terça-feira, 26 de março de 2013

Sementes de leucena ou guaje. Comem-se

Pois é, muita gente achou que eram sementes de abóboras as pepitas verdes na foto da charada no último post. São sementes de leucena. Realmente são parecidas no tamanho e no formato, mas não no sabor.

Esta foi uma das mais felizes descobertas dos últimos dias.  Gosto muito de comida mexicana, embora nunca tenha estado no México – ainda, e fico entusiasmada quando descubro que temos aqui negligenciados os ingredientes apreciados naquele país.  É o caso dos nopales, da flor de babosa, do huitlacocle,  da flor de iuca, só para citar alguns.  E, agora, o time está completo com as sementes de leucena ou guajes, como são conhecidas por lá.  Aliás, podemos adotar o mesmo nome, guaje, por que não. Deixemos leucena para a praga exótica ou  nutrição animal e guaje,  para a iguari que é. 
Sim, a leucena é tida como espécie exótica daninha. Apesar de ser ótima fonte proteica para o gado,  coloca em risco nossa flora. Mas as árvores aqui estão e não sendo possível exterminá-las, o negócio é não deixar as vagens amadurecerem, impedindo uma proliferação descontrolada.  Para isto, não há melhor solução, que comê-las antes que germinem. É um ótimo controle biológico.
Até pouco tempo atrás eu nada sabia sobre estas sementes e só ouvia falar de leucena quando o assunto era nutrição animal. Sequer imaginava a cara da árvore.  Mas o amigo e leitor Guilherme Ranieri, antes de se mandar para Irlanda, me mandou um email perguntando se eu sabia que as sementes são comestíveis. Não sabia, mas fui procurar saber através dos links que me mandou, de outras pesquisas e também com a colega mexicana Carmen Mendoza, que tem um ótimo blog de comida e ingredientes regionais, escrito com talento e precisão (www.saboreartentusiasma.blogspot).  
Leucaena leucocephala - flor como uma cabecinha branca  
Descobri que a planta-  Leucaena leucocephala - é originária do sul do México e pode ser encontrada mais abundantemente nos estados do Sul, como Guerrero, Morelos, Chiapas e Oaxaca. Por sinal, o nome guaje ou huaje foi inspiração para nomear  o  estado de Oaxaca (pronuncia-se Oarraca ou guarraka), que deriva do nahuatl Huaxyacac, que quer dizer  “no nariz dos guajes”. Do México veio para a América Central e do Sul. 
Carmen Mendoza tem um post a respeito http://saboreartentusiasma.blogspot.mx/2012/03/no-me-hago-guaje-con-los-guajes.html e mostra outra espécie que também é chamada de guaje, para que não se confundam as duas coisas. A outra é o que conhecemos por cabaça.  Ela vive no estado de Morelos e me conta que lá se comem as sementes frescas e também as secas. Em seu post a respeito, dá receita de um mole de guaje ou guaxmole (huasmole, huaxmole, guaxmoles o moles de guaje), um guisado feito com as sementes de guaje  - também conhecidas como cacalas, huaxin, gauxi, hausi ou cascalhuite, tomates, cebolas e carne de porco. As sementes são comestíveis em qualquer estágio. Podem ser cruas, cozidas, secas ou tostadas e a finalidade é dar consistência a guisados ou molhos.  As sementes secas, trituradas, podem ser adicionadas a tortilhas, para enriquecer.

As vagens podem ser verdes ou avermelhadas

Basta destacar uma banda da vagem e tirar as sementes

O ideal é colher as vagens marcadas com sementes graúdas

As sementes secas podem ser trituradas e usadas como
farinha

Bem, você pode me perguntar: sendo a leucena uma fabácea que, como feijões e outros grãos podem ter fatores antinutricionais, será que nossas variedades são mesmo comestíveis?  Será que a domesticação no México não selecionou as mais apropriadas para alimentação? Não terão as nossas alguma toxicidade? Resposta: não sei.  Nem postei nada ontem porque fiquei pesquisando e não encontrei nenhum trabalho brasileiro que indicasse o uso seguro da leucena na alimentação humana, mas também não encontrei nada que a desabonasse como tal (o que não significa a absolvição). Mas encontrei indicações do uso como alimento – certamente por influência do uso mexicano.  Se era pra ter alguma intoxicação aguda, eu já estaria com pé na cova, pois desde que descobri que tenho uma árvore produtora de vagens no nosso sítio, já comi várias. Agora, se a coisa é crônica, daqui a alguns anos saberemos.  Na maioria das vezes, comi crua, direto da vagem, como pode ser aprendido aqui neste vídeo.

