quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Muffins de pitanga



Aquelas pitangas que colhi na praça, usei-as no lugar dos mirtilos (blueberries) numa receita de muffin. Escolhi uma fórmula (New York cookbook by Molly O´Neill) que usasse iogurte, para que eu pudesse substitui-lo por o kefir que estava dando sopa na geladeira. Aí vai a receita ligeiramente adaptada.

Muffins de pitanga com kefir

Ingredientes
½ xícara de manteiga sem sal, derretida
1 xícara de açúcar
2 ovos
½ xícara kefir ou iogurte
2 xícaras de farinha de trigo
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
1 pitada de sal
Raspas da casca de dois limões (um taiti e outro siciliano)
1 xícara de pitangas sem caroço polvilhadas com farinha

Modo de fazer: unte com manteiga e polvilhe com farinha 15 forminhas de muffins. Numa tigela combine a manteiga derretida fria com o açúcar, os ovos e o kefir. Misture bem. Peneire sobre esta mistura a farinha, o bicarbonato e o sal. Misture até virar uma massa homogênea. Junte a casquinha de limão e as pitangas e mexa delicadamente para incorporar. Divida a massa entre as forminhas – deixando espaço para crescer. Leve para assar em forno médio preaquecido, por cerca de 30 minutos.
Rendimento: 15 muffins

Enfarinhe as pitangas sem caroços
e passe por peneira para tirar o excesso da farinha.

Obs: se preferir, use aquelas forminhas de silicone (menores - vão render mais), que não precisam untar.
Foram usadas medidas padronizadas e rasadas: 1 xícara=240 ml; 1 colher (sopa) =15 ml e 1 de chá=5 ml.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Patê de fígado



Ninguém acredita quando digo que na cozinha não sou expert em coisa alguma, mas simplesmente uma curiosa sem medo de errar (e como erro!!), uma especialista em coisas gerais, isto sim. Só o Marcos e a Ananda acreditam. Prova deste falso julgamento a meu respeito é que muitos amigos evitam me convidar para comer suas comidas. Quando convidam, o fazem com receio, como se vê neste email da Judith: Olá, Neide: estou com saudade e gostaria de cometer a ousadia de convidar você e o Marcos (e o Nilson, claro) para jantar um dia. Vocês se arriscariam, conhecendo as minhas credenciais culinárias?
Judith Patarra foi minha editora na revista Caras durante 12 anos. Mais do que isto, foi uma grande professora que me instigava a navegar por mares desconhecidos. Muita coisa me ensinou e ainda assim me trata com tanta reverência. Foi uma honra jantar com ela no sábado. Estava divino, tudo caprichadíssimo, ambiente aconchegante, convidados agradáveis e bem humorados (dois advogados, uma médica e o Nilson Garcia, meu amigo e editor na Caras, há 13 anos), vinhos em harmonia, comida alemã deliciosa – nunca comi um Spätzle tão delicado (para meio quilo de farinha, só dois ovos, uma pitada de sal e água até ficar uma massa elástica, receita da mãe dela – aí é só ir pingando na água como inhoque), servido com o molho da carne que veio fatiada, acompanhados com um perfumado repolho roxo agridoce. Só os fartos antepastos já seriam suficientes para encantar, ainda mais porque teve patê de fígado, minha paixão. Com o pão de centeio quentinho, não precisava de mais nada. Ele rescendia a um leve conhaque e veio pincelado com uma geléia de pimenta - felizes para sempre. É claro que pedi a receita que, como podem ver abaixo, foi ensinada por uma amiga dela, a psicanalista Anna Verônica Mautner. A Judith modificou e adequou às suas condições do momento – e deu muito certo, posso atestar. Eu vou tentar ser fiel, mas já sabendo que a receita permite uma certa liberdade, não prometo nada. E vocês, fiquem à vontade. Mas, só pra gente não se perder, dou aqui a receita original da Anna.
Neide, aí vai a receita do patê de fígado de minha amiga, exatamente como ela me mandou:

Patê de fígado da Anna

Para três pratos de fígado de galinha, daqueles pratos quadrados que tem no Santa Luzia, duas colheres de sopa de cebola picada miúda, que são fritos no bacon (não adianta reclamar, isso não é comida saudável). Uma vez refogada a cebola, coloque os fígados e dê uma rápida refogada. Enquanto isso, derreta na água fria três folhas de gelatina sem sabor e três pãezinhos amolecidos no leite, bem encharcados. Joga tudo dentro do liquidificador e tempere com sal, pimenta do reino e umas quatro colheres de sopa de conhaque. Bata e experimente para ver se está bom de sal e pimenta. Ponha numa forma retangular ou daquela forma de bolo que tem buraco no meio. Sem buraco não dá. Ponha a forma dentro de uma travessa com água no forno até começar a ficar marronzinho em cima e um palito ficar quase limpo e guarde um pedaço para mim” Anna Verônica Mautner
“Gostou, Neide? Agora como eu fiz. Claro que descobri que não tinha leite nem pãozinho. Com preguiça de sair outra vez (acabara de chegar do supermercado) usei creme de leite e pão de centeio (natureba, da ArtePane). Diluí com água (sempre do filtro) porque o creme de leite originou uma maçaroca dura. Acho que errei na gelatina porque só tinha em pó e coloquei um envelope inteiro; penso que deveria ser metade para o patê ficar mais macio. De resto fui pura obediência à receita. Ah, não, teve mais uma diferença. Comprei um pacote de fígado de galinha da Korin no Pão de Açúcar, só um (ela manda três, mas no Santa Luzia são menores). Ah, outra coisa, deixei os fígados um pouco no leite (leite em pó Molico, horrível, mas como você já sabe, não tinha leite em casa) antes de fritar.
Ufa. Acabei. E claro que você pode pôr a sua foto no seu blog, imagine - será honra e tanto para uma pobre marquesa”
Judith Patarra
Lembrete do Come-se:
1 bandeja de fígado da Korin tem 600 g
1 envelope de gelatina em pó branca sem sabor tem 12 g
que equivalem a 6 folhas de gelatina
A forma precisa ser untada com óleo, azeite ou manteiga
Antes de desenformar, deixe na geladeira até gelar e endurecer (recomendo fazer um dia antes).

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Encontrei por aí ou salada de mato


Pitangas, dente-de-leão, três cerejas-do-rio grande e um jatobá

Toda segunda-feira de manhã quando volto a pé do clube onde faço ioga, passo por uma praça pública linda, com vários pés de frutas - mangas, abacates, cerejas-do-rio-grande, amoras, pitangas e uvaias. Aproveito para colher algumas quando tem. E agora estamos em plena safra de pitangas. Para completar a cesta, costumo trazer algumas folhinhas de mato comestível do clube. Acontece que o meu horário sempre coincide com a caminhada do meu vizinho mais deselegante, mal-educado e metido a besta. Sem me cumprimentar, ele lança aquele olhar superior de comiseração como se eu estivesse salvando a comida do dia por não ter o que comer em casa. Hoje passei rápido por ele, que fazia alongamento no playground, para que não me visse. Não teve jeito, logo ele passaria pelo caminho onde eu me equilibrava pra pegar as frutinhas do alto. E, é claro, com o mesmo olhar de sempre. Tudo porque certo dia descobri com meus próprios olhos que era ele o vizinho que levava todos os dias seu poodle pra fazer cocô no gramado da minha calçada. E deixava lá. Ele não gostou quando, no dia seguinte, eu deixei no local um cartaz enorme dirigido ao inocente cachorrinho, rebaixando o vizinho à sua real insignificância. Algo como: “querido cachorrinho, avise seu dono que sabemos o que fazem aqui todos os dias e blá blá blá..”. Ainda tive a sorte de presenciá-lo, da janela, arrancando o cartaz e levando-o embora. Queria ter um apito nesta hora. Depois disso, ele nunca mais me cumprimentou e fica a fiscalizar minhas coletas pelo bairro. Não sei porquê.

