Na semana passada fui novamente almoçar no Lá na Venda, depois de uma reunião com a Nina. Já não era tão cedo e a comida chegou fresquíssima e quente, bem quente como eu gosto. Desta vez pedi um camarão com chuchu e o prato era delicado, os dois ingredientes com ponto de cozimento perfeito. A Nina não conhecia e quase levou a venda toda pra casa. O bom é poder voltar lá várias vezes e comprar uma coisinha de cada vez, porque a vontade mesmo é de levar a loja toda pra casa. Até peteca você encontra lá, para ter uma ideia. Eu não resisti quando vi a cesta de piquenique, nada europeia, estilo caipira mesmo, com modelo criado pela própria Heloisa que pediu para o artesão adaptar uma tampa com dobradiça ao tipo de cesta de roça que a gente já conhece. E comprei também bacia e mais canequinhas de ágata coloridas para tomar café. Tudo a ser estreado no próximo piquenique perto de casa. Mas, vamos ao texto da Nina, que está lindo como sempre e retrata bem o que é a venda. São Paulo, quinta-feira, 20 de maio de 2010 - Folha de São Paulo - Caderno Ilustrada NINA HORTA
Uma venda de tudo
Impulsivo nas compras? Não vá ao Lá da Venda. Não vá. Tudo o que você viu naquela cidadezinha de interior está lá CONHECI HELOÍSA Bacellar há um bom tempo. Fui à casa dela para um concurso de receitas de fim de ano, nos divertimos à grande na sua cozinha maravilhosa, cheia de todos os badulaques próprios ao métier de cozinheira, advogada, professora de culinária, escritora de livros de cozinha e artesã.
Um azougue, a criatura.
Um dia eu soube que abrira uma venda. Os muito moços, mocíssimos, não sabem o que é uma venda.
"Vai lá na venda, menina, e compra uma lata de óleo na caderneta!"
"Mãe, ganhei uma moeda, posso ir na venda comprar bala de goma e marcar na caderneta?"
Uma empregada levava meu irmão no carrinho e eu de mãos dadas para o parque Trianon. Na volta, passava na venda do seu Manuel e pedia cachaça.
Deixava cair no chão uns pingos para o santo, perguntava se eu queria experimentar e glupt, com um movimento rápido da cabeça para trás, entornava o copinho.
Entenderam o que é uma venda?
Um espaço onde se vende de secos e molhados a brinquedinhos para crianças, bonecas de pano, agulhas, dedais, picolés e pés de moleque. De tudo um pouco, conforme a cabeça do dono, geralmente português.
Na venda do seu Salvador, tinha saco de arroz, em que a gente enfiava a mão até o fundo e sentia um friozinho, bacalhau dependurado na porta e aquelas garrafinhas de chocolate embrulhadas em papel brilhante e colorido com licor dentro.
Pois, então, a Heloísa abriu sua própria venda. Restaurante-venda.
Cheguei lá com fome, ah, não é venda, nada, é estilizada, clara, luminosa, passei reto por um balcão de doces e salgados. Vi bolos e uns sonhos gordos e recheados de creme amarelinho.
O restaurante é o pequeno quintal da casa. Nos muros, dependuradas, latas de óleo, principalmente, com plantinhas caipiras.
Nunca se pode falar da comida se se vai ao lugar uma vez só, mas isso é regra para crítico de comida, que eu não sou. E, além disso, acho que vou comer lá todo dia, porque é comida caseira e gostosa e perto da minha casa. E, principalmente, é quente.
Num dia gelado, a comida estava quente, pelando, queimando a língua. Como não me acontece há muito tempo de queimar a língua com comida quente, fiquei encantada.
Pedi uma carne ensopada, macia, com um bom caldo grosso, que veio acompanhada de arroz, uma salada vistosa e umas tiras de batata-doce.
Finíssimas, fritas. Huuum, delícia.
