sexta-feira, 27 de julho de 2012

Espécies em situação de risco ou o Exército de Drummond

A flor e a náusea (do livro A Rosa do Povo, Carlos Drummond de Andrade)

[...]
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio


No último piquenique perto de casa, já escrevi o que se segue, mas não custa aplicar o auto-plágio para quem odeia clicar links. 



As crianças estavam empolgadas e talvez tenham vindo perguntar sobre alguma planta. Não sei qual foi o gancho, mas me lembrei de uma ideia que tive dia desses, de salvar pés de frutas em  situação de risco. Isto me ocorreu quando, olhando pela janela do ônibus parado no trânsito sobre o asfalto quente,  vi uma goiabeirinha feia crescendo na fresta da calçada. Desnutrida, folhas manchadas, mas lutando para sobreviver. Esta não tem condição nenhuma de chegar à idade adulta, pensei. E passei a avistar outras fruteiras como mangas, nêsperas e muitas pitangas nascidas por teimosia por ação de pássaros ou gentes que as levam para longe. Há aquelas que crescem sob a sombra das árvores mães, dos frutos caídos de maduro. 

Contei sobre as divagações, Fabiana gostou e já deu nome ao movimento: "Exército de Drummond", por causa do poema, transcrito lá embaixo. Todos nós, Marcos, Airton, Fabiana, Edu, eu,  fomos acrescentando ideias divertidas, como índice de vulnerabilidade, aplicativos para medição do grau no I-phone, kit salva-mudas, logotipo, site, planos de distribuição das mudas etc. Como não consigo ter pensamentos muito grandiosos ou ramificados, resolvi testar a ideia pequena ali mesmo na praça, com as crianças, sempre tão engajadas. Saímos com olhos atentos para identificar árvores, especialmente frutíferas, de pequeno tamanho sem chances de sobrevida (na próxima passagem do jardineiro da prefeitura, adeus pitangueirinhas!). Começamos a ficar bastante animados quando conseguimos identificar centenas de espécies que poderiam ir para o vasinho e depois ser doadas para quem pudesse dar a elas um solo digno. Outras, como mamão já grande, pé de maracujá e até tomate e feijão, ficariam por ali.  Não arrancamos todas as que se encaixavam no nosso critério pois estávamos sem ferramentas e recipientes apropriados, mas a algumas, incluindo cafezeiros, não resisti. Pelo menos doze mudas já estão em vasos.  

Então, nosso piquenique foi assim, com as crianças cheirando folhinhas, comparando com as árvores mães, aprendendo a reconhecer, olhando a praça com outros olhos, colhendo sementes.  E nós, adultos, viajando também em tirar goiabeiras das frestas de calçadas e espalhar frutíferas por todos os quintais. João e Chico teriam gostado, mas quando eles voltarem de Barcelona, nosso exército ficará completo. 


Se quiser ver as fotos, clique lá: http://piqueniquepertodecasa.blogspot.com.br/2012/06/piquenique-de-maio-de-2012.html

Cabeludinha achada numa calçada
Cabeludinha na terra, já com flor 
Do último piquenique para cá, Marcos e eu arregaçamos as mangas e fomos munidos de armas -  sacola plástica e pazinhas de jardinagem - às ruas nos domingos pela manhã dar continuidade ao nosso propósito. Antes disso, e mais ainda quando compramos o sítio em Piracaia, já tínhamos isto de pegar das ruas vasos abandonados, como foi o caso do pé de cabeludinha deixado só no torrão esturricado murchando sob o sol quente de uma calçada aqui no meu bairro. Colocamos a fruteira num vaso à sombra e demos-lhe mais terra e muita água. Quando a planta já estava recuperada, com brotos novos, levamos para o sítio e plantamos na terra com vista pra represa. E lá está já todo vigoroso lançando as primeiras flores. 

Dendê também pertence ao exército 
Café 
Mamão 
Café, mamão, pitangas, murtinhas,  mas também árvores de flor como pata-de-vaca e ipês sem nenhuma chance de sobrevivência nos lugares escolhidos para nascer,  já fazem parte do nosso resumo de floresta.  Todos estão em vasos esperando a hora certa de irem para a terra aberta. Aliás, tudo agora vira vaso e até os vizinhos ajuntam embalagens de leite e outros potes.  Para completar, os amigos que vão dispensar vasos nos consultam antes. E, claro, sempre aceitamos plantas de todo tipo. Leitores do Come-se, como a Gabi e a Eliane, também já nos deram várias frutíferas. E há poucos dias fomos buscar duas aceroleiras já produzindo, além de fisalis, pinheiro, orquídeas e samambaias, presentes da leitora Daniela.  E assim vamos povoando aquela terra de braquiárias que tem por vizinho o deserto verde de eucaliptos. Logo logo teremos uma floresta. Mas a ideia é aproveitar estas mudinhas para reflorestar áreas degradadas e sem verdes ou simplesmente replantar numa calçada. 


E você, que tal salvar mudinhas em risco por aí e fazer parte deste exército de Drummond?  Pode ser uma divertida atividade com as crianças. Aceitamos franquias e, para isto, basta começar.  Sempre haverá perto de você uma fresta de muro com uma goiabeira teimosa e  uma terra ociosa onde você possa dar a estas plantas mais condições de sobrevivência e, quem sabe, um dia comer os frutos. 

