Hoje foi dia de coluna Nhac no caderno Paladar do Estadão. Tanto no jornal impresso quanto no site. E, claro, aqui também.
Chaya
Poderia
ser a chaya apenas mais uma panaceia a caminho – superalimentos têm que ter
calma e esperar a vez, até passar a moda de seus antecessores milagrosos.
Enquanto isso, em outros países, o item já está na frente e parece que chegou
pra ficar, amparado por inúmeros estudos que comprovam o que os maias já sabiam
desde a época pré-colombiana. Eu gosto desta verdura por vários outros motivos
que destaco a seguir.
A
chaya (Cnidoscolus
aconitifolius) é uma planta arbustiva domesticada,
natural da região maia da Guatemala, Belize, Sudeste do México, Península de
Yucatán e partes de Honduras. Pode ser
novidade para a maioria dos leitores e leitoras, mas é espécie comum entre
hortelões urbanos brasileiros – em quase
toda horta urbana há um pé de chaya, pode reparar - e nas feiras de trocas de
mudas e sementes. Assim, nos últimos anos, ela tem se espalhado por hortas
comunitárias, quintais produtivos e em sistemas agroflorestais de norte a sul. E,
claro, tem frequentado a mesa de quem está atento à alimentação do futuro com
baixo impacto ambiental na produção.
Meu contato com ela não
tem muitos anos. Ganhei de dois amigos pesquisadores, Valdely Kinupp e Nuno
Madeira, duas variedades que se ambientaram perfeitamente no meu quintal. Era o
que faltava para minha pequena coleção de plantas alimentícias perenes. Aos
poucos fui deixando na terra apenas espécies que conseguissem se virar por
conta própria, sem adubação nem água durante as viagens de fim de semana, por
exemplo. Por isto, nunca fico sem verduras, pois ora-pro-nobis, vinagreira
roxa, moringa e chaya são fontes quase inesgotáveis de vitaminas, minerais,
fibras e ainda um pouco de proteínas, sem exigir nada de mim em troca a não ser
as podas, pois água de chuva e luz do sol não me custam nada. Não dão pragas ou
doenças, não exigem correção de solo e fornecem alimento mesmo no inverno ou
verão rigorosos. Então, o que mais podemos esperar destas plantas? Pois bem, se tudo isto já não bastasse, ainda
são todas medicinais e sobre isto há vasto material de pesquisa.
Devido ao grande porte
para uma hortaliça, ao sabor agradável que lembra a couve e espinafre e ao
excelente valor nutricional e alta produtividade o ano todo, é ideal para se
cultivar em hortas públicas e entrar no cardápio da merenda escolar – é o caso
da prefeitura de Jundiaí que tem investido no cultivo de plantas alimentícias
não convencionais para compor a merenda escolar e a chaya está entre as
espécies cultivadas.
Em
geral as folhas são formadas por três ou mais lóbulos com pecíolos longos e
carnosos. Quando se quebra qualquer parte da planta, ela exsuda uma seiva
branca, como a mandioca, aliás, da mesma família, a das Euforbiáceas. Há pelos menos quatro variedades cultivadas,
sendo as mais comuns por aqui a Estrela,
que pode crescer a até 6 metros de altura e tem pecíolos longos; e a Picuda que chega a 3 metros de altura e
tem folhas bem serrilhadas, com 5 a 7 lóbulos – as da foto. Há ainda duas
outras variedades menos comuns que apresentam pelos urticantes, característica
que desaparece com o cozimento.
Se
compararmos com o espinafre, ambos na forma fresca, temos na chaya duas vezes
mais proteínas, mais que o dobro de carboidratos e gorduras saudáveis e mais
que seis vezes a quantidade de vitamina A, B1 e C. Além de ser rica em
fibras. E, só para citar outra espécie
rica em proteínas, 100 g de ora-pro-nobis desidratada tem cerca de 20 g de
proteínas, enquanto a mesma quantidade de chaya seca tem 32,8 g. Apesar do alto
valor nutricional e propriedades farmacológicas como hipoglicemiante, por
exemplo, mesmo em grande parte da Guatemala a chaya é considerada uma planta
alimentícia pouco convencional.