Almocei bem, minha amiga comeu camarão com chuchu e teríamos mais umas três opções, mais ou menos, na mesma linha.
Mas todo o juízo que você exerceu na escolha do prato voa pela janela quando você volta pelo caminho da venda. Impulsivo nas compras? Não vá ao Lá da Venda. Não vá.
Tudo o que você viu naquela cidadezinha de interior onde passava as férias está lá. Tudo.
Comprei agulhas de fundo largo, xicarazinhas de café de ágata. Bule de café branco, caipira, frigideiras de ferro, bolas de gude, cumbucas, echarpe de pescoço, pó de arroz Lady, goiabada cascão de gavetinha, balas de coco com coco fresco.
Minha amiga saiu com uma cesta de piquenique de palha com dobradiças para abrir ora de um lado, ora de outro. Panos de prato, toalhas bordadas em ponto de haste e uma chaleira de desenho bonito.
Deixei por lá vasos de vidro, lindíssimos, bons para dar de casamento a quem entende-vidro pode ser tão bonito quanto cristal- e alguns livrinhos de cordel. E essência de baunilha orgânica e cheirosa, doces de pêssego em calda.
Pedi farinha e não tinha. (Confundi tudo, achei que estava no seu Salvador.) Mas a moça que me atendia foi delicada. "Ainda não temos", disse ela, frisando o "ainda".
Como se fosse uma grande ideia a se pensar...
ninahorta@uol.com.br
Uma venda de tudo
Impulsivo nas compras? Não vá ao Lá da Venda. Não vá. Tudo o que você viu naquela cidadezinha de interior está lá CONHECI HELOÍSA Bacellar há um bom tempo. Fui à casa dela para um concurso de receitas de fim de ano, nos divertimos à grande na sua cozinha maravilhosa, cheia de todos os badulaques próprios ao métier de cozinheira, advogada, professora de culinária, escritora de livros de cozinha e artesã.
Um azougue, a criatura.
Um dia eu soube que abrira uma venda. Os muito moços, mocíssimos, não sabem o que é uma venda.
"Vai lá na venda, menina, e compra uma lata de óleo na caderneta!"
"Mãe, ganhei uma moeda, posso ir na venda comprar bala de goma e marcar na caderneta?"
Uma empregada levava meu irmão no carrinho e eu de mãos dadas para o parque Trianon. Na volta, passava na venda do seu Manuel e pedia cachaça.
Deixava cair no chão uns pingos para o santo, perguntava se eu queria experimentar e glupt, com um movimento rápido da cabeça para trás, entornava o copinho.
Entenderam o que é uma venda?
Um espaço onde se vende de secos e molhados a brinquedinhos para crianças, bonecas de pano, agulhas, dedais, picolés e pés de moleque. De tudo um pouco, conforme a cabeça do dono, geralmente português.
Na venda do seu Salvador, tinha saco de arroz, em que a gente enfiava a mão até o fundo e sentia um friozinho, bacalhau dependurado na porta e aquelas garrafinhas de chocolate embrulhadas em papel brilhante e colorido com licor dentro.
Pois, então, a Heloísa abriu sua própria venda. Restaurante-venda.
Cheguei lá com fome, ah, não é venda, nada, é estilizada, clara, luminosa, passei reto por um balcão de doces e salgados. Vi bolos e uns sonhos gordos e recheados de creme amarelinho.
O restaurante é o pequeno quintal da casa. Nos muros, dependuradas, latas de óleo, principalmente, com plantinhas caipiras.
Nunca se pode falar da comida se se vai ao lugar uma vez só, mas isso é regra para crítico de comida, que eu não sou. E, além disso, acho que vou comer lá todo dia, porque é comida caseira e gostosa e perto da minha casa. E, principalmente, é quente.
Num dia gelado, a comida estava quente, pelando, queimando a língua. Como não me acontece há muito tempo de queimar a língua com comida quente, fiquei encantada.
