Pensei que fossem tomates, mas eram berinjelas vermelhas
Como já disse aqui, fui junto com a Roberta de Sá, presidente da Comissão da Arca do Gosto – Slow Food, da qual faço parte, para um encontro que reuniu representantes de 24 países em Florença (mais especificamente Scandicci, a 9 quilômetros de lá) para discutir sobre regulamento e critérios para que um alimento possa embarcar. Segundo o presidente da Fundação Slow Food para Biodiversidade, Piero Sardo, estamos num dos momentos mais difíceis para a proteção da biodiversidade na história, já que, com o alarme público para o aumento dos preços dos alimentos, os governos têm se empenhado unicamente em aumentar a produção.
Bem, para quem não sabe, a Arca do Gosto tem a função de redescobrir, catalogar e descrever alimentos em risco de desaparecer. São produtos ameaçados pela padronização industrial, pelas rigorosas leis de higiene, pelo mercado de massa, mas que têm real viabilidade econômica e comercial. Porém, não é só isto. Além de estarem de acordo com a filosofia do Slow Food do bom, justo e limpo, eles têm que ter uma relação histórica, cultural e territorial com determinada comunidade. Com isto, nem todos os alimentos que imaginamos poder entrar na Arca se encaixam nestes critérios. É o caso do mangarito, por exemplo. O Seu João Lino reintroduziu o cultivo comercial de uma cultura perdida, aqui perto de São Paulo, mas que não têm mais nenhuma relação histórico, cultural ou territorial com uma comunidade específica. É uma pessoa plantando num local escolhido por ele. O que podemos fazer é incentivar o uso, reintroduzir nos cardápios, mas não é um alimento para a Arca, segundo os critérios da Fundação. Agora, não pensem que estes critérios estão redondinhos, não. O critério de território, que pode ter amplas interpretações, foi o mais polêmico e saímos de lá sem um consenso. De concreto, sabemos que Brasil não é considerado um território nem o povo de são paulo, uma comunidade. É tudo em proporções bem menores. Outra discussão acirrada foi em relação ao uso da logomarca do Slow Food. Nem um produto protegido pode usar a logomarca em seus rótulos, já que a Fundação não têm poder fiscalizador que pudesse aferir e atestar regularmente sua qualidade higiênico-sanitário. E se houver qualquer problema com o produto, que pode ser um ingrediente in natura, mas também um manufaturado como uma geléia ou uma conserva, por exemplo, o Slow Food não poderia ser responsabilizado. Ainda assim, o produto pode ser divulgado pelos Convivia ou outros meios como produto protegido pelo Slow Food. Saímos da reunião com alguns temas pendentes para serem discutidos no Terra Madre, que vai acontecer em Outubro, em Turim.
Mas nem tudo foram farpas. Houve também seminários centrados em frutas e hortaliças que discutiram temas sobre como proteger o patrimônio de variedades locais, métodos de cultivo sustentáveis, preservação, eco-embalagem, rotulagem e comercialização.
E o melhor de tudo é que cada almoço e cada jantar foram especiais, pensados com cuidado para que tivéssemos oportunidade de provar muitos produtos, pratos e vinhos regionais, numa mesma mesa com gente de várias partes do mundo, de Mali a Noruega. Quem fez a comida durante os três dias foram voluntários, homens e mulheres, membros do Convivium do Slow Food de Scandicci. E posso dizer que capricharam tanto no preparo, quanto na apresentação e serviço (com o calorão que fazia, alguns vinhos, fartos, diga-se, chegaram meio quentes à mesa, mas isto não afetou em cada o encantamento). Tudo isto num castelo, onde foi montado e inaugurado especialmente para este evento o Bistrot del Mondo, local destinado também para exposição e venda de produtos da Arca e Fortalezas, exposições de produtos, degustações e outros encontros do Slow Food. E teve até bolo de aniversário – é que a Fundação Slow Food de Biodiversidade completava cinco anos de atividade. Alguns pratos regionais, simples, sem frescuras e maravilhosos e bebidas, idem:
Pappa al pomodoro
Assortimento di salumi di cinta senese - só botei tudo aqui pra tirar foto. Não comi tudo, mas poderia.
Conserva de berinjela vermelha – quando demonstrei interesse pelos frutos in natura de enfeite no café, logo se apressaram em me dar a experimentar.
Cippola di Tropea e peperoncini verdi in dolce e forte – mais doce que ácido, uma delícia para comer com pão toscano, sem sal.
Fagiolini burrini al pomodoro, zucchine fiorentine trifolate e coniglio ripieno arrotolato. Estas vagens são cremosas e adocicadas.
Crespelle allá fiorentina. Delicada panqueca com queijo e molho de tomate super aromático e adocicado.
O melhor queijo que comi por lá: Castelmagno d´alpeggio. Da província de Cuneo, no Piemonte, este queijo com D.O.P. (Denominazione di Origine Protetta) é firme, mas amanteigado e deve fazer um risoto delicioso.
Para terminar: Zuccotto da Gelateria artigianale Malotti, de Scandicci, com Piemonte Moscato Passito La bella estate 2006.
as fotos estão lindas. não conheço esse queijo. beijos, pedrita
ResponderExcluirNeide, quanta coisa interessante das quais nem fazemos ideia. As vezes penso em me associar ao Slow Food daqui [Yolo county], mas ainda preciso dar uma lida na proposta deles e tals. Mas de certa forma ja pratico um bocado da filosofia do movimento. Estou cada vez mais focalizada e centrada no consumo de produtos locais. Isso vira um habito, um bom habito por sinal. um beijo,
ResponderExcluirNeide,
ResponderExcluirComentários importantíssimos para que as pesoas entendam como atua o Slow Food.Há muito trabalho a ser feito e seu blog é um grande incentivo. O registro dos alimentos que voçê faz deve ser mantido e publicado como livro, eu já disse a voçê.Beijos e parabéns.
Evanilda T. P.Prospero.