quarta-feira, 31 de março de 2010

Agnolotti in brodo alla nonna di Carlo Petrini. Per me.

A conversa de vocês é de fato muito interessante [...] especialmente, queridas, porque depois de escutá-la nesta tarde percebo que, desde que me casei, há mais de cinquenta anos, tenho vivido sempre com um orçamento de guerra sem me dar conta! Não sabia que usar o senso comum na cozinha era moda apenas nas emergências. Dito pela avó da escritora MFK Fisher, relatado no seu livro "Como Cozinhar um Lobo".
Nesta passagem do fundador do Slow Food, Carlo Petrini, pelo Brasil, em dois momentos que pude ouvi-lo, no Terra Madre e no Entre Estantes e Panelas, sua fala foi recheada com duas memórias afetivas ligadas à comida da avó.
Contra o desperdício e a favor da sabedoria no uso de recursos, citou a ribollita e os agnolotti da nonna. O primeiro é uma minestra de legumes com pão, que no outro dia, requentada e mexida, ganha este outro nome - ribollita é como refervida, e características totalmente diversas. Já os agnolotti (que mudam de nome conforte a região da Itália ou o recheio), são massinhas recheadas que podem levar molho ou ser servidas com caldo. E o recheio é o que escolher para estar ali, desde que tenha textura de recheio e bom sabor.
Não sei se a Nonna di Petrini fazia assim ou assado, o que sei é que a mulher esperta agia na cozinha com a mesma sabedoria de tantas de nossas mães e avós, não desperdiçando nadinha que fosse comestível. Pegava o que havia sobrado nos últimos dias, picava tudo com a meia lua até virar uma mistura uniforme e bem temperada, fazia a massinha, cozinhava e servia certamente com um molho cheirando a ervas frescas da horta. Ou quem sabe servia com um brodo aromático feito com ossos e aparas de legumes. Gostosa de um tanto, a ponto de o neto se lembrar dela até hoje e brilhar os olhos quando fala.
É claro que ouvi com atenção tudo o que ele disse a respeito da comida boa, limpa e justa e da importância da valorização dos pequenos produtores de alimentos, entre outras coisas, mas fiquei meio impregnada com a curiosidade de fazer uma massinha com recheio de sobras. No fim de semana, coloquei o desejo em prática.

Para o recheio,
tirei do freezer um pedaço de coxa e sobrecoxa de frango assado e fui juntando o que tinha na geladeira: um punhadinho de salsa já amarelando, talo e tudo, uma tira de pimentão vermelho e um pedaço de queijo duro. Ainda não seria suficiente, então fui ao quintal e peguei uma pimentinha das ardidas, umas folhas de capiçoba, outras de alfavacão e alguns brotinhos de ora-pro-nobis. Piquei tudo na faca até ficar uniforme, temperei com sal e estava pronto. Coloquei no saco de confeitar para ficar mais fácil rechear, mas não precisava. Era só ir tirando pequenas porções com duas colheres de café. Podia ter picado tudo no processador, mas esta tarefa é uma das que mais gosto na cozinha - a de picar até reduzir tudo numa só coisa. Bem, a massa já estava pronta e decansando (por cerca de 15 minutos).

Para fazer a massa
, coloquei no processador 2 xícaras de farinha, juntei uma pitada de sal e despejei aos poucos, com o aparelho já ligado, 2 ovos grandes misturados. Precisei juntar ainda umas 2 ou 3 colheres de sopa de água, até formar uma farofa úmida, que pode ser juntada com as mãos depois de tirar do processador. Se continuar batendo, a massa vai se juntar sozinha e já formar uma bola dentro do copo do aparelho e tudo bem também. E você pode ainda fazer todo o processo na mão, como nossas avós faziam (coloca a farinha numa bacia, faz uma cova no meio, despeja aí os ovos batidos e amassa até formar uma bola). Embrulhei a massa em saco plástico e fiz o recheio acima. Ah, já ia me esquecendo: aproveitei que minhas capuchinhas estavam laranjas de alegria no quintal e botei umas quatro na massa enquanto batia no processador. E umas folhinhas de alfavacão também.
Para rechear, abri a massa no cilindro até ficar bem uniforme e fina, com cerca de 2 milímetros de espessura. Marquei com o cortador redondo (na foto), deixando espaço, e coloquei no meio das marcas o recheio. Pincelei com água em volta da marca, cobri com outro pedaço de massa, cortei e fui deixando as massinhas apoiadas sobre um pano enfarinhado.


