Já vou avisando que não concordo com o sequestro da protagonista na calada da noite, mas dizem que a boa galinhada deve ser feita com a ave caipira – e roubada. Ouvi a história na zona rural de Fartura, cidade do interior de São Paulo, onde meus pais tinham sítio. A tradição vem das madrugadas do sábado de aleluia, quando as festas profanas diluíam a melancolia da Sexta-Feira da Paixão. Naquelas horas, os galinheiros de vizinhos e parentes eram os mais cobiçados: afinal, se os brincantes fossem pegos em flagrante era só dizer que tudo não passava de brincadeira. E se não tiver galinha gorda e ovada, que venha mesmo o frango mirrado, que o arroz faz render.
Sei que não é só no interior de São Paulo que a galinhada boa é a de galinha roubada. Isso é coisa do campo e acontece também no Paraná, em Minas Gerais e Goiás, por exemplo. O hábito já não está mais tão encostado à data religiosa, mas a madrugada e a galinha alheia continuam valendo. Qualquer fim de festa vira pretexto para surrupiar galinhas, ainda que sejam das próprias mães, para continuar a farra madrugada a dentro – de preferência em cozinha externa, em volta de um fogão de lenha, para não perturbar o sono de pessoas sérias.
A ave é abatida, limpa e preparada pelo grupo de amigos, não sem a companhia de muito riso, cachaça e cerveja. Os pedaços da ave, incluindo pés, cabeças e miúdos, são refogados em óleo ou banha, temperados com alho, cebola, cheiro-verde, colorau e, dependendo do lugar, pimenta e pequi. Alguns legumes, como cenoura, pimentão, tomate e vagem, podem enriquecer, mas são opcionais – afinal, faz-se galinhada com o que está à mão na hora imprópria. Agora, assim que a carne estiver quase no ponto, o que não pode faltar é o arroz branco na mesma panela.
Ele é cozido no caldo do frango, em quantidade bastante para deixar o prato cremoso e perfumado, quase como uma canja sem caldo. Na hora de servir o prato único – nunca frango e arroz separados – , salsa e cebolinha da horta cortados grosseiramente reforçam o tempero e aparência. Aí é comer, curar a ressaca e chegar em casa na hora que o galo canta.
Neide, ada vez que leio essa coluna de novo me volta a vontade louca de comer galinhada! Dá pra sentir o cheiro entre as letras. Um beijo!
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