Rolinhos de papel higiênico viram mudeiras improvisadas
Mudas de murtinha 
Presentes da Daniela 
Cacto e vaso de lavanda abandonados na rua de baixo

14 comentários:

  1. Oi Neide,
    adorei ideia do "exercito de Drummond",principalmente pq.Dendê parece tão feliz em snif snif estas plantas perdidas nas calçadas... Bom,soh para dizer que fiquei fuçando teu blog, e achei num post de março de 20ll,receitas,como por ex.chapatis feitas com farinha de arroz e feijão e outras opções de farinhas. Assim obtive a resposta para a minha pergunta de como substituir farinha do feijão fradinho que não encontro por aqui.,agora eh fazer as experiencias e ver no que dá.

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  2. Martha,
    pois é, sei que gosta de ver da Dendê... Ela anda danada.
    Ah, sim, quanto à farinha de feijão, aqui aqui encontramos facilmente é a de feijão fradinho que considero uma boa opção à de urad dal.

    Um abraço, N

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  3. Trabalho lindo, Neide!
    Parabéns mesmo.
    Fiquei imaginando sua floresta daqui a alguns anos e me lembrei de uma animação canadense que sempre divulgo entre meus alunos...
    Acredito que já conheça, mas se não conhecer, é essa:
    http://www.youtube.com/watch?v=Klx8UBMRrMA

    Sucesso em sua empreitada!

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  4. Paulo,
    que lindo o vídeo. Acabei de ver pois não conhecia, não. Se um homem foi capaz daquilo, imagine um exército.

    Um abraço, N

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  5. Essas plantinhas tem muita sorte!
    Daniela

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  6. olá !!!
    mulher abençoada..
    parabéns....
    seus mimos são lindos.
    te seguindo espero ser aprovada.
    para retornar sempre em seu espaço...

    que seu final de semana seja abençoado !

    beijokas...

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  7. Neide,

    Agora entendi porque você consegue fazer tantas coisas e eu vivo voando nas idéias. Aresposta está nessa sua frase:
    "...não consigo ter pensamentos muito grandiosos ou ramificados, resolvi testar a idéia pequena ali mesmo...".
    Mais uma coisa que aprendo nesse blog maravilhoso.
    Não faço esse elogio assim, por fazer. Acho o Come-se genial, uma surpresa atrás da outra, idéias generosamente compartilhadas, receitas para todos os gostos, tudo bem medidinho, enfim, esse blog é uma referência de conteúdo e originalidade.
    Achei excelente a idéia de salvar as plantinhas. Também ando pensando em um lugar " onde eu possa plantar meus amigos" e muitas árvores e flores.
    Espero que dessa vez o comentário não escape. Outro dia escrevi tudo e, no final, deu um revertério qualquer e pluft, sumiu.
    Vou te mandar um email nos próximos dias, ok?
    Um beijo para vc e para o Dr. Marcos.
    Gabi (Gabgaby)
    P.S. Nunca fiquei sabendo se vc experimentou aquela colatura di alici? Espero que tenha gostado.

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  8. tenho uma araucária que está precisando de chão,está num vaso improvisado de balde furado...eu plantei os pinhões,de uns que comprei no mercado,já brotando...eram 6,viveram 3.Não sei dizer se são exemplares femeas os machos,sei que meus amiguinhos precisam de ser adotados,e não tenho como levá-los.Penso numa pessoa como voce,Neide,que sei que cuidaria muito bem deles,eles ficariam muito felizes,estou na Z sul...sabe,já planei arvores no quintal aqui em casa,mas ele é estreito como o quintal de sua casa,não comportaria todas as arvores que eu gostaria...tem a questão do muro dos vizinhos...mas eu gostaria de uma mudinha de cabeludinha e de murtinha,que me parecem que são pequenas...quando vejo iniciativas como as tuas,vejo que há esperança para muitas espécies em extinção...algumas,eu vim a conhecer recentemente!

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  9. Que bacana Neide! Isso é possibilitar a vida. Mesmo distante de vcs, acho q faço parte deste exército. Tb tenho um sítio no interior de Caxias do Sul, onde costumo 'salvar' muitas plantas. Juvelino

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  10. Olá!!Sou Duru.
    Achei esse blog pela coincidência e já de cara fiquei muito impressionada com o conteúdo.
    Parabéns pelo exército mais lindo que já vi, muito especial fazer uma coisa assim!Estou feliz de ter oportunidade de acompanhar lendo.
    Trabalho lindo!Parabéns!

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  11. Neide,
    Aqui pertinho de casa tem um "anônimo" que deixa mudas na calçada, com plaquinhas improvisadas, indicando os nomes. Ainda não fotografei, mas pretendo fazê-lo e mostrar no blog. Achei uma graça essa ideia e seu post me fez lembrar de fazer o registro, antes que os interessados já tenham tirado tudo.
    Beijos!

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  12. Oi Neide,

    admiro seu trabalho de formiguinha. Adorei a reutilização dos rolos de papel higiênico.
    beijao pr vc.

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  13. Adorei!! Sem saber, já fazia parte desse exército, aqui, desde Blumenau. Já salvamos várias, meu marido, meus filhos e eu. Beijos e câmbio!

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  14. Adorei!! Sem saber, já fazia parte desse exército, aqui, desde Blumenau. Já salvamos várias, meu marido, meus filhos e eu. Beijos e câmbio!

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