Mas, deixe pra lá. Às folhas de dente-de-leão juntei outros matinhos comestíveis e espontâneos do meu quintal e fiz uma salada com molho de cereja-do-rio-grande (achei 3 num pezinho que não me chega ao joelho). O mel do molho e as sementinhas de girassol por cima das folhas foram inspirados pela salada da Fer (do chucrute com salsicha). A mistura de ervas amargas (serralha, dente-de-leão, serralhinha), picantes (mentruz, folhas e flores de capuchinha), azedas (azedinha, trevos e flores de begônia) e tremelicante (jambu) com a semente crocante e o molho adocicado faz uma combinação perfeita e estimulante. O gostoso é misturar todas estas ervas ditas daninhas, mas mansas, que não temos pra comprar na feira. E as pitangas, usei para fazer muffins (depois dou a receita).
Salada de folhas silvestres ao molho de cereja-do-rio-grande



Usei as seguintes folhas e flores
Dente-de-leão (Taraxacum officinale)
Azedinha (Rumex acetosa L)
Trevo vermelho (Oxalis corniculata)
Mini-couve rendada
Mentruz rasteiro (Coronopus didymus)
Brotos de Ora-pro-nobis
Capiçova vermelha (Erechtites valerianaefolia)
Folhas de menta
Folhas jovens de tanchagem (Plantago major)
Folhas e flores de capuchinha
Folhas de jambu
Flores de begônia
Folhas de serralha (Sonchus oleraceus)
Folhas de pincel-de-estudante ou serralhinha (Emilia sonchifolia)

Para o molho
3 cerejas-do-rio-grande sem caroço, bem vermelhas
1 colher (chá) de mel
½ colher (chá) de sal
Pimenta-do-reino a gosto
Suco de 1 limão-rosa (limão cravo, vinagre, caipira)
Azeite a gosto (até ¼ de xícara)


Sementes de girassol fritas em azeite e escorridas
Modo de fazer: lave bem as folhas e flores, desinfete com solução de hipoclorito, enxágüe, seque na centrífuga e distribua sobre uma saladeira. Faça o molho, misturando todos os ingredientes com um mixer. Espalhe por cima das folhas as sementinhas de girassol tostadas no azeite e sirva o molho à parte.


O molho deve ser regado sobre as folhas na hora de servir

Veja também aqui no Come-se: Cereja-do-rio-grande

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

ECO-FRIENDLY PACKAGING

Aqui uma pequena exposição das nossas embalagens ecológicas por natureza.


Rapadura na palha da bananeira e doce de buriti em caixa feita com o pecíolo da folha do próprio buritizeiro (uma palmeira).



Pamonhas na palha de milho


Pamonhas na folha de caetê


Pau-a-pique (broinha de fubá) na folha de bananeira


Doce de laranja de cortar na folha de bananeira e taiada (doce de rapadura com farinha de milho) na palha de milho roxo.


Farinha d´água embalada no paneiro de arumã



Folhas de bananeira podem ser usadas no lugar do papel alumínio - aqui, na feira de São Joaquim, Salvador - BA.
ENQUANTO ISSO
:


Milho cozido em prato plástico, nas ruas de São Paulo
Moderno?
Sempre foi assim: o milho cozido, aqui em São Paulo, era vendido em carrinhos ambulantes na rua e embalado na própria palha de milho. O único problema era a falta de um fio dental por perto. No mais, era um charme. Até o sal era espalhado com um pincel artesanal também feito de palha de milho. Agora resolveram modernizar e a praga se espalhou pela cidade. Cortam o milho sobre uma tigelinha de plástico pra se comer com colher também de plástico. Come-se na rua, nos pontos de ônibus, andando, e haja cestos pra tanto lixo além dos sabugos. Uma parte vai pro chão; tudo, depois, vai pro lixão; e o resto a gente já sabe.

Um alento:
A Alessandra Madeo, do Viva com Orgânicos, faz a maior campanha para aumentar a vida útil das embalagens que normalmente desprezamos. Ao entregar nossos
pedidos da semana, o motorista recolhe bandejas de isopor, caixas de papelão e embalagens de ovos que são reaproveitadas pelos produtores. E ainda óleo usado para sabão, que não dou porque faço o meu próprio.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Arca do Gosto e Fortaleza no jornal Folha de São Paulo de hoje


Castanhas de baru no Terra Madre

Em extinção
Catálogo elenca produtos gastronômicos ameaçados de desaparecer; sete ingredientes brasileiros estão em projeto para proteção
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL


Quando Noé construiu sua arca, protegeu do dilúvio casais de animais. Fosse hoje, talvez o personagem bíblico incluísse também alimentos tradicionais ameaçados de extinção. E eles não seriam poucos, conforme revela um catálogo mundial feito pela associação Slow Food que identifica e divulga produtos em risco de desaparecer. Dos mais de 750 produtos listados na Arca do Gosto -uma alusão à embarcação de Noé-, 23 são do Brasil, entre eles o feijão canapu, o babaçu, o pirarucu e a castanha-de-baru."A Arca reúne produtos de pequenos agricultores, extrativistas e indígenas", diz Roberta de Sá, coordenadora dos projetos do Slow Food no Brasil. "Para entrar na lista, o produto deve ter excelência gastronômica, ser ligado à história da comunidade, ter produção artesanal com ênfase na sustentabilidade e estar em risco de extinção."


A ameaça de desaparecimento, segundo Roberta, pode ser justificada de inúmeras maneiras, como a perda da tradição do modo de fazer -caso da marmelada de Santa Luzia-, ou pela localização do alimento em uma área devastada.


A partir do catálogo, a fundação, que prega a combinação do prazer à alimentação consciente e responsável, partiu para a captação de recursos financeiros para bancar as Fortalezas, projetos que visam a melhoria da qualidade dos produtos ameaçados. No Brasil, elas são sete e muitas participaram no último mês, em Brasília, do Terra Madre Brasil, um encontro nacional de ecogastronomia.


Não existe um padrão para as Fortalezas. As iniciativas variam de acordo com a realidade e as necessidades de cada comunidade, mas objetivam: 1) promover os produtos artesanais; 2) criar padrões de produção; 3) e garantir a viabilidade futura dos produtos.Na Fortaleza do palmito-juçara, planta nativa da mata Atlântica que há 12 anos está sendo plantada pelos guaranis da aldeia Ribeirão Silveira (litoral norte de São Paulo), a próxima etapa é conseguir um selo que permita aos índios comercializarem o caule comestível.


"Estamos inventariando as palmeiras nativas para criar um plano de manejo, provar que somos produtores e conseguirmos a autorização para vendê-lo", diz o cacique Adolfo Timótio Verá Mirim.


Na Fortaleza do umbu, que reúne os municípios baianos de Uauá, Curaçá e Canudos, por exemplo, foram construídas minifábricas onde o fruto é transformado em doces, geléia e polpa pasteurizada. Da produção total, 55% é destinada à merenda de escolas do sertão do Estado, 30% vai para países como França e Áustria, 10% é vendida em feiras e exposições e 5% fica no mercado regional.


"É mais fácil exportar que vender aqui dentro", diz Jussara Dantas de Souza, da Fortaleza do Umbu. "Lá fora, a Associação Comércio Justo deposita 50% do valor antes de começarmos a produção. Aqui, você investe, entrega o produto e só recebe 60 dias depois."


Mas, para quem acredita que, para preservar, é preciso fazer a população conhecer os produtos, ainda há um importante passo a ser dado, que é o da distribuição dentro do Brasil. Como se faz hoje para comprar os produtos da Arca? "Há realmente uma dificuldade muito grande que é a parte do transporte. [A distribuição] É o nosso maior desafio", diz Roberta.


Folha de São Paulo, 08/11/2007

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Tucupi feito em casa


Aqui, o tucupi pronto depois de fervido com temperos - usei pimenta dedo-de-moça na falta da cumari-do-pará.

Estou querendo voltar à Ilha do Marajó, no Pará, ainda neste ano, por isto deixe-me ir esquentando os tamborins. Foi lá que tomei meu primeiro tacacá numa tarde de calor úmido. Inesquecível aquela sensação gostosa de pachorra, a que todo paulista estressado tem direito, e que nos coloca em pé de igualdade com o mormaço ambiente.


Conheci lá o tucupi, o jambu, o coentro-do-pasto (chamam de chicória), a pimenta cumari-do-pará e um jeito novo de comer camarão seco. Tudo novidade. Aliás, tudo lá parece ser estrangeiro. E, no entanto, é uma das culturas mais autênticas deste país.

