quinta-feira, 9 de maio de 2019

Chaya. Coluna do caderno Paladar. Edição de 09 de maio de 2019


Hoje foi dia de coluna Nhac no caderno Paladar do Estadão. Tanto no jornal impresso quanto no site. E, claro, aqui também. 

Chaya

Poderia ser a chaya apenas mais uma panaceia a caminho – superalimentos têm que ter calma e esperar a vez, até passar a moda de seus antecessores milagrosos. Enquanto isso, em outros países, o item já está na frente e parece que chegou pra ficar, amparado por inúmeros estudos que comprovam o que os maias já sabiam desde a época pré-colombiana. Eu gosto desta verdura por vários outros motivos que destaco a seguir.

A chaya (Cnidoscolus aconitifolius) é uma planta arbustiva domesticada, natural da região maia da Guatemala, Belize, Sudeste do México, Península de Yucatán e partes de Honduras.  Pode ser novidade para a maioria dos leitores e leitoras, mas é espécie comum entre hortelões urbanos brasileiros  – em quase toda horta urbana há um pé de chaya, pode reparar - e nas feiras de trocas de mudas e sementes. Assim, nos últimos anos, ela tem se espalhado por hortas comunitárias, quintais produtivos e em sistemas agroflorestais de norte a sul. E, claro, tem frequentado a mesa de quem está atento à alimentação do futuro com baixo impacto ambiental na produção.

Meu contato com ela não tem muitos anos. Ganhei de dois amigos pesquisadores, Valdely Kinupp e Nuno Madeira, duas variedades que se ambientaram perfeitamente no meu quintal. Era o que faltava para minha pequena coleção de plantas alimentícias perenes. Aos poucos fui deixando na terra apenas espécies que conseguissem se virar por conta própria, sem adubação nem água durante as viagens de fim de semana, por exemplo. Por isto, nunca fico sem verduras, pois ora-pro-nobis, vinagreira roxa, moringa e chaya são fontes quase inesgotáveis de vitaminas, minerais, fibras e ainda um pouco de proteínas, sem exigir nada de mim em troca a não ser as podas, pois água de chuva e luz do sol não me custam nada. Não dão pragas ou doenças, não exigem correção de solo e fornecem alimento mesmo no inverno ou verão rigorosos. Então, o que mais podemos esperar destas plantas?  Pois bem, se tudo isto já não bastasse, ainda são todas medicinais e sobre isto há vasto material de pesquisa.

Devido ao grande porte para uma hortaliça, ao sabor agradável que lembra a couve e espinafre e ao excelente valor nutricional e alta produtividade o ano todo, é ideal para se cultivar em hortas públicas e entrar no cardápio da merenda escolar – é o caso da prefeitura de Jundiaí que tem investido no cultivo de plantas alimentícias não convencionais para compor a merenda escolar e a chaya está entre as espécies cultivadas.

Em geral as folhas são formadas por três ou mais lóbulos com pecíolos longos e carnosos. Quando se quebra qualquer parte da planta, ela exsuda uma seiva branca, como a mandioca, aliás, da mesma família, a das Euforbiáceas.  Há pelos menos quatro variedades cultivadas, sendo as mais comuns por aqui a Estrela, que pode crescer a até 6 metros de altura e tem pecíolos longos; e a Picuda que chega a 3 metros de altura e tem folhas bem serrilhadas, com 5 a 7 lóbulos – as da foto. Há ainda duas outras variedades menos comuns que apresentam pelos urticantes, característica que desaparece com o cozimento.

Se compararmos com o espinafre, ambos na forma fresca, temos na chaya duas vezes mais proteínas, mais que o dobro de carboidratos e gorduras saudáveis e mais que seis vezes a quantidade de vitamina A, B1 e C. Além de ser rica em fibras.  E, só para citar outra espécie rica em proteínas, 100 g de ora-pro-nobis desidratada tem cerca de 20 g de proteínas, enquanto a mesma quantidade de chaya seca tem 32,8 g. Apesar do alto valor nutricional e propriedades farmacológicas como hipoglicemiante, por exemplo, mesmo em grande parte da Guatemala a chaya é considerada uma planta alimentícia pouco convencional.

