terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Baixa tecnologia do uso inverso e alta performance

Alho socado pelo pilão e não no pilão
Quanto pedi à Valdete, mulher do Zé Mario,  um pilãozinho para socar o alho que eu usaria para temperar as folhas de taioba já rasgadas, colhidas da horta havia pouco, a encomenda só veio em uma peça. Escavado em madeira avermelhada, o almofariz chegou desacompanhado de sua mão. A concavidade lisa estava seca e esbranquiçada denunciando  pouco atrito em um passado bem distante. Em compensação, o fundo originalmente áspero trazia a lisura do uso frequente e o frescor de madeira condimentada dia a dia pelo miúdo alho local. Mal terminei de perguntar pelo socador e um prato duralex âmbar já estava a caminho. "Não tem soquete, não. Perdi tem um tempão. Soca no prato mesmo que fica bom", disse Dete, mostrando o uso invertido da peça no lugar da mão-de-pilão.  Se o prato é liso, o fundo de madeira é largo e áspero o bastante para não deixar escapulir um só dente de alho. Uma mínima colina de banha de porco branquinha como neve ainda derretia na panela de ágata sobre o fogão de lenha quando a pasta de alho com um pouco de sal chegou provocando chiados seguidos de vapores aromáticos. Bastou deixar dourar o tempero, juntar as folhas de taioba rasgadas sem talos nem nervuras e só dar um susto para amaciar.  E nhac com arroz, feijão, frango caipira, mandioca, abobrinha... 


Ah, tábua pra picar folhas e legumes por aquelas bandas também ninguém usa, não, que não carece. Uma mão segura e a outra corta em gestos precisos.  Tudo tão simples para produzir comida tão gostosa. A gente é que gosta de complicar. 

4 comentários:

  1. Olá Neide, adoro vir aqui e passar algum tempo lendo sobre seus relatos, as visitas que faz, as casas e pessoas que conhece, as comidas saborosas e o modo de vida simples e muitas vezes invejável dessas pessoas incríveis!Parabéns!!
    Ótima semana e sempre boas viagens!!

    ResponderExcluir
  2. Oi Neide,

    Me lembrei, a partir do seu texto, da mãe de meu pai, que era da Serra da Canastra, do outro lado da Serra e também não usava tábua para cortar. Lembro-me bem da cena de ela apoiada em um só pé, o outro ela dobrava e apoiava na canela e assim equilibrada e com o maço de couve meticulosamente dobrada e uma faquinha pequena e feia cortava as tiras mais finas que já vi até hoje. Baixíssima tecnologia e uma comida deliciosa e inesquecível!!!

    ResponderExcluir
  3. Cristina e André, obrigada!

    Anônimo, os instrumentos e as tecnologias ajudam bastante, mas às vezes não é necessário quase nada para se fazer comida boa.

    Um abraço, N

    ResponderExcluir

Obrigada por comentar. Se você não tem um blog nem um endereço gmail, dá para comentar mesmo assim: É só marcar "comentar como anônimo" logo abaixo da caixa de comentários. Mas, por favor, assine seu nome para eu saber quem você é. Se quiser uma resposta particular, escreva para meu email: neide.rigo@gmail.com. Obrigada, Neide