Quanto ao tucupi, fora do extremo norte do Brasil ele é praticamente desconhecido e quando aparece aqui em São Paulo é vendido a preço de fina iguaria, o que realmente é. Mas no local de origem, é ingrediente corriqueiro, barato e indispensável. Com ele se faz este tacacá que tomei no Marajó e é o caldo mais popular e desejado nos fins de tarde, em Belém. Na cuia a vendedora coloca, à frente do freguês, uma concha de tucupi tirado de um grande caldeirão de alumínio bem areado e outra de mingau neutro de goma, feito com o amido da mandioca. Alguns camarões e um punhado de jambu - a erva que amortece e faz fremir lábios e língua - completam a sensação.

Há várias maneiras de se extrair o suco da mandioca ou manipueira, base do tucupi. Podem ser usadas prensas manuais de parafuso ou prensas hidráulicas. E, para pequenas quantidades, a raiz ralada pode ser espremida num pano. Mas, apesar das novas tecnologias de prensagem, um utensílio já encontrado aqui pelos europeus sobrevive ainda hoje. É o tipiti, usado na transformação artesanal da mandioca em farinha, goma e tucupi. Trata-se de uma bolsa cilíndrica, comprida, feita de palha, num trançado que a faz retrátil, como possuindo molas. Dentro se coloca a massa de mandioca ralada, que é espremida quando o tipiti é tracionado. Da massa enxuta se faz a farinha e o líquido escorrido será a base do tucupi. A princípio leitoso, este caldo (manipueira) torna-se de um amarelo límpido assim que o amido (fécula, polvilho ou goma) sedimenta no fundo do recipiente. Depois de fermentado por um ou dois dias e fervido com alho, alfavaca, pimenta-de-cheiro e chicória (o coentro-do-pasto), se transforma no molho tucupi, de aroma penetrante e sabor ácido inconfundíveis.
A coloração do tucupi é dada pelos pigmentos betacarotenos presentes na mandioca amarela, variedade mais indicada para o preparo do molho, justamente pela cor. Mas a mandioca branca também rende bom tucupi, conhecido como tucupi-doce. Está certo que o sabor é muito mais delicado e a cor, mais desbotada. Mesmo assim, há quem o prefira para o preparo do tacacá e de um bom mingau de arroz para se comer no café da manhã. Aliás, a cor amarela do tucupi muitas vezes é intensificada com a adição de corante artificial. Para identificar a adulteração basta ver se o amarelo é uniforme. No verdadeiro, o pigmento tende a se acumular no fundo da garrafa, deixando uma faixa mais clara próximo à superfície. Menos difundido nas cidades, o tucupi-pixuna ou tucupi-preto é um molho denso, concentrado e escurecido depois de demorada redução. Acompanha patos, carnes e peixes.
No mercado Ver-o-Peso, em Belém, pilhas de tipiti e litros e mais litros (garrafas de PET reaproveitadas) de tucupi em vários tons de amarelo forte, às vezes com pimentas imersas, mostram a importância do molho na cozinha local. Além de ser usado no tacacá, ele tempera carnes de sabor marcante - pato, peixe, leitão, paca. Talvez o prato mais famoso seja o conhecido internacionalmente Pato-no-tucupi (assado, separado de sua gordura e fervido com tucupi e jambu). É um bom exemplo da cozinha regional, saborosa, leve e marcada pela pouca influência européia sobre a predominância indígena.
Modo de fazer
Como me recuso a pagar R$ 10,00 por uma garrafinha de tucupi congelado que se encontra às vezes no Mercadão, faço o meu próprio. É fácil, veja:
Pique 3 quilos de mandioca amarela e bata, aos poucos, no liquidificador com 1 litro de água. Faça isto aos poucos. Coloque quanto de água for necessário para a primeira leva. Coe, esprema num pano e volte o líquido ao liquidificador com mais mandioca. Faça assim até terminar. Quanto menos água usar, melhor. O ideal é ralar e espremer, mas e tempo? Por fim, esprema de novo tudo num pano de algodão limpo. Torça bem para extrair todo o sumo.

Espremendo num pano de algodão

Aqui, a goma sedimentada no fundo do recipiente - é só separar.

Deixe esse líquido leitoso (manipueira) descansar por 4 horas, ao fim das quais separe o amido sedimentado do líquido amarelo (o amido é a goma, que pode ser seca ao sol para virar polvilho ou ser usada ainda úmida para fazer tapioca ou o mingau de goma que compõe o tacacá.

A manipueira (o caldo) já fermentada - veja umas bolhinhas na superfície.

Cubra com pano o líquido e deixe fermentar de um dia para outro. A este líquido fermentado, adicione um pouco de sal, um dente de alho, uma pimenta-de-cheiro, alguns galhos de alfavaca e a chicória (coentro-do-pasto). Deixe ferver por 30 minutos, coe e está pronto o tempero para ser usado em peixes, galinhas e patos. Guarde na geladeira por até 1 semana.

Para o Tacacá, faça assim: Junte água fria àquele amido sedimentado na tigela, na proporção de 1 xícara de goma para 2 litros de água. Misture bem e leve ao fogo, mexendo, até engrossar. Este é o mingau de goma. Numa cuia coloque uma concha de mingau, outra de tucupi bem quente, alguns camarões secos demolhados e escorridos, um punhado de jambu cozido e espremido e pimenta. Igualzinho, igualzinho, ao paraense, não fica. Mas garanto que ameniza o desejo de estar lá.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Mandioca e beijus


beijus coloridos - foto cedida pelo Joselito Motta

Aumenta o que está pouco, esfria o que está quente, engrossa o que está ralo e, na pança, é quem dá sustança Joselito Motta

Chegou em boa hora. Já estava determinada a mostrar hoje aqui como se fazem tucupi e polvilho em casa com a mandioca (macaxeira, aipim) comprada na feira, mas recebi esta mensagem do meu recém-amigo Joselito, pesquisador de mandioca da Embrapa, que amplia e enriquece ainda mais o assunto comida-de-raiz e me dá o maior prazer de poder passar o assunto na frente e em frente. De quebra, ele nos manda notícias sobre eventos do mandiocal e, no mesmo embornal, veio ainda a esperança de talvez ganhar umas mudas de araruta, de que falei ontem, e de mandiocas coloridas. Eba!
Beijus e outras receitas
O Joselito é um daqueles pesquisadores apaixonados pelo que faz e é autoridade em produtos da mandioca. Estes beijus coloridos da foto foram desenvolvidos por ele quando se deparou com uma paleta de beijus coloridos artificialmente. Foi só pensar nas possibilidades naturais de cor e usar estas opções no lugar da água que umedece o polvilho seco. Além de mais gostosos, são mais nutritivos e fazem o maior sucesso com as crianças (melhores que aqueles isoporzinhos carregados de gordura e sabor artificial que nossas criancinhas comem por aí). Em Brasília, no Terra Madre, provei os beijus de abacaxi, cebola e beterraba e eram maravilhosos - saborosos, derretiam na boca. Para quem não conhece, beiju é como uma tapioca, só que fininho e crocante, feito sobre chapas de ferro sobre lenha. Quando eu tiver um tempo dando sopa, farei as tapiocas coloridas (a chef Teresa Corção, do Rio, faz umas deliciosas, até com chocolate).

Em outro email Joselito me mandou receita de torta salgada e suco de mandioca com limão, mas publicarei depois de testar e fotografar. Aguardem.