Na última hora, quando ainda não sabia se serviria com molho ou caldo, me lembrei de um litro de caldo de galinha que tinha congelado e foi mais fácil do que havia imaginado, pois coloquei o bloco congelado mesmo sobre a panela que foi ao fogo alto e num instantinho já estava descongelado e ainda bem cheiroso. Foi só então jogar ali os agnolotti e cozinhá-los por 4 minutos.
Na hora de servir, ainda juntei ao caldo umas tirinhas de almeirão roxo do mato, que tenho no quintal. Só pra fazer uma graça e colorir o prato. Para completar, triturei sobre o prato um pouco de pimenta-do-reino. Foi nosso almoço de sábado. E ficou tão bom que acho que daqui pra frente meus recheios serão sempre assim, com todas as variações que as sobras da semana puderem oferecer. Experimente você também.
Tributo a tutte le nonne. E nhac!

11 comentários:

  1. A cara esta' otima...nhammm
    Sobre avos, sabe que o Errico aprendeu a cozinhar, e mais, a amar a cozinha, com a sua avo'?
    Agradeço todos os dias à essa avozinha dele que, de forma indireta, me faz saborer delicias.
    Um beijo ainda do Rio
    Gaby

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  2. ai Neide,ver uma cozinheira craque como você em ação dá mesmo gosto,deve ter ficado simplesmente maravilhoso,Marcos e Ananda,dois sortudos!!!Beijo!

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  3. Oi vim aqui te dizer que passei uma tarde maravilhosa em sua companhia.A alguns dias meu pai chegou com umas frutinha que não tinha certeza do que era. Ele dizia que era gramichama minha mãe discordava, eu vim pro google e achei vc. A fruta não se parece em nada com a dita cuja. mais ainda vou descibrir o que e´. Hoje com não tinha nada especial pra fazer aqui no escritorio resolvi navegar no seu blog. Meu deus, mulher quanta coisa legal. Um beijão.

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  4. Neide! Que saudade deste prato! Minha avó fazia para mim o que eu chamava de "anholim", quando criança! Sou descendente de italianos e japoneses, então minhas melhores memórias ligadas às minhas avós vem da comida! Quando minha avó fazia o tal "anholim", sentávamos as duas à mesa, eu enchia meu prato de queijo ralado na hora, e ela colocava vinho no seu! Boas lembranças...

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  5. Gaby, que sorte a sua, hem? De que região da Itália era a avó do Errico?

    Mari, desta vez foi só o Marcos, pois a Ananda não estava. Comemos tudo sozinhos.

    Eliane, você não tem foto da frutinha? Se tiver, me mande. Quem sabe... Obrigada pelas palavras elogiosas. Volte sempre.

    Aline, gostei do anholim. Para anholine é um passo, hem? Ah, o queijo ralado!

    Um abraço,
    N

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  6. Neide, tô até meio envergonhada de escrever isso aqui, mas preciso, sou sua fã. Falo pro meu marido que quero ser que nem você quando crescer, meu Deus seria maravilhoso passar uma tarde cozinhando, conversando e aprendendo! heheheh

    Desculpa pelo ataque de fanatismo, mas eu te admiro muito mesmo!

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  7. A avo do dele era de Napoli. Mas acho que qualquer que fosse a regiao da Italia eu estaria bem servida, pois em todas elas encontramos delicias.
    Gaby

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  8. neide, quando voce escreve "abrir a massa com cilindro" é com um rolo de massa ou numa daquelas máquinas de dois cilindros que se usa para fazer macarrão (e como todos podem constatar, eu não sei o nome...)?
    acabei de jantar um caldo de galinha e estou com água na boca pensando nestas suas massinhas...
    bj. v.

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  9. Cara Neide, seu blog tem sido uma das coisas que tem me dado mais satifação atualmente, tanto que me animei a utilizar minhas floreiras para ervas e verduras, por enquanto tem alecrim, boldo, hortelã-pimenta, manjericão, alfavaca.. plantei umas mudas do nosso querido jambú que trouxe do Pará, mas não sei se vai vingar.. tb resolvi fazer um para colocar minhas brincadeiras na cozinha, que são bastante simplórias, mas me fazem muito bem. POr enquanto, só tenho o nome, vai ser Pêra com Mirtillo, ou similar, gosto da combinação dos sabores, e principalmente cores, qdo montar um bloco de carnaval já sei que cores vou escolher...

    Parabéns, bjs, Daniel.

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  10. Ai, Neide, que delícia! Mas essa coisa de cozinhar com as sobras é p/ quem tem mãos abençoadas como as suas! (ou as da minha nonna, também tinha :-)

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  11. Ah, mas em casa eu sou craque em fazer esses "juntatudo" de restinhos na geladeira.
    E no final, dá tudo certo e ninguém entende nada. Adoro. Esse brodo aí e essa massa lembraram muito minha vó que tomou sopa com vinho a vida inteira no jantar e macarronada todo domingo, religiosamente.

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