Pedi uma carne ensopada, macia, com um bom caldo grosso, que veio acompanhada de arroz, uma salada vistosa e umas tiras de batata-doce.
Finíssimas, fritas. Huuum, delícia.
Almocei bem, minha amiga comeu camarão com chuchu e teríamos mais umas três opções, mais ou menos, na mesma linha.
Mas todo o juízo que você exerceu na escolha do prato voa pela janela quando você volta pelo caminho da venda. Impulsivo nas compras? Não vá ao Lá da Venda. Não vá.
Tudo o que você viu naquela cidadezinha de interior onde passava as férias está lá. Tudo.
Comprei agulhas de fundo largo, xicarazinhas de café de ágata. Bule de café branco, caipira, frigideiras de ferro, bolas de gude, cumbucas, echarpe de pescoço, pó de arroz Lady, goiabada cascão de gavetinha, balas de coco com coco fresco.
Minha amiga saiu com uma cesta de piquenique de palha com dobradiças para abrir ora de um lado, ora de outro. Panos de prato, toalhas bordadas em ponto de haste e uma chaleira de desenho bonito.
Deixei por lá vasos de vidro, lindíssimos, bons para dar de casamento a quem entende-vidro pode ser tão bonito quanto cristal- e alguns livrinhos de cordel. E essência de baunilha orgânica e cheirosa, doces de pêssego em calda.
Pedi farinha e não tinha. (Confundi tudo, achei que estava no seu Salvador.) Mas a moça que me atendia foi delicada. "Ainda não temos", disse ela, frisando o "ainda".
Como se fosse uma grande ideia a se pensar...
ninahorta@uol.com.br
Que lugar delícia, segunda vez que me dá água na boca!
ResponderExcluirAinda conheço algumas vendas "verdadeiras", no bairro do Gomeral e também na cidade de Cunha.
E outra, quase tão charmosa como essa do seu post, que preserva a tradição e vende delícias "da roça":
http://www.tudodaroca.com.br
Beijo
Nina, obrigada pelo link da venda. Fiquei de olho gordo num sanduichão que aparece numa das fotos lá.
ResponderExcluirbeijos, N
Neide,adorei te ver no Paladar em duelo com a Lourdes!!! Vou me aventurar nas tortillas no final de semana!!!
ResponderExcluirum bj
Neide,que coisa mais linda este texto da Nina Horta,dá para visualizar cada item que ela fala ali,e mais vontade ainda de ir lá comprar.Lindo texto.
ResponderExcluirOi Neide,
ResponderExcluirRealmente o texto é uma delicia. Visitar essa venda ja é mais uma razao para ir a Sampa, quando der.
O "lance" do kefir, ja esta' resolvido.
Voce sabe se nessa venda eles mandam coisas pelo correio. Pensei em fazer uma surpresa à minha mae, quando li no texto uma referencia ao po de arroz Lady. Ela sempre se lembra desse produto e acho que nem ela sabe que ainda existe.
Um beijo
Gaby
Neide, querida! quando chego à capital corro pra ver o come-se e aprender com essas delícias. Mas uma coisa tem me preocupado... a inveja! hahaha inveja boa, sem maldade, mas inveja sim (os hipócritas tem medo de admitir)de estar ai fazendo esses passeios, vivendo estas experiencias, convivendo com essas pessoas e, o melhor! ao seu lado, aprendendo muuuiiito... já sei que quando tiver oportunidade de ir a São Paulo uma semana será apertada pra conhecer tudo! beijinhos, de coração
ResponderExcluirMariana, que duelo que nada. Foi uma troca boa. Espero que tenha dado certo.
ResponderExcluirMariângela, quando vier aqui, te levo lá.
Gaby, ainda estou esperando a resposta. Nos falamos por email.
Adriana, até parece. Eu é que tenho mais inveja de você. Só pra comer mangaba e pitu. Venha logo pra São Paulo e a gente se diverte por aí.
Um abraço, N