Beijus no mercado - foto cedida pelo Joselito Motta

O email do Joselito:
Prezada Neide,
Como vai? Nem sei por onde começo a lhe dar explicações; ocorre-corre não foi só nas despedidas do Terra Madre Brasil. No retorno, começou outra roda viva com uma série de viagens que terminaram no XII Congresso Brasileiro de Mandioca que aconteceu em Paranavaí/PR de 23 a 27 do mês passado. Agora, já mais tranqüilo, iniciamos o III Curso Internacional sobre Produção e Processamento de Mandioca para países africanos de língua portuguesa (Angola, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique) e do Timor Leste. São onze participantes e terei atividades com eles nas duas últimas semanas. Anexo o programa para você que também é mandioqueira de quatro costados, como se diz no Nordeste rural. Quanto ao seu blog, não posso omitir elogios; você escreve fácil demais e encanta o texto com fotos ainda mais bonitas! você foi premiada com muitos dons. Descreveu a farinha d'água sem retoques. Que foto aquela do paneiro do seu Bené!!! Teresa deve ter babado.Vamos aos beijus coloridos; estou em contato com o Reinaldo Lichti do Mais Você, recomendado por Ana Dorneles, do Globo Repórter e hoje enviei um texto com fotos que vou enviar para você; tenho algumas tiradas na FISPAL 2006 quando andei fazendo umas oficinas no evento capacitando um monte de paulistas. Se lhe interessar mando depois. Estou acompanhando seus escritos no blog e vi o último sobre araruta; recebi um colega aqui na sala, hoje de manhã, que tem uma coleção com algumas espécies; se tiver sítio e quiser posso tentar conseguir algumas sementes para você, inclusive dos aipins biofortificados por natureza ricos em beta caroteno e licopeno. Seguem fotos e arquivo por partes. Fico por aqui.
Um abração,
Joselito da Silva Motta
Pesquisador - Usos da mandioca
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa
Brasilian Agricultural Research Corporation - Embrapa
Embrapa Mandioca e Fruticultura
Embrapa Cassava & Fruits
Cruz das Almas - Bahia - Brasil

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Araruta fajuta


Livreto editado pela Embrapa
Bingo. Teimei com o vendedor de araruta no Mercado da Lapa que a araruta da marca Stival que ele vendia não era araruta coisíssima nenhuma. Ele não acreditou. É que eu me lembrava de já ter ligado para esta empresa há mais de um ano movida pela mesma desconfiança e o engenheiro de alimentos havia dito que não, não era mesmo. Era amido (fécula, goma, polvilho) de mandioca, mas que no Paraná o polvilho era também chamado de araruta (conte outra!), que os dois produtos têm a mesma aplicação e mesma performance (me engane, que eu gosto), e que outra embalagem corrigida já estava a caminho (estou esperando). E o preço mais alto? Bem, para isto ele não teve explicação.
Hoje o engenheiro rezou a mesma missa. Só que desta vez resolvi denunciar a empresa por lesar o consumidor. O vendedor do Mercado da Lapa, por outro lado, havia garantido que aquela era araruta verdadeira, que sempre vendeu, que não teve reclamações, que ela tem propriedades medicinais, que tem dado certo (efeito placebo, todo mundo conhece) e que eu iria perder meu tempo ligando para a empresa. Mesmo assim, concordou que se o que eu dizia era verdade, seria caso de polícia, porque ele também paga mais caro pelo amido.
Hoje liguei pra ele avisando do engodo, dei até o nome do engenheiro com quem falei. O mínimo que ele poderia fazer era devolver a mercadoria e se recusar a vender um produto fajuta pelo dobro do que vale. Mas as coisas no Brasil não funcionam assim. Ele disse que não tem o que fazer, que está amparado pela nota fiscal, que tem que acreditar no que o produtor diz, que se a empresa está errada, problema deles e que vai continuar vendendo, afinal ele é o único do Mercado que tem a mercadoria “autêntica”. E isto lhe confere certo prestígio, certo?
O que eu não contei é que a Vigilância Sanitária vai bater lá no Box dele (é claro que ele não tem culpa, mas pelo menos avisei). Há outras ararutas e ararutinhas no mercado que também enganam o consumidor, mas pelo menos assumem o ingrediente em algum cantinho da embalagem: fécula de mandioca. Mas isto é crime também, afinal é como anunciar feijão e nos dar arroz, devidamente revelado na lista de ingredientes. Por isto, desconfiemos sempre.

É triste reconhecer que nós, consumidores brasileiros, estamos a anos-luz de ganhar respeito como tal e somos enganados a todo momento por acreditarmos sem questionar em tudo o que está impresso (nas revistas, nos rótulos, no jornal).

Agora, mais triste ainda foi levar a denúncia adiante: liguei primeiro para o Procon, mas, como não comprei o produto, me mandou ligar para a Anvisa (agência nacional de vigilância sanitária), que pediu que eu ligasse para a Vigilância Sanitária do Estado, que, por sua vez, me deu o número da agência do Município, que, por fim, mandou ligar na própria Prefeitura, 156, que ninguém atende. Várias tentativas depois, uma secretária eletrônica me fez escolher uma opção (animais e vigilância em saúde), após enumerar longamente 7 delas. Quando consegui ouvir uma voz de verdade, foi difícil me fazer entender (mas como assim: araruta não é polvilho de mandioca? O vendedor trocou a embalagem?). A denúncia está feita. Agora é esperar. E, enquanto isso, quem tiver mudas de araruta, estou aceitando.
Sobre a araruta
Originária das regiões tropicais da América do Sul, a Maranta arundinacea era encontrada especialmente nas regiões costeiras das Guianas até o Rio de Janeiro. Os índios Caraíbas e Caiapós a tinham como remédio e fonte energética (a raiz fibrosa é ralada e o amido é separado por sedimentação, como o amido da mandioca). Há várias versões para o nome. Parece que os ingleses passaram a chamá-la de Aruak root starch ou polvilho da raiz dos Aruak (nome de uma tribo que habitava as margens do Amazonas até o Caribe). Acabou virando arowroot, em inglês, e araruta em português.

Se hoje, para a indústria, é mais rentável e fácil produzir amido de mandioca, que ela abandone de vez o apelo do nome, seja honesta, assuma: não temos mais araruta industrializada no Brasil. Deixe que ela seja um item raro e rentável para pequenos produtores que podem resgatar esta cultura tradicional e devolver à araruta seus dias de mingaus cremosos, brevidades macias, bolos fofos e biscoitos crocantes.

Para saber mais, veja no site da Embrapa Agrobiologia
Cartilha sobre araruta (a da foto)
Araruta: resgate de uma cultura tradicional

Veja mais também aqui no Come-se.


quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Broinha com poesia

Neide, a tempo: visitei seu blog e gostei muito do
conteúdo...tanto que dele extraí um poema inspirado
em uma de suas deliciosas receitas.
Pedro Perry

Clique na imagem para ampliá-la.

Recebi este presente de um leitor que acabou de conhecer o Come-se. Diz o autor, o publicitário Eduardo Perry: quem sabe pode ser um caminho diferente para ilustrar receitas em revistas. Acho uma ótima idéia, Eduardo. Mas antes que alguma redação o contrate com exigência de exclusividade, sorte nossa que podemos publicar aqui.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Abobrinhas


Na estrada, no caminho para Intervales (Ribeirão Grande - SP)
"Chamam os índios Jerimu às abóboras-da-quaresma [Jurumu - [...] – o gargalo ou pescoço apertado. Abóbora de pescoço], que são naturais desta terra, das quais há dez ou doze castas, cada uma de sua feição [...]. Costuma o gentio cozer e assar estas abóboras inteiras por lhe não entrar água dentro, e depois de cozidas as cortam como melões, e lhes deitam as pevides fora, e são assim mais saborosas que cozidas entalhadas [...]."
Gabriel Soares de Souza. Tratado Descritivo do Brasil (1587).
São Paulo, EDUSP/ Companhia Editora Nacional, 1971 – p. 183-4.
Ontem foi um dia cheio. Teve degustação de azeites no consulado de Portugal e, à noite, no Sesc Pinheiros, palestra com o francês Herve This (do livro Les Secrets de la Casserole ou Um Cientista na Cozinha, como foi lançado aqui), que faz o papel de cientista maluco desvendando os mistérios da coagulação protéica no ovo ou da emulsão perfeita, só para ficar em alguns exemplos. A apresentação foi uma verdadeira performance com direito a pirotecnias, principalmente quando ele se paramenta como um serralheiro com grossas luvas e máscara de acrílico carregando um tambor de nitrogênio líquido usado para produzir microcristais de gelo instantâneos no sorbet de tomate. O vapor que se forma quando o gelo seco, a menos 100 graus, entra em contato com o ambiente mais quente é de impressionar. Por isto suas apresentações são sempre um show. Mas sua contribuição para a gastronomia molecular merece muito mais que estas poucas linhas que hoje lhe posso dedicar. O tempo agora é curto e volto a falar do cientista em breve. Dele e do azeite português, todos maravilhosos.