Algumas características podem ser responsáveis pelo abandono de uma das folhas mais ricas que se conhece. Os pelos urticantes de variedades silvestres e a presença de látex causam desconfiança, assim como a necessidade de cocção devido à presença de um glicosídeo que forma ácido cianídrico, similar ao encontrado na mandioca, mas que desaparece facilmente com o cozimento por 20 minutos. Sem contar que não há casos registrados de intoxicação pelo consumo das folhas – a intoxicação aguda poderia causar dificuldade de respiração e complicações decorrentes disso.  

A única opção para se consumir crua a espinaca maya ou espinafre de árvore, como também é conhecida a chaya, é na forma de água fresca - refresco popular no México feito geralmente com frutas da estação, mas também com flores ou ervas.  A água de chaya com abacaxi é popular em Tabasco, Veracruz e Oaxaca, estados do Sul com maior produção de abacaxi. Pode ser ainda com limão, laranja ou uma combinação destas frutas. 

Na província de Yuacatán, a variação com limão e o creme de chaya estão entre as delícias que não podem deixar de ser provadas por quem visita a região.  Basta bater no liquidificador algumas folhas de chaya com água, suco de limão e açúcar. A bebida herbácea, deliciosa, tem um tom de verde intenso e é servida com muito gelo. Dizem que a presença de  acidez e a trituração neutralizam a toxina e é isto que a população maia vem fazendo há milhares de anos. Outra forma de se fazer água fresca de chaya é usando a água em que as folhas foram cozidas – diferente da taioba, a água de cocção da chaya não precisa ser desprezada.  É só deixar gelar, acrescentar suco de limão e açúcar e terá um refresco de sabor agradável. Pode também ser usada para enriquecer caldos e sopas.

O tamal com chaya, pamonha de massa de milho nixtamalizado, é outro preparo clássico feito com a verdura no sul do México, onde também aparece em sopas, no arroz, em ensopados, colorindo massas e empanadas e enriquecendo recheios, por exemplo. Para prepará-las, lave bem folhas jovens, coloque-as inteiras ou picadas em panela de ágata ou inox,  cubra com água limpa e deixe cozinhar por 20 minutos.  Escorra e use as folhas, que continuarão bem verdes, como se fossem de espinafre. Podes ser ainda picadas fininho como couve, refogadas em alho e azeite, cobertas com água e cozidas por 10 minutos ou até secar a água.

Para quem quiser conhecer, talvez um bom caminho seja procurar em feiras de produtores. Aqui em São Paulo pode ser que encontre na feira de orgânicos do Parque da Água Branca, no Instituto Feira Livre ou Instituto Chão. Se não, consiga uma muda e plante numa praça ou no seu quintal. É um arbusto discreto com crescimento rápido.
Na receita a seguir, a massa é baseada na de empanada da chef Paola Carosella à qual simplesmente adicionei a chaya cozida e espremida. 


Pasteis de forno de chaya com queijo de coalho 

Massa
500 g de farinha de trigo
½ xícara de banha
1 xícara de água
½ colher (sopa) de sal
½ xícara de chaya cozida, espremida e finamente picada
Recheio
300 g de queijo de coalho
3 claras de ovo ligeiramente batidas só pra misturar
15 folhas de mentruz (erva-de-santa-maria)
Para pincelar
1 gema
½ xícara de leite
1 pitada de açúcar  - opcional

Aqueça a água e misture com a banha. Espere derreter e enquanto ainda está morna despeje sobre a farinha de trigo peneirada com o sal. Junte a chaya, misture bem, só até a massa ficar homogênea (sem sovar), embale em saco plástico e deixe na geladeira por cerca de 4 horas ou até firmar.
Enquanto isto, faça o recheio. Rale grosso o queijo e misture com a clara batida. Divida em 15 porções.
Divida a massa em 15 porções, abra com rolo até ficar com 3 milímetros, mais ou menos, coloque no centro uma porção do recheio e uma folhinha de mentruz. Feche os pasteis, dobrando a parte de baixo sobre a de cima ou apertando com um garfo.
Misture a gema com o leite e passe por cima dos pasteis. Se quiser, polvilhe um pouquinho de açúcar.
Coloque-os em assadeira untada com óleo (passe um guardanapo de papel para deixar uma camada muito fina). Leve ao forno preaquecido bem quente e deixe assar por 10 minutos ou até ficarem dourados.

Rende: 15 pasteis