Óleo queimado sobre o banco, pra ninguém sentar |
Numa das manhãs desta semana, quando a previsão era de chuva no fim da tarde, fui plantar umas maria-sem-vergonhas e coleus coloridos ao redor de uma árvore que sofre com o abandono e os lixos que jogam aos seus pés. Lixos que vão de box de banheiro a pedaços de privada, passando por latas de cerveja, cacos de lâmpadas, restos de papelão de fogos de artifício estourados no reveillon passado e assim vai. Aproveitei que a prefeitura deve ter levado grande parte deste lixo e precisei amontoar apenas um pouco do que ainda restava. A terra estava dura e seca, contribuindo para um uma pequena bolha na palma desta mão sedentária. Mas hoje a bolha já é calo, não choveu, tive que voltar algumas vezes para molhar a terra e vamos ver se as plantas vingam.
Depois do trabalho, quis me sentar com a Dendê (que me esperava pacientemente) no banco sob a sombra da árvore, mas me lembrei que o próximo passo programado será levar um balde com água e sabão para lavá-lo. Podem imaginar um banco onde não se pode sentar? Pois é, voltando da praça parei para conversar com o guarda da rua (que aliás me informou que algumas pessoas foram falar com ele dizendo que havia na praça uma moça de turbante na cabeça mexendo na terra, provavelmente deixando macumba ... era eu) e comentei do banco, na nocegada de alguém que o inutilizou. Fui eu, disse ele. - Eu e um morador, pois banco serve pra mendigos, pra gente desocupada sentar, observar as casas, assaltar, é perigoso. Jogamos óleo e ácido, assim, se a pessoa sentar, vai ter a roupa e quem sabe a perna corroída. E além do mais, nenhum morador se senta ali.
Fiquei chocada, disse que eu me sentava, dei bronca brincando mas falando sério e agora ele está de acordo que tudo bem, que posso lavar o banco, que ele promete não sujar mais. Infelizmente este não é um pensamento isolado. Muita gente prefere inutilizar um bem comum a ter que conviver com as diferenças que estão por aí.
Um lugar sem praças, uma praça com grades, um coreto sem teto, um casa de muros altos, um centro de compras vigiado aonde só se chega de carro, guaritas, crachás, bancos onde não se possa sentar e tudo o mais que uma cidade pode ter de mais hostil. Será que tudo isto torna nossa cidade mais segura? Claro que não. Nem segura, nem acolhedora. É preciso ocupar os espaços públicos, mostrar a cara, ir a pé ao mercadinho da sua rua ou do seu bairro, colocar a cadeira na calçada para ler um jornal, conhecer seu vizinho, tomar um sol na praça e usar os bancos para descansar, comer seu lanche, apreciar o movimento.
Se um andarilho se senta no banco, ele está no seu direito numa sociedade democrática e andarilhos solitários podem incomodar com sua simples presença, podem ser loucos que precisam de cuidado, mas quase nunca são bandidos. Os ratos perigosos são mais espertos e não ficam por aí caindo de bêbados nem dando bobeira nas praças com saco nas costas. Eles preferem a área limpa e é muito melhor que estejamos engaiolados e indefesos em nossas casas e carros para que possam agir com segurança.
Nós somos muitos e podemos escolher como queremos viver em sociedade, a começar pelo espaço onde moramos. É muito fácil ficarmos trancados diante de uma tela de computador, vislumbrando grandes revoluções políticas, assinando petições internacionais, militando por uma causa grandiosa, mas que tal retomarmos, ou talvez começarmos daí, também aquela pequena causa ao nosso redor? Será que é uma causa muito estreita querer viver numa cidade mais segura, acolhedora e gentil, que inclui em vez de hostilizar? Podemos começar por sentar de vez em quando nos poucos bancos que a cidade oferece e pensar no assunto.
puxa, é isso aí... e é bom a gente se perguntar quem é que lucra com esse clima de terror em que vive a cidade...
ResponderExcluirInfelizmente essas coisas existem...
ResponderExcluirPlantei dois ipês aqui na calçada,dei um de presente pro vizinho da esquina.
E falei com outros vizinhos da possibilidade deles tb plantarem árvores,
obtive as mais variadas respostas:suja muto,serve pra rapaziada ficar em baixo fumando 'baseado' e falandoalto à noite,etc e tal...
mas agora que meu ipê está frondoso ,atravessam pra colocar gaiolas penduradas com pássaros,crianças vem tomar refri e papear ebaixo do ipê,jogar baralho...
