Já ia me esquecendo. Hoje teve coluna do Paladar. Está no Estadão impresso, lá no blog do Caderno e aqui também.
MONGUBA
Meu
contato mais intenso com estas castanhas se deu recentemente quando estive no
Espírito Santo. No caminho sombreado e verde para a praia do Coqueiral de
Aracruz avistei algumas árvores carregadas de mongubas ou mungubas, muitas ao
alcance das mãos e um bom tanto já no chão. Acho que foi a primeira vez que
pude coletar alguns quilos desta preciosidade cuja fama ainda não a
alcançou. Não tardará, pois estão
pipocando trabalhos sobre seu efeito hipoglicemiante e composição nutricional,
com boa proporção de ácidos graxos desejáveis e proteínas.
Fora
parte da população amazônica, alguns poucos cozinheiros curiosos pela cultura
regional ou pesquisadores que vivem tentando revelar o potencial alimentício e
econômicos dos nossos recursos vegetais, pouca gente dá importância para a
árvore, parente das paineiras, que ladeia avenidas em grandes cidades como
Goiânia ou forma maciços floridos como no Aterro do Flamengo, no Rio. Mesmo aqui em São Paulo, podemos encontrar
estas árvores perto do Parque da Juventude e em tantos outros bairros, mas sempre como planta ornamental com lindas
flores de desenho rococó. Ah, se
soubessem o que abriga aquele fruto marrom e aveludado com cara de cruzamento
de cacau com cupuaçu. As castanhas marrons,
forjadas como trufas se confundem no chão com seixos rolados e se soltam do
fruto quando este se abre espontaneamente na hora certa da maturação. A pele coriácea que envolve cada semente se
solta facilmente e assim podemos degustar as castanhas mesmo cruas, quando têm
sabor de amendoim de consistência crocante e tenra.
Nativa da America Central e norte da América
do Sul, a espécie Pachira aquatica
pode ser vista facilmente em terras úmidas e alagadiças da floresta amazônica,
daí o nome científico da espécie, aquatica. No entanto, é uma árvore tão rústica e
resiliente que se adapta a condições diversas, tanto de clima quanto de solo. E
ainda, devido à beleza de suas folhas brilhosas, pode ser cultivada como planta
de interior - às vezes com os caules entrelaçados como se faz em Taiwan, onde é comum ter a planta em vasos
nos escritórios, quase como um amuleto para trazer boa sorte. No ambiente
natural ela pode alcançar 60 metros.
No
Brasil, a introdução da árvore no paisagismo urbano começou em São Paulo e Rio
de Janeiro na década de 1960, graças ao trabalho de Burle Marx. Então,
é compreensível que muita gente veja aqueles frutos e fique na dúvida se
são ou não comestíveis. Eu mesma, desde
que tenho o blog, recebo todos os anos fotos do fruto com a pergunta: sabe que
fruto é este? Pode comer?
Felizmente
a resposta é sempre sim. Cruas, cozidas, assadas, trituradas como farinha, as
castanhas são deliciosas e apenas um fruto pode render alimento para quase uma
família. Ela é parente de uma outra castanheira, o amendoim de árvore, Bombacopsis glabra, que recebe os mesmos
nomes populares: castanha-do-maranhão, mamorana, cacau-selvagem,
cacau-do-maranhão entre outros. Esta
também produz castanhas comestíveis e gostosas, porém o fruto é menor, verde e
não aveludado.
Há
estudos mostrando o alto porcentual de boas gorduras nas sementes e isto pode
representar alternativas mais saudáveis de óleos comestíveis à nossa
disposição, porém a maioria dos estudos sobre plantas oleaginosas comestíveis
que tenho visto visa identificar fontes potenciais de óleo para biodiesel e não
para alimento, sobrando-nos o consolo de
sementes pouco oleosas como a soja da qual se extrai a porção gordurosa à força
dos solventes que sempre deixam resíduos. Resta-nos, porém, a sorte de termos estas plantas
espalhadas pelas ruas do Brasil. Assim como voltamos a fazer em casa nossos
próprios fermentados, nossas bebidas, os pães e defumados, logo poderemos fazer nossos próprios óleos
que usaremos comedidamente em pratos especiais.
