quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Expedição Pitadas: as verônicas




Quem as apresentou foi dona Tereza de Arruda Camargo, dona Terezinha para os íntimos, experiente na arte veronítica que aprendeu aos seis anos observando a tia do pai. Outras mulheres também fazem, como é o caso de Cerise que aprendeu com a mestra. A veronqueira mor nos explica como as medalhas brancas são feitas: Calda de açúcar clarificada com claras em neve. Ela está pronta pra ser jogada na pedra quando, bem quente,  ao ser pingada em água fria forma garranchinhos.  Aí é só jogar na pedra branqueada de polvilho, deixar esfriar um pouco e ir puxando com as mãos polvilhadas, formando grandes tiras de massa que, depois, são deixadas em formato de cilindros compridos. Estes são cortados como balas de coco e viram bolas achatadas com os discos de bronze com imagens em baixo relevo. Basta, então, desenhar a borda ou raios estilizados com o cabo de um garfo. Antes, quando não havia açúcar branco, as verônicas eram brancas do mesmo jeito – a calda de açúcar mascavo era clareada num processo que pedia barro e folhas de bananeira. As forminhas de bronze são feitas hoje pelo Bastião Catitu, morador da cidade.  

Pirenópolis tem uma cultura riquíssima e a Festa do Divino é umas festas mais importantes. Dura um mês e acontece por volta de maio e junho, durante a época de Pentecostes. Fazem parte da festa várias manifestações como as folias, as cavalhadas, as alvoradas, as congadas, os mascarados e as pastorinhas, resultando numa verdadeira mescla de rituais religiosos e profanos.

A tradição foi trazida ao Brasil pelos portugueses e em Pirenópolis o primeiro registro é de 1819, quando um certo Coronel Joaquim da Costa Teixeira foi consagrado como Imperador do Divino. É o imperador, e isto vale até hoje, quem organiza a festa e capta recursos para que tudo aconteça. O prestígio dos imperadores é tanto que ao longo da história foram introduzindo novas tradições à festividade.  Em 1826, por exemplo, o festeiro do ano era o Padre Manuel Amâncio da Luz e foi ele quem introduziu as Cavalhadas e mandou fazer uma coroa de prata para a ocasião, a Coroa do Divino, que doou para a Igreja (certamente a igreja que comandava). Para divulgar o feito, distribuiu pela cidade, de casa em casa, os alfenins chamados de verônicas.

Fizeram tanto sucesso ao longo da história que regras devem ter sido criadas para evitar filas enormes na porta da casa do imperador durante a festa do Divino. Dona Teresinha nos conta que antes só virgens recebiam os alfenins. Mas, sabe como é, atualmente durante a festa só ganham alfenins as crianças.

Hoje verônicas são dadas como lembrança em batizados, festas de aniversário e casamento, e isto pode ser visto como um gesto de carinho, cordialidade, felicidade eterna e intocável, afinal é um docinho para ser admirado, que não se come, dura pra sempre. E dona Teresinha é uma veronqueira contente que trabalha no Divino mas também nas festas comemorativas. Diz que além de fazer o que gosta, ainda ganha dinheiro com isto. Vende a um real cada medalha e às vezes faz cem reais no dia, diz toda prosa.

Bem, terminando nossa reunião com as quituteiras, rumaríamos para Goiânia, mas cismei de querer comprar umas verônicas de dona Teresinha. Ela disse que tinha em casa e combinamos de passar lá.  Enquanto nos despedíamos, dona Teresinha sumiu. E, já escurecendo, eu quis desistir da encomenda, pois atrapalharia todo o grupo cansado do dia agitado. Mas fui convencida de que ela estaria esperando, que era só uma desviadinha de nada, não custava. E lá fomos nós a procurar o endereço. Pergunta pra um, pergunta pra outro, chegamos já de noite. A maioria dos colegas de expedição nem saiu da van. 

Dona Teresinha tinha ido rápido pra casa pra começar a fazer as verônicas. E não é que pudemos acompanhar quase todo o processo? Quem ficou no carro perdeu o espetáculo. E por pouco não perdeu a paciência. Mas a euforia dos que voltaram contando a experiência foi convincente sobre a importância do registro.

Fiquei louca pra ter uma forminha de verônica, cada qual com um desenho diferente. Já bem profanando o símbolo religioso que foi no início,  hoje você pode encomendar as chapinhas com o desenho que quiser, até com lacinhos, flores ou iniciais do nome do casal quando é lembrança de casamento.

Uma coisa interessante lembrada por minha amiga Verônika, a quem trouxe algumas de presente, é que verônica quer dizer imagem real, aquela do rosto de cristo ensanguentado carimbada no pano segurado por aquela mulher, durante o caminho do calvário.  Verônica, portanto, é a imagem e não a mulher. Mas isto é coisa que religiosos devem melhor saber que eu.  A definição aparece também no dicionário, como Caldas Aulete, por exemplo. 













As forminhas de verônicas


7 comentários:

  1. verônicas lindas. minha mãe fez uma verônica na vida dela. é branca, sim, mas não muito doce... :)

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  2. Neide, excelente matéria, valeu a pena não desistir, o processo da massa é semelhante a bala de coco.
    Lindo mesmo. Parabéns, bjs.

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  3. Encantador, tudo isso Neide !
    Seria tão bom que essas tradições fossem mantidas.

    Um abraço.

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  4. Matéria fantástica, Neide! Uma tradição destas a gente só consegue encontrar mesmo nos rincões do interior deste nosso Brasil.

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  6. Que demais! Quando o gesto de uma santa, que é tirar uma impressão do rosto de Jesus, vira o nome da própria santa. Daí, você pode fazer verônicas de santo antônio, de quem quiser, em geral cabeças. Diz o Houaiss, "atirou-lhe uma pedra à verônica". É bonito também, que na procissão do enterro de Jesus, a santa andava com o pano impresso na mão, é a comunicação de massas rolando!

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