Fico feliz por poder propoorcionar sombra as pessoas,beleza todos osdias,abrigo aos pássaros...mas fico triste por conviver com gente egoísta,sem visão.
Parabéns pela iniciativa,se eu morasse perto te ajudaria na lavagem do banco.
ResponderExcluiragora que você tá tocando no assunto de uma receita para que todos tenhamos o direito à cidade, sugiro ler o texto:
ResponderExcluirwww.fase.org.br/v2/admin/anexos/.../10_Lucia_Siqueira_33.doc
são cinco páginas e a última delas é uma pequena cronica do veríssimo sobre seu post de hoje.
e vamos colocar mais cadeiras nas calçadas. bj.
Vou divulgar seu post no facebook! quem sabe essa conversa não toca as pessoas endurecidas pelo medo?
ResponderExcluirBacana ver isso logo hj! Ontem participei da 1ª reunião de um movimento aqui na minha cidade, o Nossa Betim, que reune pessoas e entidades para pensar e agir por uma cidade melhor! Sua ação é grandiosa! Parabéns! è assim mesmo q mudaremos o mundo p melhor, arregaçando as mangas e trabalhando! Golaço!
Cara Neide,
ResponderExcluirSou um grande fã seu.
Te conheci ano passado, sem querer, procurando receitas na rede.
E desde então, mais do que por suas deliciosas receitas (as quais, várias, já pus e ponho em prática com grande sucesso),
te admiro por essa cabeça fantástica, que transborda de criatividade, respeito aos alimentos e aos seres humanos (não só no plano alimentar), pela maneira simples e feliz de levar e encarar a vida, pelo desprendimento com futilidades em geral, pela vontade e eficiência ao ensinar coisas tão bacanas, pelo vastíssimo conhecimento botânico que raramente vejo, nem em colegas de profissão (sou paisagista e produtor de plantas), enfim, as qualidades são muitas, não cabem aqui.
Mas, resumindo, posso dizer que tenho, constantemente, grandes lições de vida com você.
Hoje foi mais uma.
Um carinhoso abraço,
Teo
Olá, Neide!!!!
ResponderExcluirSou leitor recente do seu blog, o qual descobri pro acaso. E virei fâ! E faço dele leitura ávida e constante!!!
Mas só hoje fui impelido a comentar, antes tinha preferido me manter como um leitor anônimo e entusiasmado. Pois, hoje, seu post é um alerta. E, confesso, estou um tanto envergonhado. Sim, envergonhado em saber que também contribuo, pois pouco ou nada faço para que essa situação se modifique.
Como carioca (hj moro em Mesquita, mas morei na capital praticamente minha vida inteira!), também passo por essa situação, vendo praças e parques se transformarem em gaiolas ao ar livre, deixando espaço livre para infelizes malfeitores enquanto nós nos trancamos nas nossas celas domésticas. Eu e minha esposa amamos parques, o Jardim Botânico daqui é MARAVILHOSO (O Ibirapuera também é, vamos de tempos em tempos a SP, pois minha esposa faz um tratamento médico aí!), mas preferimos pensar sempre no lado ruim, egoísta, preconceituoso, discriminador. E nos trancamos cada dia mais em celas, nas ruas e em casa.
Seu post foi um tapa na cara. Daqueles acompanhados de um "acorda!!!"...
Parabéns pelo seu blog, Neide! Um grande abraço!
Neide, sobre o episodio do banco me lembrei das "rampas anti mendigo" que a prefeitura anterior fez questão de conservar é lamentável!
ResponderExcluirbjs.
sonia lopes
Very cool post Neide!
ResponderExcluirMudança acontece ao nível pessoal mesmo. Como é que eu posso contribuir para fazer do mundo um lugar melhor? Muito bela a vossa atitude.
Você fala sobre uma coisa bonita que muitos não sabem o que é e nem sequer exercê-la: o direito à cidadania
H
Dona Neidoca, vamos fazer um mutirão e arrumar a praça essa do banco sujo, depois podemos fazer um chá da tarde pra comemorar a faxina. Vamos lá com baldes, escovas e sabão, aproveitamos e recolhemos o lixo, plantamos bastante maria-sem-vergonha e cará-moela. Só me avisar que lá vou eu com as minhas armas. Beijo. Chus
ResponderExcluirAh...Neide, vc é uma pessoa linda, viu!