De qualquer forma, o ideal é consumir cozida, como qualquer outra leguminosa (fabácea). E fica a dica para pesquisadores de nutrição:  o potencial alimentício das sementes de leucena. A árvore se dá bem em clima árido (embora Piracaia não seja quente ou árido) e poderia ser uma alternativa alimentar, rica em proteínas, para populações com  risco de desnutrição.  E se esta pesquisa já foi feita, desculpe. Se alguém tiver referências, é só mandar.




Enquanto isto, podemos ir nos divertindo com as vagens perdidas pelos nossos campos. Os americanos já estão fazendo a festa com estas vagens que, recentemente, descobriram nos mercados de produtos latinoamericanos. E logo a veremos nos pratos de chefs por aqui. E nós não precisamos nem ir aos mercados, elas estão fartas entre a paisagem, como verdadeiros mata-pastos. Nas ruas de São Paulo deve haver. Só não saia por aí comendo sementes cruas sem ter certeza da correta identidade da planta. Consulte guias pelo nome científico, tire fotos, compare, certifique-se com quem conhece.

Ah, sim, não falei nada do sabor, mas lembra um pouco alho e cebola. Uma mistura sutil dos dois, só o lado bom de cada um. Tem também um quê de shitake, especialmente no retrogosto (muito bom, diga-se).  Lembra ainda aquelas folhas de cipó de alho (aliás, acabei de ganhar uma muda do Edilson, do viveiro Ciprest, que tem agora pra vender). É um sabor de tempero, umami.  Bem, eu já comi muitas sementes cruas e usei em pratos cozidos, de vários modos, até no pão de abóbora. Prove você também e me conte o que achou. Veja aqui como usei: 


No bolinho de arroz e feijão no vapor, com camarão seco
No arroz, com pimentas
Como pesto, que temperou a abóbora 
Na massa do pão de abóbora 
Com abóbora e sementes de abóbora


Para saber mais: 

20 comentários:

Anônimo disse...

Neide, eu queria ser sua vizinha! Te visitaria todos os dias, coincidentemente, na hora das refeições. ;-)
Como vai o limoieiro? Como toda esta chuva, deve estar satisfeito, sim?
Beijo,
Daniela

Tânia Carlos disse...

Um comentário fora do tópico:
No meu aniversário, que foi mês passado, ganhei de presente um pé de Celosia caracas, popularmente conhecida como crista-de-galo. Aparentemente exótica demais para ser comestível, deixei a flor de enfeite, até descobrir (há pouco) que ela não apenas é comestível como é parente do amaranto e do espinafre.
Se te apetecer, sugiro um experimento com a celosia aqui no come-se.
Matéria: http://www.nwitimes.com/niche/get-healthy/healthy-living/herbal-healer-what-is-celosia/article_0bfb7f42-2526-5ec2-bb8b-59b69a332647.html
O Até o Talo, de Porto Alegre, falou dela aqui: http://www.facebook.com/photo.php?fbid=470003613071761&set=a.147717915300334.36623.139861666085959&type=1

Camila disse...

Nossa, que surpresa!!!! Aqui na minha cidade (Uberaba/MG) tem dela aos montes... até plantei aqui em casa, germina super fácil... mas ainda estão bebes as mudas! Bom saber, vou sair nas ruas pra fazer a feira e as receitas! Bjos!

Patricia Lieko disse...

Leucena em Goiás...só comida pra gado. E, embora seja comida pra gado, não é muito utilizada por aqui. Prefere-se o guandu. De qualquer modo, é uma sugestão que vou adotar assim que achar vagens nas arvoretas.

Luis Pereira disse...

Neste link tem uma pesquisa em inglês sobre o uso da leucena em alimentação (incluindo a humana) e cita o perigo da Mimosine, b-N-(3-hydroxy-4-pyridone)-a-amino propionic acid. Meu inglês não é tão bom mas pelo que pude entender deve-se ter cuidado e moderação no consumo.
http://archive.unu.edu/unupress/food/8F163e/8F163E08.htm

João Inácio disse...

Indo de encontro o que disse o Luís, o maior perigo é a mimosina, que ocorre se consumida por animais em grande quantidade e por longos períodos. Cavalos que se alimentam da leucena acabam perdendo seus pelos e emagrecem. Há pelo menos 17 espécies diferente de leucena, algumas de difícil diferenciação. Um dos problemas com a leucena é que duas espécies podem se auto-hibridar e não existem estudos sobre a toxicidade de árvores hibridadas (como ela é extremamente invasiva no Brasil é difícil saber se não existem muitas plantas híbridas). Uma das formas de se evitar a mimosina (reduz, mas não elimina) seria o cozimento por cerca de dez minutos. Nos anos 70, a FAO chegou a considerá-la como uma árvore miraculosa, por poder ser usada em alimentação animal e humana e pelo seu alto teor de proteínas. No entanto, peixes e gado alimentados com muita leucena (entre 30 e 40% do total da ração) cresciam pouco e se tornavam estéreis e, além de ser extremamente invasiva fora de seu habitat na América Central. Assim, a FAO acabou desestimulando seu uso.