Fiquemos, por enquanto, nas abobrinhas. Pois hoje é Dia de Halloween e ainda que seja também Dia do Saci (ainda não pegou, mas vamos tentando), a abóbora pode continuar sendo o símbolo da festa. Copiemos o que é bom, afinal ela é farta em toda a América (vejam a citação acima, do Gabriel Soares, de 1587). Está certo que o descaso praticado por aqui contrasta com o prestígio de que goza na América do Norte (e em toda a Europa), mas sou adepta dela, afinal é barata, de fácil cultivo, apresenta grande produtividade e é resistente ao transporte e armazenagem (cheguei a conservar abóboras intactas, com o pedúnculo, por mais de 3 meses). Talvez por tudo isto o legume seja tratado com certo desprezo e muitas vezes usado só para a alimentação de porcos - a abóbora moranga chega a ser chamada abóbora-porqueira ou abóbora-de-porco.

Há diferenças de forma, sabor e textura entre as abóboras de pescoço e as do tipo morangas. Mas conhecemos todas como abóboras e, em comum, quando maduras, são riquíssimas em betacaroteno, precursor da vitamina A. Além disso, são pouco calóricas, têm fibras, minerais e vão bem em pratos doces e salgados. A planta oferece como alimento não só o fruto, mas também as sementes, que são salgadas, torradas e comidas como aperitivos; as flores e a cambuquira (folhas novas, brotos e gavinhas), usada em refogados ou sopas. A casca de todas elas são comestíveis e, em algumas variedades, como a cabochá, é ainda mais gostosa.


O difícil é encontrar uma cuscuzeira deste tamanho... Está é bem grande.
Cozinhando no vapor: para fazer abóbora recheada com camarão ou carne-seca já recorri a várias formas para pré-cozinhar o legume. No forno, na panela, no microondas. Só recentemente descobri que a maneira mais rápida de se cozinhar a abóbora inteira e uniformemente é no vapor. Colocada na parte de cima de uma cuscuzeira grande, com tampa, estará cozida em cerca de 30 minutos (ante 1 hora no forno). Em cubos, para qualquer fim, é ainda mais rápido. E conserva mais o sabor e valor nutritivo pois não perde nada para a água.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Geleia de tangerina e de toranja


De toranja, a vermelha, e de tangerina, a amarela.

No domingo o Marcos chegou aqui com uma sacola de tangerina que comprou no sacolão do Seu Emílio, parecida com a cravo que temos no sítio, cujo auge de produção se dá nos meses frios de maio e junho. Estava guardando na manga esta receita de geléia da minha mãe para quando chegasse de novo a época delas por lá. Mas, como nas metrópoles perdemos, infelizmente, a noção da safra das coisas, já que elas vêm de todo canto; e como este blog é lido por brasileiros e portugueses paises afora (pelo menos é o que mostram os acessos), sempre haverá algum tipo de tangerina no mercado em algum lugar do mundo. Assim, dou agora a receita que faz o maior sucesso e ainda rende uns trocados a Dona Olga.

Geleia de tangerina
1,5 kg de tangerina cravo, carioquinha, murcote ou qualquer outra
12 xícaras de água
6,5 xícaras de açúcar
Todas as cascas e sementes e um pouco do bagaço

Lave bem com bucha ou pano limpo as tangerinas. Corte ao meio e esprema o suco. Faça uma trouxinha de pano com todas as sementes e umas 3 colheres (sopa) do bagaço. Amarre bem e coloque numa panela com a água e o suco. Corte em tirinhas todas as cascas das tangerinas, dê uma lavada em água fria, escorra bem e coloque na panela. Ferva até o volume reduzir pela metade (para saber, meça com um palito, faça uma marca e acompanhe até chegar na metade da marca). Tire a trouxinha, espremendo bem. Junte, então, o açúcar e deixe cozinhar por mais ou menos 1 hora ou até chegar no ponto de geléia. Coloque em vidros fervidos e secos, feche bem e guarde na geladeira.

Para saber o ponto de geleia
Levante a geleia com uma colher de pau, a última gota deve ser grossa e demorar a cair;
tire um pouco, coloque num pires, deixe esfriar e empurre a superfície com o dedo – deve formar ondinhas;
apóie uma tigela pequena de inox sobre uma bacia de gelo e coloque um pouco da mistura sobre ela – veja se está com consistência de geleia.
A geleia quente é molenga e, quando fria, é gelatinosa. Se tiver dúvidas, desligue o fogo, coloque um pouco num copo e deixe na geladeira. Se ainda tiver mole depois de gelada é porque precisa de mais um tempo de fogo.

Geleia de toranja

3 xícaras de polpa (só os gominhos) de toranja
1 xícara de açúcar
3 cravos (opcional)

Esprema ligeiramente os gominhos de toranja, junte o açúcar e o cravo, se for usar, e leve ao fogo, mexendo sempre, até o açúcar dissolver e formar um doce cremoso (aqui não vale o ponto de geléia porque tem muita fibra).
O resultado é maravilhoso – para quem gosta de coisas amargas. Além da cor linda e do perfume cítrico muito acentuado, o sabor entre o amargo e o doce fica ótimo com pão neutro, queijos ou com carnes defumadas (neste caso, pode misturar umas rodelinhas de pimenta).
Veja também aqui no Come-se
Fartura de cítricos
Compota de toranja

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Jambu (awere-pepe, ewerepèpè ou éurepepe) em São Paulo


Os ramos novos, com folhas e flores, nasceram na água, onde coloquei só os galhos.

Já disse aqui que gosto de entrar em qualquer loja, sem amarras ou preconceitos, mesmo quando o assunto não me diga respeito. Sempre acabo achando alguma coisa de meu interesse, geralmente ligada ao ato de comer. Pena que nem todos os vendedores tenham a paciência que compradores como eu merecem. Mas não desisto.
Há mais ou menos um ano descobri no Mercado da Lapa uma banca de ervas para males e simpatias, banhos de Umbanda e oferendas de Candomblé. Fiquei perguntando para quê servia cada erva, qual era a preferida de tal orixá e tal. E antes que a mocinha me enxotasse com vassoura de guiné, entre tantas ervas de cheiro me deparei com uma de comer. Perguntei o nome e a emburradinha: oribepê. Fiz repetir, anotei. Perguntei se não era o jambu. Ela, sem paciência: oribepê! Como usa? Banho para Oxum. Para que serve? Para banho. Ah, e de onde vem? Vou lá saber. A despeito da coisa ruim, comprei, pois conheço jambu de longe e na cozinha sei pra que serve.
Quem nunca sentiu na língua aquele choque-tremelique da erva no tacacá ou no pato no tucupi, pelo menos já deve ter ouvido falar. A plantinha é a Spilanthes oleracea, também conhecida como agrião-do-brasil, agrião-do-norte, agrião-do-pará, jambuassu ou abecedária. É originária da América do Sul, embora haja relatos de cultivo também na Índia e na América Central. E a substância responsável por uma intrigante sensação de amortecimento e tremor na língua é o espilantol (a mesma usada pela Natura para o creme anti-rugas). O excesso de cocção ou fritura direta das folhas elimina este efeito, por isto as folhas devem ser aferventadas rapidamente ou consumidas cruas, em saladas. Muito rico em nutrientes, o jambu apresenta teores mais elevados de ferro e cálcio que o espinafre, parecido na textura macia das folhas.
Chegando em casa, coloquei logo os galhos com folhas murchas na água e vim correndo procurar no Google. Nada de oribepê, nem aproximações como uribebe, auripepê. Fui pela sonoridade até chegar awere-pepe, ewerepèpè e éurepepe. E também pimentinha d´água, o mesmo que jambu. Depois de alguns dias, os galhos, que adoram água, já estavam todos enraizados e com folhas novas. Aí foi só passar para a terra do quintal. Agora, com as primeiras chuvas da primavera, os jambus já começaram a ficar bem assanhados, com folhas graúdas e até flores. A próxima etapa é preparar o tucupi – fácil de fazer em casa. Para o tacacá é só um mais um passinho. Aguardem.

