Hoje, enquanto olhava pela janela do avião e via nossa terra recortada em desenhos obtusos, pensava no quão danosa é esta agricultura praticada na maior parte do país. Paisagem monótona, terra em ferida aberta e, quando coberta de verde, sabe-se mais ou menos com o quê: soja, milho, soja, cana, comodites. Mata ciliar, cadê? No lugar dela, rios despudorados à força. Casa de agricultor, onde? No imenso tapete verde ou depilado, tratores trabalham mais e o grande produtor está lá bem longe com o controle remoto. E a comida que comemos? Pasme, a maior parte vem da agricultura familiar.
Mas aí é hora da chegada ao hotel onde os convidados do Terra Madre estão hospedados. Pedro me encontra e diz que trouxe um pouquinho de araruta; Josenaide não esqueceu do licuri; Jussara vai mandar por mim umbu para Mara Salles; Evanilda diz que é pra eu levar embora os jaracatiás que trouxe para a candidatura na Arca e assim passamos alegres pela longa fila de check-in do hotel, sem pressa. A passos lentos. Os arranjos para o quarto para três foram feitos na hora, de modo que dona Jerônima, do Marajó, e eu ficamos juntas com a Helén, do Sul da Bahia, que conhecemos na fila.
No quarto, Helin, do Projeto Onça, foi primeiro me mostrando o quiçare - um enorme inhame (Dioscórea) que deve pesar uns três quilos, tem umas protuberâncias na superfície, textura diferente do comum e lá na sua cidade (Taperoá - BA), é preparado com coco - cozido, ralado e misturado com coco. Prometeu fazer amanhã na casa de um amigo e trazer para eu experimentar. Já a Dona Jerônima trouxe uma geladeirinha com delícias do Marajó, todas minhas: farinha de mandioca amarela, queijo de leite de búfala, polpinha de bacuri que dona Isabel, a mãe de 92 anos, tirou na tesoura. E polpa de taberebá da fazenda, farinha de tapioca e folhas de cipó de alho da horta.
Daí me ponho a pensar que há outras paisagens por aí além daqueles recortes monótonos que vi do alto, outras formas de cultivo além das monoculturas envenenadas, formas diversas de enxergar o alimento além das embalagens e outros prazeres além do consumismo exagerado.
Há outras formas de se conseguir comida além dos grandes supermercados; outras bebidas além da coca-cola; outros feijões além do carioquinha; outras verduras além da alface; outros amidos além da maisena; outras raízes e tubérculos além das batatas, outros peixes além do salmão, linguado e robalo; outras gorduras além do óleo de soja; outras frutas além do morango; doces além do bolo de caixinha, outras formas de cozinhar além do aquecer no microondas e outros aromas além dos cubos. E claro, muitos outros.
São estes e muitos outros que se encontram representados aqui neste Terra Madre. E mais ou menos sobre estes assuntos que vamos discutir aqui com chefs, produtores, acadêmicos e consumidores. Se conseguir, vou tentar ir contanto um pouco do que tem acontecido por aqui. Ou pelo menos tento mostrar fotos.
O quiçare/ quissare, trazido pela Helén, companheira de quarto
Queijo de leite de búfala de Soure, Ilha do Marajó, presente da dona Jerônima
Bacuri, parente do mangostão, também presente da Ilha do Marajó
O jaracatiá ,de São Pedro-SP, esteve hoje novamente na mesa da Comissão da Arca do Gosto, da qual faço parte. Delicioso!
Polpa de taperebá e de bacuri (este, tirado com tesoura como o cupuaçu)
Farinha de Soure, Ilha do Marajó. Mais presente
Folhas de cipó de alho, que nunca são demais. Também do Marajó!
oi Neide, que bom que você ja mandou as noticias do DF. continue nos mostrando tudo estou empolgada pareçe até que estou ai.obrigada, beijos. até(Diu)
ResponderExcluirNeide
ResponderExcluirConte, conte!
Ah, como eu queria estar aí...
Um abraço
Manuela S.
Que bom que encontrei alguém postando daí. Belo texto. Obrigada.
ResponderExcluirai Neide,que máximo! Aproveita bastante por aí e depois conta tudo para aprendermos junto contigo,beijão!!
ResponderExcluirUma bela iniciativa esta, mm sendo ligada à uma coisa que é atavica para a espècie humana.
ResponderExcluirE concordo com vc: uma tristeza olhar o que se faz contra a flora e a fauna nativa, por ai afora...
E vou acompanhar com interesse as suas peripécias por la!
Bjs!
Oi Neide
ResponderExcluirTô acompamhando tudo pelo seu olhar, conte mais, mande noticias do Brasil que poucos conhecem e como diz o Gilberto Gil " Mistério sempre há de pintar por aí!
Afro beijo
Conceição
Como gosto das tuas descrições, mesmo desconhecendo alguns nomes de frutos ou plantas! Bem Hajas, Neide, por estes retratos vivos que nos mostras, pela TERRA MADRE que divulgas. Um abraço da Bombom
ResponderExcluirNeide:
ResponderExcluirVcs em São Paulo, estão tão pertinho de São Pedro (onde tem o jaracatiá). Lá é tão bonitinho,pequeno, não acredito que nunca tenham ido. Ah, e pertinho de Torrinha e Brotas. Inclusive tem uma estrada de terra com uma serra de paisagem linda que liga as cidades.
Um beijo.
Oi, Ana!
ResponderExcluirEu já fui pra São Pedro, sim. É uma cidade linda. Jaracatiá tem também lá em Fartura, mas quase nada. Em São Pedro ainda há esperança. Minha avó nasceu em Torrinhas, mas não conheço.
Beijos, N
Oi Neide, tenho acompanhado seu blog e lambido os beiços, já entrei em contato com a Marisa e assim que voltar de viagem vou comprar o alho negro, achei o licuri outro dia no mercado da cantareira, vou fazer o bolo de banana que faço com farinha de nozes com farinha de licuri, depois conto se ficou bom, meu nome é lucia e sou cozinheira e semana que vem com muito orgulho estarei em Paris fazendo comida brasileira!
ResponderExcluirLúcia, tenho certeza que seu bolo vai ficar muito bom. E boa sorte lá em Paris (que orgulho, hem?).
ResponderExcluirbeijos, N
Neide:
ResponderExcluirVoltei a esta publicação para te contar uma coisa: Fomos no último feriado pra Brotas e quando fui comprar o requeijão da Dona Emília, ela me ofereceu geléia de jaracatiá. Fiquei surpresa, pois embora do mato, eu fui apresentada a fruta aqui no come-se. Claro que comprei e tratei de especular, pois prosa é mesmo com a Dona Emília. Ela então contou que comprou 18 kg da fruta de uma mulher de um sítio de Torrinha. E aqui vc diz que são de São Pedro, portanto logo concluí que a região deve estar cheia de pés de jaracatiás.
Ah e o doce realmente é muito bom e diferente. Comi com requeijão e ficou ótimo.
Ana, que sorte a sua. Torrinha é onde minha avó nasceu. O jaracatiá está voltando a aparecer - assim espero.
ResponderExcluirUm beijo, N