O uso humano é difundido no Timor Leste, em partes da Indonésia e em partes das Filipinas. Em inglês, aqui e aqui:

http://pages.bangor.ac.uk/~afs101/iwpt/web-sp7.htm

http://books.google.com.br/books?id=CuARGRnPGKUC&pg=PA249&lpg=PA249&dq=Leucaena+leucocephala+human+food&source=bl&ots=JRepoOgMsF&sig=pfHDzlVRhn4DnRomDsu2fl8WxkM&hl=pt-BR&sa=X&ei=qk5SUaXTJfOn4AOK14CwBw&ved=0CJMBEOgBMAk#v=onepage&q=Leucaena%20leucocephala%20human%20food&f=false

http://pakjp.pk/articles/04092011042629.pdf

Aqui, um texto da FAO:

http://www.fao.org/ag/AGP/AGPC/doc/Publicat/Gutt-shel/x5556e06.htm

Bem, se levarmos em conta que comer carne ou ovos em excesso faz mal, acho que de vez um tanto de sementes de leucena não farão mal.

Quanto às celósias, sei que as perpétuas - que é um tipo de celósia cujo a flor é um pequeno globo - são comestíveis. São mais usadas como chá na Europa (são uma nova moda por lá e existem roteiros turísticos em que o ponto alto é a colheita das flores).

Mas é preciso usar aquelas perpétuas (cristas-de-galo) da nossa infância e não essas vendidas em supermercado, que são estéreis e cheias de agrotóxicos.

As sementes do amaranto (e do caruru) são tóxicas para os humanos quando cruas, mas basta usa-lás, junto às folhas e caules mais novos numa omelete (meu uso preferido de caruru e sementes!), por exemplo, que o risco se elimina. Então, presumo, as sementes da celósia tb não devem ser consumidas cruas. Enfim, material a ser pesquisado

Neide Rigo disse...

Daniela, o limoeiro só foi para o sítio neste último final de semana. Estávamos esperando as condições ideais (de caseiro). Mas já está com limõezinhos - os taitis. Quanto morar perto de mim, iria adorar ter uma vizinha como você, mas acho que iria se decepcionar um pouco.

Tania, eu já colhi umas sementinhas das minhas celósias, mas ainda não tenho volume. Para enfeitar pratos como a papoula são ótimas. Obrigada!

Camila, a vantagem é que elas frutificam rápido.

Patrícia, então fique de olho.

Luiz e João Inácio. Obrigadíssima pela contribuição. Eu tinha lido sobre a mimosina, mas o que se conclui é que o consumo com parcimonia, tudo bem. A mimosina pode bloquear as vias metabólicas de alguns aminoácidos. Por outro lado, temos vários alimentos consumidos no dia a dia que também tem fatores tóxicos e/ou antinutricionais - inhames, carás, feijões, soja, batatas, tomates, mandioca, amêndoas etc. No caso do gado, li que os nossos têm uma microflora que consegue degradar a mimosina (em alguns países isto não acontece, como mostra o artigo mandado pelo Luis). O artigo diz também que as sementes verdes tem metade da mimosina que as secas. E que o calor ou o cozimento em panela de ferro (e também a fermentação no caso do tempeh) podem diminuir o problema. Quanto a Fao ter propagado a leucena como alimento milagroso, é uma irresponsabilidade - como é o caso da soja, assim como acho irresponsável qualquer alarde sobre alimentos milagrosos nos meios de comunicação ou entre profissionais da saúde. Isto leva muita gente a consumir aquele alimento em exagero, como panaceia. O segredo é o equilíbrio, já que em maior ou menor grau a maioria dos alimentos tem seu lado b.

Agora, claro, falta um trabalho no Brasil com nossas raças de leucena e que avalie possíveis danos, determine quantidades seguras e formas de preparo ideais. Não é um trabalho experimental fácil, pois não dá pra submeter um grupo de pessoas a dieta exclusiva de um alimento potencialmente tóxico. E o que vale para o rato ou para o gado nem sempre vale para nós. Então, por enquanto, o que sabemos é que come-se, mas não tanto, assim como o espinafre.
Obrigada mais uma vez, Luiz e João Inácio pelos artigos. Aprendi muito com eles e recomendo aos leitores que quiserem se aprofundar no assunto.

