijo de manteiga que trazia já meio duro na bolsa. Um pedaço para mim e outro pra Janice. Diferente do queijo de coalho, outro clássico no sertão, o queijo de manteiga cozido na manteiga. A coalhada vai sendo cozida e incorporada à bastante manteiga. Depois o queijo é escorrido (pode imaginar o sabor desta manteiga que escorre?) e engomado. Com um ferro bem quente se "passa" toda a superfície do queijo para que fique selado e se conserve sobre o jirau durante muito tempo, especialmente para a época da entressafra se acaso o sertanejo conseguir aguentar a tentação. E não é pouca, visto que o queijo fica com a casca tão dura que não pode ser partida com faca comum. Já  por dentro, continua cremoso, de bom corte. Um jeito de fazer este queijo maturado e cozinhá-lo no feijão.  Janice e eu perguntamos se não iria derreter. Ana garantiu que não. No sertão não se usa panela de pressão e o queijo vai sendo cozido devagar.  Não preciso dizer que saímos do restaurante grávidas de ideias e já cheias de saudade das histórias da Ana, tão animada que contagia a gente.

No outro dia já quis fazer feijão com meu naco, mas como não dispenso a panela de pressão seria um desafio manter o pedaço inteiro até o final. Achei que não encontraria o queijo ao abrir a panela. Mas, que nada. Lá estava ele, macio, mole, mas intacto, para comer partido por colher. Uma coisa indescritível de gostosa.  Para animar ainda mais o feijão, acrescentei uns pedaços de courinho de porco, porque vai que este queijo se perde no caminho - ao menos teria o couro.

O feijão foi um rajado que plantei e colhi no sítio. Deixei de molho de um dia para outro e coloquei tudo na panela - feijão, água, couro, queijo e folha de louro. Cozinhei na panela de pressão por cerca de meia hora e temperei com alho refogado e sal. Cozinhei sem pressão por mais uns minutos - se faltar água, acrescente água quente. Comi com couve, arroz -  nhac!