Agora, não me perguntem se já havia jambu na África antes de chegarem aqui os europeus; ou o que quer dizer, em iorubá, awere-pepe; nem sobre os mistérios das comidas de Santo, que eu também preciso aprender. Contribuições são sempre bem-vindas. Enquanto isso, axé!

Tucupi: sumo fermentado e temperado da mandioca.
Tacacá: espécie de sopa tomada em cuias, típica da região Norte, feita com o tucupi, um pouco do mingau de goma de mandioca, camarão seco e folhas de jambu.
Pato no tucupi: pato assado e cozido no tucupi com folhas de jambu.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Umeboshi


Aqui, prontinhas.

Aos poucos, vou cumprindo minhas muitas promessas feitas aqui no Come-se. Uma delas era dar a receita do umeboshi (ume é ameixa e boshi deve ser seca, desidratada), quando fosse época da fruta. Foi mais ou menos nesta época do ano que ganhei da Cris, uma amiga do Marcos, do aikido, uma caixa de umes. Meses antes tinha mencionado, para a mãe dela, dona Suyeka, minha intenção de aprender a fazer a conserva, uma de minhas paixões. Como ela é especialista no assunto, me prometeu dar sua receita e um pouco da fruta que planta no sítio quando estivesse no ponto. Pois em meados de outubro a Cris chegou aqui com uns 5 quilos das ameixinhas com o recado da mãe que era para eu começar o preparo já. Isto, para a conserva ficar pronta depois de uns 8 meses. E era domingo à noite. Meu Deus, o que vou fazer com tanto umeboshi? Quem mandou ser pidoncha? Vamos lá. A sorte é que duram anos (a acidez e o sal impedem qualquer outra forma de vida que não sejam algumas bacterias ácidos lácticas próprias da fermentação e que agem elas próprias como bactericidas de outras cepas patogênicas).

Elas são do tamanho de uma uva-itália. Quando maduras, continuam verdes - um pouco mais amareladas.

Receita de umeboshi
Lave bem as ameixas e seque-as com pano limpo. Coloque-as numa bacia com sal na proporção de 10% do seu peso. Apoie um peso por cima e deixe assim durante 3 dias. O sal vai desidratar as ameixas que ficarão imersas nesta salmoura formada com o próprio sumo – portanto, use uma bacia grande, com folga. Tire o peso, coloque as ameixas num vidro ou num pote de plástico com tampa e deixe em repouso em lugar longe da luz por 4 meses. Escorra as ameixas do caldo (não despreze) e deixe-as sob o sol durante 2 dias (recolhendo à noite). Devolva-as à salmoura e junte folhas preparadas de shisso (aquela folha de sabor mentolado, que dá a coloração avermelha às ameixas e ainda tem propriedades bactericidas e fungicidas). Para preparar as folhas: lave um tanto delas – eu coloquei umas 20 folhinhas, o que tinha plantado no quintal, tempere com sal a gosto e deixe de um dia para outro. Escorra, esprema bem as folhinhas e junte às ameixas. Logo depois, as umes já podem ser comidas, mas ficam muito melhores depois de mais uns 4 meses. Conserve em vidro tampado, na sombra.
Agora, depois de um ano, elas estão perfeitas. Assim que o vidro é aberto, vem um aroma maravilhoso de amêndoas amargas (da mesma família).

Use sal marinho grosso, se puder. Mas o refinado também serve.


Como peso, usei uma bacia com água e uma forma de pedra sabão. No outro dia, a salmoura havia extravasado e perdi parte dela - portanto, não faça como eu; deixe folga.

Sobre elas: estas ameixas, da família dos pêssegos, damascos, nectarinas e amêndoas, mesmo quando maduras, permanecem verdes e são sempre extremamente ácidas. Quanto mais verde, mais azeda e melhor para se fazer umeboshi. E é justamente esta acidez que lhe confere o poder alcalinizante. O excesso de acidez exerce um efeito rebote. Por isto é usado em azias, náuseas e para melhorar a digestão. Ou ainda para aliviar ressacas, afastar a fadiga e moleza (aqui o sal também tem o seu papel). O melhor é que é uma delícia, comida com gohan (arroz cateto branco à moda japonesa, sem sal), na tigelinha ou moldado como oniri – como a ameixinha no meio.
De lambuja, outra receita que dona Suyeka mandou.

Hatimitsu Ume

Lave as ameixas mais maduras (um pouco mais amarelada), seque e coloque-as num vidro. Cubra com mel e deixe na geladeira durante 6 meses. Na hora de servir, coloque num copo ¼ do mel de ume e o restante em água e gelo. A ume pode ser comida como compota. E o licor é como os de amêndoas.

O meu não deu muito certo porque eu não tinha mel suficiente para cobrir as ameixas e acabou mofando depois de uns dois meses. Mas a sorte é que ao longo do tempo, fui provando e era maravilhoso, como o mais fino licor de amêndoas.
Veja também aqui no Come-se:
Das flores à umeboshi

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Broinhas de fubá




Faz tempo que prometi dar à minha amiga Inês Correa a receita da broinha de fubá que lhe servi com chá no dia em esteve aqui. Faltou tempo de acertar a receita depois de tantas adaptações. E aqui está a versão final, ideal para este dia de chuva - e a Inês é daquelas fotógrafas que deliram com a paisagem molhada. Este tipo de pãozinho tem o mesmo sabor da enorme broa de padaria que comíamos no lanche da tarde com chá mate quando eu era criança. E era uma delícia, com a cozinha sempre reluzindo nos dias de faxina. Era o lanche reservado para as sextas-feiras. Nos outros dias, era um bolo caseiro ou pão francês. A receita original tirei de uma apostila com mais de 20 anos de uma vizinha que fez um curso no Sesi. Levava melhorador e gordura hidrogenada. Outra, de um curso que eu fiz, pedia melhorador e margarina. Mudei algumas coisas e colaboraram com a adaptação estes livros todos.


Broa de fubá

¼ de xícara de manteiga sem sal (50 g)
1 xícara de leite (240 ml)
3 tabletes de fermento biológico (45 g)
¾ de xícara de açúcar (135 g)
1 xícara de água morna (240 ml)
1 kg de farinha de trigo especial
300 g de fubá
1 colher (sopa) rasa de sal (15 g)
3 ovos
1 colher (sopa) de erva-doce
Leite (para banhar as broinhas)
Farinha e fubá em quantidades iguais (para polvilhar sobre as broinhas)
Modo de preparo
Derreta a manteiga com o leite, deixe amornar. Numa bacia, coloque o fermento, o açúcar e metade da água morna. Mexa até dissolver tudo. Junte a farinha, o fubá, os ovos e, aos poucos, o leite com a manteiga. Vá juntando o restante da água aos poucos, até conseguir um ponto em que consiga sovar com as mãos (talvez não use toda a água). Passe a massa para uma superfície enfarinhada e sove bastante até ficar uma massa lisa. Junte o sal e a erva-doce e sove mais até incorporar bem estes ingredientes. Cubra com pano e deixe crescer até dobrar de volume. Divida a massa em porções de 50 gramas, faça bolinhas e coloque em forma untada e enfarinhada deixando espaço entre elas. Pincele leite e polvilhe com farinha e fubá. Faça em cima um corte em cruz. Deixe descansar por mais meia hora e leve para assar em forno preaquecido a 180 ºC, por cerca de meia hora ou até dourar.
Rende: cerca de 40 broinhas

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Oveira, uma ova. Iguaria.


A franguinha é ligeira, saudável, mas não tem vocação para os ovos. Quando os botam, são pequenos, chinfrinzinhos. E, quando chocam, vêm uns pintinhos esmarridos, que viram frangos esgrovinhados a malhar e a comer como os outros, sem, no entanto, muito êxito no ganho de carne. Não tem jeito, é peso morto uma galinha assim, diz minha mãe. Vai pra panela. Ou seja, na roça, dá-se uma ajuda, em causa própria, à lei natural de Darwin – sobrevivam os melhores ou os que me fornecem o que quero. Quirera à toa não se gasta. Só por isto a pequena galinha virou galinhada, afinal não é comum sacrificar boas poedeiras. Aos temperos costumam ir os frangos.