Algumas
características podem ser responsáveis pelo abandono de uma das folhas mais
ricas que se conhece. Os pelos urticantes de variedades silvestres e a presença
de látex causam desconfiança, assim como a necessidade de cocção devido à
presença de um glicosídeo que forma ácido cianídrico, similar ao encontrado na
mandioca, mas que desaparece facilmente com o cozimento por 20 minutos. Sem
contar que não há casos registrados de intoxicação pelo consumo das folhas – a
intoxicação aguda poderia causar dificuldade de respiração e complicações
decorrentes disso.
A
única opção para se consumir crua a espinaca
maya ou espinafre de árvore, como também é conhecida a chaya, é na forma de
água fresca - refresco
popular no México feito geralmente com frutas da estação, mas também com flores
ou ervas. A água de chaya com abacaxi é
popular em Tabasco, Veracruz e Oaxaca, estados do Sul com maior produção de
abacaxi. Pode ser ainda com limão, laranja ou uma combinação destas frutas.
Na
província de Yuacatán, a variação com limão e o creme de chaya estão entre as
delícias que não podem deixar de ser provadas por quem visita a região. Basta bater no liquidificador algumas folhas
de chaya com água, suco de limão e açúcar. A bebida herbácea, deliciosa, tem um
tom de verde intenso e é servida com muito gelo. Dizem que a presença de acidez e a trituração neutralizam a toxina e
é isto que a população maia vem fazendo há milhares de anos. Outra forma de se
fazer água fresca de chaya é usando a água em que as folhas foram cozidas –
diferente da taioba, a água de cocção da chaya não precisa ser desprezada. É só deixar gelar, acrescentar suco de limão
e açúcar e terá um refresco de sabor agradável. Pode também ser usada para
enriquecer caldos e sopas.
O tamal com chaya, pamonha de massa de milho nixtamalizado, é outro
preparo clássico feito com a verdura no sul do México, onde também aparece em
sopas, no arroz, em ensopados, colorindo massas e empanadas e enriquecendo
recheios, por exemplo. Para prepará-las, lave bem folhas jovens, coloque-as
inteiras ou picadas em panela de ágata ou inox,
cubra com água limpa e deixe cozinhar por 20 minutos. Escorra e use as folhas, que continuarão bem
verdes, como se fossem de espinafre. Podes ser ainda picadas fininho como
couve, refogadas em alho e azeite, cobertas com água e cozidas por 10 minutos
ou até secar a água.
Para quem quiser conhecer, talvez um bom caminho seja procurar em feiras
de produtores. Aqui em São Paulo pode ser que encontre na feira de orgânicos do
Parque da Água Branca, no Instituto Feira Livre ou Instituto Chão. Se não,
consiga uma muda e plante numa praça ou no seu quintal. É um arbusto discreto
com crescimento rápido.
Na receita a seguir, a massa é baseada na de empanada da chef Paola
Carosella à qual simplesmente adicionei a chaya cozida e espremida.
Massa
500 g de farinha de trigo
½ xícara de banha
1 xícara de água
½ colher (sopa) de sal
½ xícara de chaya cozida, espremida e finamente picada
Recheio
300 g de queijo de coalho
3 claras de ovo ligeiramente batidas só pra misturar
15 folhas de mentruz (erva-de-santa-maria)
Para pincelar
1 gema
½ xícara de leite
1 pitada de açúcar - opcional
Aqueça a água e misture com a banha. Espere derreter e enquanto ainda
está morna despeje sobre a farinha de trigo peneirada com o sal. Junte a chaya,
misture bem, só até a massa ficar homogênea (sem sovar), embale em saco
plástico e deixe na geladeira por cerca de 4 horas ou até firmar.
Enquanto isto, faça o recheio. Rale grosso o queijo e misture com a
clara batida. Divida em 15 porções.
Divida a massa em 15 porções, abra com rolo até ficar com 3 milímetros,
mais ou menos, coloque no centro uma porção do recheio e uma folhinha de
mentruz. Feche os pasteis, dobrando a parte de baixo sobre a de cima ou
apertando com um garfo.
Misture a gema com o leite e passe por cima dos pasteis. Se quiser,
polvilhe um pouquinho de açúcar.
Coloque-os em assadeira untada com óleo (passe um guardanapo de papel
para deixar uma camada muito fina). Leve ao forno preaquecido bem quente e
deixe assar por 10 minutos ou até ficarem dourados.
Rende: 15 pasteis