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Empenho coletivo para o bem comum - nem sempre bem aceito |
Quando comecei com vizinhos da rua a cuidar do espaço a que demos o nome de horta comunitária não imaginei que isto pudesse causar tanta indignação, tanta contrariedade. O que fizemos, de início, foi limpar um espaço abandonado, tirar o lixo, o entulho, resto de podas, pratos com água empoçada, pedaços de computador etc, e substituir a braquiária alta por manjericão, boldo, capim santo, alecrim, flores, pimentas etc.
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A Juliana se mudou pra nossa rua no sábado e no domingo já era uma hortelã |
Com isto, os vizinhos da minha rua passaram a participar, passamos a nos conhecer melhor. Mesmo quem não participava dos mutirões levava mudinhas, enchia a cacimba de água e aos poucos o grupo foi ficando maior e mais animado, a ponto de atrair amigos de outros bairros para ajudar na construção de um local gostoso dentro de uma cidade quase sempre hostil. Fizemos canteiros baixos e abertos para que todos pudessem entrar e colher ervas aromáticas e medicinais, instalamos uma cisterna para que os vizinhos depositassem ali água de lavagem de verdura - a cisterna é, na verdade, um galão de água com tampa. Deixamos do lado um funil e um regador. Quando a terra está seca qualquer um pode ir lá, pegar o regador, abrir a torneira do galão e regar a horta. E levei pra lá minha caixinha de abelhas jataís.
Instalamos também uns tocos que encontramos jogados em outra rua para que as pessoas pudessem usar como banco. Antes não havia calçamento na parte de cima e as pessoas tinham que passar pela rua. Abrimos espaço, plantamos cosmus e hoje passam por uma passarela de grama com flores. Achamos que a satisfação entre os moradores do bairro era geral.
Mas tudo isto começou a incomodar (como
os bancos da praça também incomodam) e ficamos sabendo que havia denúncia da horta no Ministério Público (como se não houvesse mais nada com que se preocupar nesta cidade). Não sei com que argumento. A gota d´água foi quando resolvemos plantar capim santo no meio da calçada num espaço de terra que já existia, todo quebrado e tomado por braquiária. Alguns vizinhos da rua de baixo que sequer passam por ali começaram a implicar - mesmo não tendo quebrado nada. O que fizemos foi expor a calçada mal cuidada. Ou seja, só trocamos capim braquiária por um capim mais útil (já que o capim santo é a erva mais colhida na horta, a ponto de terem acabado com a muda). Pensamos que se plantássemos bastante, teríamos capim santo para todos sem risco de acabar, até para os vizinhos da rua de baixo. Fiz várias mudas de capim santo com as moitas que ganhei da amiga Juliana, de Holambra, como mostrei aqui:
http://come-se.blogspot.com.br/2015/02/capim-santo-para-plantar.html. No local da calçada que estava quebrado nós fizemos um mosaico de placas de concreto para que o lixeiro tivesse melhor acesso. E plantamos no que havia de terra.
Nossa surpresa foi quando neste sábado a primeira página do jornal de bairro, editado por uma vizinha da rua de baixo, estampava a horta com o canteiro de capim santo com a seguinte legenda-crítica:
CALÇADA VIRA HORTA NA CITY LAPA - Alguns moradores usam area (sic)
verde da Rua Barão de Itáuna com João Tibiriçá para plantio de chás e ervas. Nem a calçada escapou. O grupo plantou até no meio do passeio no momento de debate de mobilidade urbana. Nunca tinha visto isto no jornalismo, mas a foto ocupava a maior parte da capa sem, no entanto, remeter a matéria alguma dentro do jornal, deixando a entender que havíamos quebrado a calçada para plantar. Sorte nossa que tenho mania de fotografar tudo.
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A amiga Maria Helena e o canteiro abaixo, com braquiária, provando que não quebramos nada |
Mas ontem encontrei a editora e fui querer entender a birra e o que ela diz, como editora do jornal e membro da associação de moradores, é que há muitas reclamações sobre a horta. Como não há nenhum argumento contra a melhoria do espaço, a briga agora é por causa do capim santo que pode "espetar" a perna de quem passa. Você já sabe o tamanho que pode atingir uma touceira de capim santo? me perguntou a editora. Claro que sei e tudo depende de manejo. Isto num momento em que a prefeitura preconiza a implantação das calçadas verdes. Isto, sem perceber que no fim da calçada não há rebaixamento para cadeirantes. Isto sem notar que na parte de cima nem calçada há - a passagem que agora é usada pelos pedestres é sempre mantida com grama baixa por nós. Antes, passavam pela rua.
Saí da discussão sem entender o porque da implicância. Cheguei a perguntar se ela sabia quem se incomodava e um senhor (acho que é o marido dela) se adiantou com arrogância e disse: Eu me incomodo! Como guardiões da moral e do bom costume legalista do bairro, disseram que deveríamos ter uma autorização oficial da prefeitura (e só temos a palavra do sub prefeito de um ano atrás concordando, e temos isto gravado). Sorte que eu estava acompanhada do grupo de vizinhos da minha rua que se revesa e se junta nos cuidados da horta. Mas foi um bate-bocas infrutífero que me deixou triste, muito triste. Gostaria que eles se juntassem a nós, que participassem do mutirão, que ficassem felizes por estarmos cuidando de um espaço que pertence a todos, que tomassem bastante chá de capim santo para abrandar as tristezas, curar as invejas, banir as coisas ruins da alma. E quem sabe até o que falta não é botar a mão na terra, resgatar um pouco da humanidade.
Eu sei que toda minha rua e todos os amigos de longe nos apoiam, mas às vezes algumas poucas vozes contra têm um peso muito grande. Dá uma vontade de largar tudo e ficar em casa meditando, dá uma tristeza imensa, uma vontade de chorar. Mas eu sei que não é o melhor caminho. Vamos continuar a cuidar do espaço. E vamos pegar assinaturas de apoio. Quem quiser se engajar no apoio, será de grande ajuda.
Se um dia chegar uma notificação do Ministério Público ou da subprefeitura para desmanchar tudo, vou chamar os amigos, armar cadeiras em volta e assistir à destruição. Voltaremos a ter perto de nossas casas (das nossas e da deles) o velho ponto viciado para descarte de entulhos, restos de poda, de sofá e geladeira, cocôs de gente e de cachorros, pratos de trabalhos para santos com água empoçada escondidos no mato da esquina (coisa que tiramos quase toda semana) e sem nenhuma graça, nem capim santo. Por que, meu Deus, por que tanta intolerância, num mundo com tantos outros inimigos em comum?
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No começo era assim, com mato alto, entulhos e sem espaço para passar. Aqui, as vizinhas Ana Cristina, Rose e a outra Ana. |
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Dona Leda, outra vizinha que nos apoia |
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Nunca mais vimos entulho na calçada. Estamos todos os dias presentes |
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O matagal que era quando resolvemos limpar |
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Os primeiros mutirões - onde está o mato no meio é agora uma passarela verde |
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Hoje a passarela tem flores |
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Mais de 1,20 m de calçada |
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A Dendê visita a horta comido todos os dias |
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Bernadete, a vizinha da frente da horta, também nos ajuda |