Camila, só não coma muito!

Um abraço, n


João Inácio disse...

Pois é, Neide, pelo que li em outros artigos, foi por culpa da FAO que a leucena se tornou uma verdadeira praga nas Ilhas Marquesas, na Austrália, partes da África e no sul dos Estados Unidos.... Mas era aquela visão bem anos 70 de "alimentar o mundo", que transformou o RS num gigantesco campo de soja. Aliás, a soja agora está invadindo a Serra Gaúcha. Agricultores de Vacaria preferem plantá-la a cultivar maçãs.... É uma visão triste ver aqueles enormes campos com soja a perder de vista tomando conta dos Campos de Cima da Serra no RS.....

Moderação é a chave! E estudo, como tu mesma comprovaste não se acha quase nada em português sobre a leucena na alimentação humana.

Como tu bem falaste, vários alimentos têm substâncias anti-nutricionais, como o espinafre. Lembro que quando era criança minha mãe "socava" espinafre na gente, inclusive nas saladas... Só muito tempo depois, lá pelo final dos anos 80, é que começou a aparecer na TV que espinafre cru e em grandes quantidades podia ser a maior roubada rsrsrsrs

Ainda adoro espinafre, especialmente em bolinhos. Mas caruru é mais gostoso, sem dúvida!

Abração!

Neide Rigo disse...

João, pois é, este modelo já se mostrou errado. Ainda assim há quem acredite nele. Uma pena, né? Sorte que sabemos que caruru é bom. Um abraço e obrigada, N

Guilherme Ranieri disse...

Neide, que saudades de ver plantas com folhas! Por aqui em Dublin está tudo meio hibernando, meio congelado, é meio desolador!
Mas que gostoso, fico muito feliz com as receitas e com os pratos, fiquei morrendo de vontade desse bolinho, agora! Tenho várias coisas pra te contar, novidades, logo menos entro em contato!
Forte abraço, saudades,

Gui

Anônimo disse...

Neide,
td bem contigo?

No link abaixo vc acessará um material sobre ingredientes e receitas andinas divulgado pela FAO; talvez vc já o conheça, mas quando vi lembrei imediatamente deste post; se não o conhece ainda, espero que goste;

http://www.fao.org/fileadmin/templates/aiq2013/res/es/recetarioandino.pdf?utm_source=facebook&utm_medium=fbpost&utm_campaign=FAO+Facebook

beijos,
Ana

Neide Rigo disse...

Ana, que preciosidade. Obrigada! Adorei ver tanta receita com yuyo e chochos. Depois vou divulgar. Um abraço, N

Carmen disse...

Excelente Neide, me encantó tu originalidad en las recetas. Eso de molerlos como pesto, me gustaría probarlo y luego en pan, así le voy a hacer y te cuento como me fue.

Trataremos, tú por tu lado, y yo por el mío de darme mejores usos a a los olvidados guajes. Porque aquí con esa "mala fama" que produce gases la gente los ignora.

Anônimo disse...

muito interessante e curioso por apresentar um alto teor protéico, essa sua dica de pesquisa e fantástica, muito obrigada por dispensar o seu tempo para coisas úteis, parabéns.

Edilene Souza disse...

Olá achei super interesante seu blogue e esse poste sobre a leucena que aqui em nosso pais é usado somente para a alimentação animal, estou cursando faculdade de nutrição e quero fazer um trabalho sobre alimentos como esses que não são usados como alimento aqui mais em outros paises são consumidos normalmente, se você puder me ajudar com mais algumas dicas de alimentos como esse Por Favor! Desde já obrigado -Edilene Souza Email: favity@gmail.com

Marco Aurélio Vicente disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marco Aurélio Vicente disse...

Pela terceira vez preparo leucena maduras com garganta,não fez mal algum pelo contrario facilitou a digestão pois como a só na janta e o feijão preto no almoço.Goste pois ela é um feijão com azeite proprio pois crei que deve fazer muinto bem para a saúde,aqui em bangu rj tem muinto e interesante é que ela dar vages o ano todo e niguem a conhece ela!

Claudia disse...

Achei esta pesquisa interessante, que fala do teor proteico (com foco no uso para gado) e do plantio a quem se interessar. https://pt.slideshare.net/fabiogomes5245/uso-da-leucena-como-forrageira

Unknown disse...

Amigos, segundo pude ver nas fotos trata-se de Leucena Sculenta. A espécie mais comum no Brasil usada na alimentação de ruminantes e alguns outros animais, é Leucena Leucocephala. Cuidado. Adriano Reis

Unknown disse...

Favity
favor entrar em contato comigo
. Achei muito interessante. hkrogh@uol.com.br