ResponderExcluirÉ isso aí, boca no trombone e mão na massa, quem sabe as pessoas não aprendem a arregaçar as mangas e param de reclamar...a sociedade que queremos somos nós que fazemos! E não nos esqueçamos do poder público que deixa de fazer a sua parte, cuidando daquilo que são pagos para fazerem.
O mundo pode ser um lugar muito melhor se cada um fizer a sua parte, não esquecendo que nossas ações impactam outros seres.
Beijocas, linda!
Jane
Bravo, Neide! Que belo texto!
ResponderExcluirUm beijo,
Fernanda Scagliusi.
oi Neide,
ResponderExcluiracho que seus leitores e amigos já escreveram as melhores palavras que eu não conseguiria descrever. Tocante. Sua iniciativa é raríssima nos dias de hoje, doar só o seu tempo, quantos fariam isso?
Moro no interior do Japão, e aqui nós, moradores do bairro, por grupos fazemos revezamento da limpeza, tanto dos arredores, praças e até da escola que nossos filhos estudam. Fazemos capinagem, os homens o serviço mais pesado, como poda de árvores, etc. Nas escolas não há pessoal da limpeza, como vc deve saber, os alunos é que fazem tudo, e a limpeza mais pesada, os pais tem o compromisso numa manhã de final de semana, dividido por grupos, cada um levando material para limpeza e capinagem. Tá certo, muitos dizem que aqui é outra cultura e mentalidade, mas é questão de se organizar, doamos nosso tempo pra nosso bairro, nossa cidade, pras escolas dos nossos filhos e assim por diante.
abraço carinhoso.
madoka
Neide,
ResponderExcluirVocê falou tudo!!!
Parabéns pela iniciativa!
Sou sua fã, leio seu blog e sempre aprendo muito contigo.
Muito obrigada.
É muito triste ver pessoas nesta cidade que só trocam a prisão de suas casas cheias de grades pela prisão de seus automóveis.
ResponderExcluiro link pro texto da lucia saiu corrompido. segue outra vez:
ResponderExcluirhttp://www.fase.org.br/v2/admin/anexos/acervo/10_Lucia_Siqueira_33.doc
acho que agora vai...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirRemovi a postagem porque podiam entender mal a minha brincadeira! eu li o seu segundo post primeiro e falei tudo o que você disse nesse! Então, pronto. Macumbeira.. e se fosse? não faz parte?
ResponderExcluirAliás, quando no Rio, à noite, sozinha, eu levava uma vela na bolsa. Se eu achasse que estava sendo seguida, me abaixava em um encruzilhada e acendia a vela. è uma das poucas coisas que brasileiro respeita.
Neidoca, é por isso que te amo de paixão. Se pelo menos 1/3 das pessoas pensasse assim, o mundo seria um lugar muitissimo mais agradavel de se viver. A propósito, como as pessoas tem preconceito com mendigos né? Esquecem que por baixo daquelas roupas rasgadas e daquele corpo sujo existe um ser humano como outro qualquer, com necessidades e sentimentos.
ResponderExcluirBjs
Ops, comentei anonimo sem querer.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOi! Ótimo post, assunto mais do que necessário para se pensar!
ResponderExcluirVeronika, acho que a URL é muito comprida pra sair aqui no comentário. Eu consegui acessar o texto, mas foi fuçando :)
Tentei colocar como tinyurl, se alguém quiser acessar: http://tinyurl.com/3pkz9kj
Lembrando que vai cair direto em um arquivo .doc
Bjs
Leticia
Nossa quando fica sabendo dessas coisas fico desanimada.... Aqui ao lado da minha casa cortaram as plantas de uma praça porque os adolescentes usavam a sombra para namorar. Você acredita??? É essa gente que depois cobra ética e moral dos outros...
ResponderExcluirSP é uma anti-cidade, onde o convívio é uma droga. Existe uma cultura higienista onde a rua não é uma espaço social, apenas área de passagem. Daí que a cidade praticamente não tem comida de rua, morador de rua é apenas um incômodo a ser evitado no dia-a-dia. Aliás, tudo que venha com a palavra "rua" deve ser evitado nesse anti-lugar.
ResponderExcluirFelizmente, existe pessoas que querem tornar as ruas mais humanas: pessoas que plantam, que andam pelas ruas, que pedalam, que querem transformar a rua em espaço de convívio.