Eu
já tinha comido monguba antes, mas nunca tão novas como estas que encontrei em
Aracruz. Frescas são leitosas,
branquinhas e tenras e neste estágio podem ser comidas cruas. Depois de alguns
dias, ficam mais firmes e murchas mas estão boas para cozinhar.
Para
conservá-las por mais tempo, é bom embalar em plástico e guardar na
geladeira. Outra ideia é congelar já
depois de cozidas e despeladas. A pele
sai fácil quando cozida, bastando fazer um pequeno corte e apertar, que a castanha
limpa sai como tremoço.
Como
foi a primeira vez que consegui uma grande quantidade, pude fazer alguns testes
com as castanhas cozidas – quando cruas, apenas comi como petisco e posso dizer
que isto é algo viciante. Fui dirigindo
os preparos de acordo com a aparência e sabor. Lembra amendoim? Que tal um
hommus? Tem cara de chapéu de cogumelo?
E se trouxer alguns outros pra fazer companhia?
São como batatinhas de conserva? E se temperá-las com azeite e ervas? E
assim fui fazendo. Pareciam tantas, mas
logo se acabaram, me deixando o desejo de encontrar a próxima árvore carregada.
Sei
que muita gente vai se sentir frustrada por não ter como comprar mongubas no
mercado - pelo menos não aqui em São Paulo, mas como às vezes é a demanda que
cria o mercado, pode chegar na feira ou no mercado e perguntar: ‘ onde fica a monguba?’ ou ‘quando chega a monguba?’. Tenho certeza que há muitos produtores por
aí deixando monguba apodrecer no chão.
E sempre temos a chance de encontrar uma árvore dessas carregada de
frutos dando sopa por aí.
Felizmente
sei também que muita gente de outros lugares do país não vai sentir frustração
nenhuma, pois tem facilidade de colher os frutos nas árvores das ruas e
quintais e também não vai ver nenhuma novidade em tudo o que estou dizendo, mas
talvez se sinta estimulada a explorar mais as possibilidades de uso. Quem conhecia a planta mas não sabia que as
castanhas eram comestíveis, agora pode se aventurar na cozinha inventando moda.
E
quem sabe um dia vamos ter nossas castanhas, como o baru, o licuri, a castanha
de pequi, o amendoim-de-árvore e a
monguba ocupando os mesmos espaços de
gôndola que nozes, amêndoas, pistaches e avelãs importados. É só a gente ir
mudando o foco.
Enquanto
isto, deixo aqui um jeito simples e rápido de preparar. Antes de fazer a receita, cozinhe as
castanhas e, se quiser, mantenha-as congeladas.
Como cozinhar: lave as castanhas,
coloque numa panela, cubra com água e leve ao fogo. Cozinhe por cerca de 20
minutos ou até ficar macia à mordida.
Com uma faca de legume, faça um corte na casca e aperte para a castanha
escorregar. Embale e congele ou use
imediatamente.
Cogumelos com monguba
2 colheres (sopa) de manteiga
2
colheres (sopa) de molho de soja (shoyu)
250
g de castanhas de monguba cozidas
500
g de cogumelos variados ou de um só tipo
– de paris, pleurotus, shiimegi
Meia
pimenta dedo-de-moça sem sementes cortada em tirinhas
Meia
xícara de cebolinha picada
Numa
frigideira coloque a manteiga e o shoyu, leve ao fogo e misture até a manteiga
derreter. Junte as castanhas e misture bem. Em seguida, acrescente os cogumelos
(se usar cogumelo-de-paris, coloque-o uns 2
minutos antes que os demais). Misture
e deixe cozinhar por cerca de 2 minutos ou até que fiquem macios. Prove
o sal e junte mais shoyu se necessário.
Desligue o fogo, junte a pimenta e a cebolinha. Sirva com arroz branco.
Rende: 4 porções