O bom é que dentro de uma galinha minguta sempre há um oveiro (ou oveira) cheio de ovinhos que vão amadurecendo aos poucos a partir da gema. Pela raridade e sabor único destes ovos primordiais é que são considerados uma iguaria. Não se encontram para vender (pelo menos por aqui, não que eu saiba) nem rendem para toda a família (eu sempre chego primeiro). Dá para fazer muitos pratos com eles, mas no sítio cozinhamos no próprio molho da galinha, colocados no final no cozimento, junto com o fígado. É para comer de joelhos.



terça-feira, 23 de outubro de 2007

Oficina de chás aromáticos


Fotos: Marcos Nogueira
No domingo dei uma oficina de chás (infusões e não chá Camelia sinensis) com ervas aromáticas e especiarias no curso de Fitoterapia para médicos da Unifesp. Enquanto o Prof. Paulo Chanel ensinou fórmulas de tintura e creme com ervas medicinais, mostrei como fazer infusões e decoctos não só pelo valor terapêutico, mas pelo aspecto nutricional, lúdico e prazeroso destas bebidas, que podem substituir com vantagens sucos industrializados, refrigerantes, leites aromatizados e super doces (muitas vezes toma-se mais leite que o necessário e com ele ingere-se mais açúcar também), ou parte do cafezinho.
Estes chás aromáticos feitos com cascas, botões, frutos, folhas, raízes e flores que normalmente usamos na cozinha podem ser tomados no dia-a-dia, assim como consumimos os temperos. A quantidade de princípio ativo das plantas nos chás é muito pequeno, portanto seus efeitos colaterais, quando há, também o são. Porém, o consumo em pequena quantidade e de forma contínua das especiarias e ervas aromáticas, na forma de chás ou de temperos, ao longo do tempo têm um papel fundamental na dieta pois elas contêm substâncias benéficas que nos protegem de doenças e combatem os efeitos dos radicais livres, melhorando a resposta imune e combatendo infecções. Sem falar que algumas melhoram o ânimo, outras acalmam, facilitam, a digestão, só para citar algumas funções.

Se nos lembrarmos que a Natureza tem lá boa dose de razão em quase tudo, poderíamos pensar na seleção de plantas saborosas e/ou aromáticas como de uso diário (cebola, alho, tomilho, orégano, manjericão, erva-doce, camomila, canela, cravo, hibisco, capim-santo, melissa, mentas etc) e nas muito amargas e intragáveis para uso terapêutico específico (carqueja para males de garganta, por exemplo). Esta é uma forma de nos guiarmos mais ou menos segura.
Para a oficina levei várias folhas aromáticas do meu quintal e que podem combinar entre si para fazer bebidas quentes ou geladas - para tomar como refrigerante (sem corantes, conservantes, acidulantes, aromatizantes e outros antes). Podem ser adoçadas ou não. Gosto de usar diferentes tipos de mel, com sabores específicos (os de abelhas indígenas, sem ferrão, são levemente ácidos e ficam ótimos com especiarias). Levei ainda ingredientes com antocianina - o mesmo pigmento e antioxidante do vinho. Milhos roxos não têm sabor nem acidez, mas têm antocianinas. Já hibiscos e cascas de jabuticaba têm antocianinas e ainda conferem acidez agradável. O tom vermelho destes chás é encantador, principalmente para crianças.

Na chaleira, canto direito, o chá bem escuro (e escureceu ainda mais por causa da cestinha de metal que usei - o ideal é passar tudo numa peneira de plástico); na minha mão a mudança de cor, de baixo para cima, quando pinguei algumas gostas de limão.
Aqui o chá de milho roxo acidulado com a cor avivada
O ponto alto da oficina foi quando mostrei o chá de milho roxo (com cravo, canela e folha de tangerina) com tonalidade bem escura, quase azul, e pinguei umas gotas de limão. O chá muda de cor imediatamente quase como um medidor de PH. A Antocianina é vermelha em meio ácido e azulada em meio alcalino. Como o hibisco e a casca de jabuticaba já são ácidos, o vermelho é natural. Mas o milho é mais alcalino, sendo necessários o limão (ou pedaços de maçã verde) para avivar a cor.
Combinações: misture ao seu chá de ervas aromáticas de todo dia: cubinhos de maçã-verde; pedaços de pêssego; canela; cravo; anis estrelado, erva-doce, cardamomo; folhas de cítricos; flor de laranjeira; casca seca de laranja; limão ou tangerina (quando tiver produtos orgânicos, seque as cascas no sol e guarde em vidros).
Para melhorar a cor: hibiscos (fruto da vinagreira e não o hibisco ornamental), cascas secas de uvas escuras e jabuticabas (orgânicas e lavadas, sem a polpa, também secas ao sol). Estes chás podem ser usados para fazer gelatinas, sagus e "vinhos quentes" sem alcool com gengibre, cravo, canela e maçã.

Sachês de chás aromáticos: muitas vezes a cor e o aroma são conseguidos à base de corantes e aromatizantes artificiais. Leia sempre o rótulo e dê preferência à erva sem sachês, pois estes usam papéis branqueados que podem comprometer o sabor do seu chá. O melhor mesmo é fazer sua própria mistura (e ainda economiza papel).

Tempo: frutos e sementes duras devem ser fervidos na água por cerca de 10 minutos. Folhas frescas devem ser colocadas na água fervente, com o fogo desligado, e deixadas em infusão por 10 minutos, com a chaleira tampada.
Infusão ou decocção com leite: em vez de perfumar a água, use leite que será usado para sobremesas ou mingaus. Cardamomo, anis-estrelado, casca de tangerina, folhas de manjericão cheiro-de-anis, capim-santo, hortelã ou melissa são boas opções.

Recipiente: use de preferência chaleira de material inerte como vidro, porcelana ou ágata. Depois de pronto, conserve o chá em vidros tampados, na geladeira, por até 2 dias.

Para crianças: gelado, o chá pode ser levado no lanche de escolares. Em vez de suco industrializado super doce ou light, uma fruta. Para beber, chá adoçado com um pouco de mel. Assim, além de oferecer à criança um alimento saudável e protetor, livre de todos os "antes" dos industrializados, dá para ir educando o paladar dos pequenos para um sabor menos doce.

Veja também postagens anteriores do Come-se:
Refresco e chá de jabuticaba
Plantas, colher, comer

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

E a canjiquinha?


Canjiquinha com pernil e taioba

De Bárbaras Eliodoras já bastam as que pipocam no eixo Rio-São Paulo. Portanto, limito-me à canjiquinha. E, claro, alguns elogios à peça Um Boêmio no Céu (direção de Amir Haddad), que estreou no Sesc Vila Mariana na sexta-feira. Afinal, nem o mais embrutecido dos homens consegue ficar indiferente às engraçadas malandragens confessadas a São Pedro pelo boêmio de alma Malasarte (José Mayer), recém-chegado ao céu. E também porque o lindo anjo em corpo de índia é vivido pela minha amiga Kátia Brito (índia perfeita, descendente de marajoaras) que, apesar da pouca fala, tem presença marcante do começo ao final do espetáculo.
Mas não fosse pela canjiquinha não estaria falando da peça aqui, que não é o meu papel. Há um mês já tinha visto no Rio, no último dia, com casa cheia. A canjiquinha não me chamou tanto a atenção, já que tudo era para mim a excitação da surpresa: o delicioso texto inédito do nosso poeta do sertão nordestino, Catullo da Paixão Cearense (1863-1946), ele próprio um trovador boêmio e extravagante. E o José Mayer cantando e tocando, e muito bem, quem poderia imaginar? Agora, na estréia em São Paulo, prestando mais atenção, impressiona a atualidade. À primeira vista os diálogos soam até como uma adaptação à época atual, mas não. O roteiro é fiel e cai, aqui e agora, como uma profecia, já que o texto tem mais de 60 anos. E, o melhor: é engraçadíssimo. (numa semana em que vi na 31ª mostra de cinema tantos filmes de chorar – não de ruins, mas de tristes mesmo, foi um alívio poder chorar de rir).
Pois bem, falo da canjiquinha. É isto que me interessa aqui, principalmente porque ando na fase de resgatar pratos brasileiros esquecidos ou desconhecidos (aliás, a mulher do Zé, a Vera Fajardo, também resgatou este texto do Catullo, nunca antes encenado). É que em certa altura do texto, entre os prazeres da vida mundana, o Boêmio lista as delícias servidas na festa de São Pedro: ".. os doces, a vinhaça, o leitãozinho com a farofa amarela bem tostada, tendo na boca um túmido limão. E a batata assada na fogueira, a cana assada, a tenra macaxeira, o bolo de São João, o sarrabulho e a panelada. E a canjiquinha? (pergunta São Pedro, vivido por Antonio Pedro Borges). Doce e perfumada preparada por velhas e matronas. E o gostoso e mimoso arroz de forno estrelada de belas azeitonas....”