Neide, aqui no Rio, eles colocam umas divisórias de ferro nos bancos para que "os mendigos" não se deitem. Acho o fim da picada, mas o banco com óleo ainda é mais bizarro, pois não se pode nem sentar.
ResponderExcluirAcho horrível isso. Nunca mais pude deitar de comprido nos bancos...triste,,,muito triste....
Neide, falou tudo tao bem. Tambem vou publicar esse seu post na minha pagina do Facebook. Se um ou outro comecar a tomar mais conta dos banquinhos de suas pracas talvez possamos um dia ver as pracinhas cheias dos senhores jogando xadrez, as mulheres e os jovens jogando conversa fora, os casais passeando a tardinha, e no final de semana e as criancas tomando sorvete e brincando de carrinho de rolima. Eh sonhar demais? A praca que eu cresci era assim como eu descrevi, e infelizmente hoje estah la solitaria rodeada de seus bancos e seus jardins mas sem as pessoas pra dar vida. "A mesma praca, o mesmo banco, as mesmas flores, os mesmos jardins. Tudo eh igual, mas estou triste porque nao tenho voce perto de mim (Carlos Imperial, 1967). Bjao
ResponderExcluirSomos tão hipócritas! De um lado estamos torcendo o nariz, claramente incomodados pelas presenças suja e fedida dos moradores de rua, e quando alguém resolve dar um banho, não no mendigo, mas em nossos enlameados olhos, eis que todos de uma hora a outra enxergam o que quis mostrar com o seu post.
ResponderExcluirVamos todos aplaudindo sua atitude e quando nos viramos, começamos tudo de novo. Criticamos a cidade, os políticos, o sistema, mas ninguém faz a sua parte como cidadão e gente. E vamos aplaudindo quem faz, mas só quando esta pessoa consegue evidência em alguma coisa, alguém talentosa como você.
Ninguém planta para não comer, nem sabemos mais cumprimentar os outros, estamos assim, largados da gente, criticando e não fazendo nada. Aprendemos a escrever e a falar, usamos blogs e sites de relacionamentos para mentir sobre o que somos e assim vamos aos enganos.
Antes que me esqueça, parabéns pelo maravilhoso post, eu não planto em praça, não enxergava os mendigos desta forma, não limpo propriedade pública e não ensino nada pela internet...
O legal não é dizer que somos bons, melhor é assumir que temos falhas e desta forma ter por onde começar a mudar. Obrigada!
Beijo de sua fã sincera!
"os ratos perigosos" ficou bem feio dando sequência ao que deu. Parece que o adjetivo serve para comparaçao com os "ratos não perigosos"
ResponderExcluirademais, é sempre bom ver gente se lembrando que tem um corpo e vive em um mundo.
SP é uma cidade desumanizada. por isso há dez anos tive coragem de sair daí e vir morar no extremo ocidente do Brasil. Na fronteira se é mais gente do que aí, memso com todas as dificuldades. Mas muito mais corajosa do que eu é vc, que ainda luta como uma formiguinha tentando sensibilizar o insensível; boa sorte e que Deus te proteja e ilumine.
ResponderExcluirTerra,
ResponderExcluiré um trabalho de formiga mesmo, porque já sujaram novamente o banco que havia lavado. Mas como formiga não desisto. Um abraço, N (vou pro Acre em julho!)
Neide,
ResponderExcluirComecei lendo o post sobre acrelândia e desde então sempre venho aqui me deliciar com suas sugestões! Adoro todas elas, especialmente, as que se propõem alternativas aos produtos industrializados. Acho o ensino das técnicas fantástico para isso.
Mas, hoje, decidi escrever porque ao retomar a leitura de algum post acabei chegando aqui, no banco da praça.
A transcrição da fala do guarda, reproduzindo o questionamento dos outros moradores: uma moça de turbante, mexendo na terra, deve ser macumbeira! Indignou-me! A atitude de sujar o banco com ácido e óleo, deu-me vontade de ir aí, reclamar pessoalmente.
Um beijo grande e muita energia na sua caminhada!
PS: Hoje li também o post "Quem quer Kefir?" e ri muito imaginando a quantodade infindável de pessoas que bateram na sua porta, com ares de "mercado livre", exigindo a remessa de kefir. Fiquei lendo os comentários e imaginando em que momento você percebeu que seria inviável destribuir kefir pela internet e depois de respondê-los...
Outro beijo.
Rita,
ResponderExcluirseja bem-vinda, sente-se no banco, fique por aqui. Obrigada, um abraço, N