Certamente a canjiquinha citada é o prato que conhecemos no sul e sudeste como curau ou mingau de milho verde que, na região nordeste, ainda leva coco. Nada a ver com a nossa canjica – milho sem pele e sem o gérmen, branco ou amarelo – ou com a canjiquinha ou quirera - o milho sem pele ou germe, quebrado em pedacinhos como grãos de trigo de quibe. Mesmo assim foi esta canjiquinha salgada que fiz para minha amiga Kátia no almoço de sábado. Com costelinha e ora-pro-nobis refogada. E uma caipirinha de uvaia, que ninguém é de ferro.
Como não tirei foto no dia ou sequer medi ingredientes, refiz hoje o prato no almoço para registrar tudo direito e fotografar. Com pernil em vez que costelinha; e taioba, em vez de ora-pro-nobis. Mas, tanto faz. Mudo sempre, vão se acostumando. Não respeito nem minhas próprias criações. Aliás, que criação? é conhecimento ancestral refogar e cozinhar as coisas, botando nelas algum alho e pimenta. Foi o que fiz. Mineiros gostam de canjiquinha molhada, com a costelinha junto. Eu gosto assim, feito arroz, com a costelinha à parte. Às vezes cozinho até na máquina de arroz, na proporção de 1 parte de canjiquinha, para 2 de água. Mais sal, cebola e manteiga. É uma alternativa ao arroz de todo dia. E também vai bem com feijão, frango com quiabo, carne ensopada.
Outros pratos citados
Sarrabulho: é o mesmo que Sarapatéu: picadinho de vísceras e de sangue talhado.
Panelada: cozido de mocotó e vísceras.
Cana assada: era servida também no São João baiano. Parece que sumiu, pois minha amiga baiana e consultora para assuntos nordestinos Silvia Lopez, sua mãe Dona Solange e sua empregada do interior, desconhecem tal iguaria. Assim como a amiga de São Luiz do Maranhão, Márcia Manir, que também ignora. Fiquei curiosa para saber se ainda existe e como é feita. Se alguém souber, por favor me fale. Se não, vou testar no sítio no próximo feriado do jeito que achar melhor: rodelas finas embrulhadas em folhas de bananeira, assadas na brasa.

Cajiquinha ou quirerinha
Ingredientes
2 colheres (sopa) de banha de porco (ou azeite, se a culpa o atormenta)
3 dentes de alho bem picado
Meia cebola bem picadinha
Meio pimentão verde picadinho
Meio pimentão verde picadinho
2 xícaras de quirerinha lavada (ou canjiquinha, milho quebrado)
2 colheres (chá) rasas de sal
4 xícaras de água quente
Modo de preparo: numa panela de barro ou de ferro, aqueça a banha e frite nela o alho e a cebola até dourar. Junte os pimentões e refogue até murchar um pouco. Adicione a quirerinha e refogue com o o sal. Coloque a água quente e abaixe o fogo assim que começar a ferver. Tampe a panela e cozinhe em fogo baixo por cerca de 30 minutos ou até que a água seque e a canjiquinha esteja cozida e macia. Deve ficar com consistência de um risoto cremoso.
Rende: 6 porções
Para a costelinha
Ingredientes
2 kg de costelinha de porco
5 dentes de alho socados com 1 colher (sopa) de sal e 2 pimentas dedo-de-moça sem sementes e suco de 1 limão.
3 xícaras de água
Modo de preparo: misture todos os ingredientes, incluindo a água, e deixe numa tigela para pegar gosto, por mais ou menos 3 horas. Coloque tudo numa panela e deixe cozinhar até a água secar. Deverá formar no fundo da panela uma camada de gordura, que deverá ser suficiente para dourar a carne. Deixe dourar, salpique alguma erva por cima (alecrim ou cebolinha, por exemplo) e sirva com a quirerinha e alguma verdura refogada.
Rende: 6 porções
Nota: esta forma de cozinhar carne de porco aprendi com uma mineira e dá muito certo porque, enquanto a carne cozinha, um pouco de sua gordura derrete e serve para dourar a carne quando ela já está bem macia. Se precisar, é só ir juntando mais água quente, aos poucos. Hoje estava com pressa e fiz pedaços de pernil na panela de pressão, do mesmo jeito, só que com menos água. Foi rapidinho.
Ora-pro-nobis ou taioba refogada para acompanhar
As folhas inteiras de ora-pro-nobis, refoguei-as no azeite com alho e sal.
As de taioba, piquei-as e passei em água fervente salgada por 1 minuto (tem ácido oxálico e pode picar um pouco se não fizer isto) antes de refogar no azeite com alho. Simples assim.


Tenra macaxeira (mandioca aqui no Sul e Sudeste), descascada e cozida na feira do Ceagesp

Batatas-doces assadas na fogueira, com amendoins torrados, de Fartura
Serviço
Um Boêmio no Céu
Teatro Sesc Vila Mariana
Rua Pelotas, 141. Telefone: 5080-3000.
De 19/10 a 18/11. Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 18h
De R$ 7,50 a R$ 30,00

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Assado de panela com mandioca da Dona Olga



Como disse ontem, esta semana comi a la gordaça a comidinha da mãe que, a este momento, já retorna a Fartura com saudade das galinhas. Nunca tinha feito esta carne de panela que a gente sempre come no sítio. Mas agora acho que aprendi. Mandioca tem de monte por lá e, diferente das batatas que, se não comidas imediatamente, ficam com gosto de marmita, elas não só se mantêm inalteradas por 2 ou até 3 dias, como ainda congelam muito bem. Tenho montes de mandiocas já cozidas no freezer – para sopas, purês, bolinhos ou para acompanhar carnes como nesta receita. E a carne tem que ser braço para ficar boa - é uma carne barata, mas muito saborosa e razoavelmente magra - com algum colágeno interno que a deixa macia e capa fina de gordura, que a deixa crocante por fora. Ai vai:

Aqui, temperada, na panela para dourar. O óleo não deve ser preaquecido.
Assado de panela com mandiocas da Dona Olga
Ingredientes
1 pedaço com cerca de 1,5 kg de braço (parte do acém)
1 colher (sopa) rasa de sal
5 dentes de alho picados em cubinhos
5 pimentas cumari (ou outra ardida)
2 colheres (sopa) de óleo
1 kg de mandioca em pedaços cozida em água salgada

Modo de preparo
Algumas horas antes do preparo ou no dia anterior, fure a carne com a ponta de uma faca e espalhe sobre ela o sal, com o alho e a pimenta. Deixe na geladeira, dentro de um saco plástico coladinho à carne (para que o tempero não se disperse). Coloque numa panela de pressão o óleo e a carne (é importante colocar a carne sobre o óleo frio para ela não encolher, ensina Dona Olga). Leve ao fogo alto e deixe dourar de todos os lados. Junte 2 xícaras de água fervente, tampe a panela e deixe cozinhar em fogo baixo por 20 minutos (depois que a válvula começou a chiar). Desligue o fogo e abra a panela quando já não tiver mais pressão. Veja se a carne está cozida. Do contrário, cozinhe mais um pouco, juntando água fervente se a panela estiver seca. Se a carne já está molinha, deixe secar todo o caldo e vá virando a peça sobre o óleo que ela soltou, até ficar bem douradinha. Tire a carne, passe para uma travessa e junte as mandiocas cozidas à panela. Chacoalhe com cuidado para que fiquem impregnadas com a gordura. Sirva carne com as mandiocas - se quiser, polvilhe salsinha bem picada sobre elas.

Rendimento: 6 a 8 porções

Depois de cozida, tem que deixar dourar mais.