sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Pães, padeiros, padarias

Baguetes da padaria PPG, Ilha do Pesqueiro - Soure, Marajó - PA
Trigo em excesso não é bom, mas o que seriam de nossas melhores lembranças sem ele?  Quando eu tinha quinze anos meus pais viajaram de férias para o sítio dos meus avós e pela primeira vez eu não pude ir junto porque já trabalhava. E não era época de férias escolares - eu estudava à noite. Estava triste, mas logo na primeira falha em casa alheia a recompensa viria, pois para não ficar sozinha me hospedei na casa de uma amiga. Chegamos da escola depois das onze e a surpresa. Ela morava na parte de cima de uma padaria. A surpresa foi o aroma que já invadia a rua assim que descemos do ônibus. Só então ela me contou que ali funcionava uma padaria e que os padeiros começavam a assar o pão no começo da noite, para o outro dia.  Em vez de subirmos a escada da sua casa, que saia da porta da rua, entramos pelo portão lateral que dava para os fundos da padaria já fechada para o público. Fiquei encantada e saímos de lá com um saco de pão francês quente de queimar os braços. Com todos da casa dormindo, abrimos o saco na cozinha que repousava já limpa da louça da janta. Passamos manteiga e comemos muito, tipo uns três pães cada uma. Fui dormir feliz, animada para a chegada da próxima noite,  até torcendo para que minha família não voltasse logo. E assim se repetiu durante cerca de uma semana que passei ali. Não sei quando engordei, mas me lembro que fiquei fortinha. Era o perfume do pão quente. Isto realmente me tira do sério até hoje. 


Os padeiros de Florença

Tive a mesma sorte em Florença, quando duas amigas e eu alugamos no escuro um apartamento que, apesar do calor, ficava em cima de uma padaria. E já contei esta história aqui

E acho que tive hoje estas lembranças porque o pão da semana não deu muito certo - quis testar aumentar a quantidade de polvilho junto ao trigo, mas acho que coloquei mais do que a massa suportava e saiu um pão duro e abiscoitado. Restam, portanto, as boas lembranças. 

Padaria PPG, no Marajó - o padeiro e o fotógrafo da Saveur
Padaria PPG - os pães
Padaria PPG - o cliente 
Lembrei também dos pães incríveis da Padaria Pequena e Grande lá no Marajó, cuja história contei lá na revista Saveur, abrigada numa casa de madeira de teto muito baixo que machuca a cabeça dos descuidados. Quando provei aquelas baguetes crocantes e deliciosas, com queijo marajoara, no café da manhã, lá na Fazenda São Jerônimo, me comprometi a acordar cedo no outro dia e ir comprar o pão com Seu Brito. E cumpri o acordo. Ainda dava pra sentir a brisa da manhã vinda do mar, que ficava a poucos metros da padaria, na Praia do Pesqueiro. Estava tudo em silêncio no vilarejo que ainda dormia. Da pequena padaria de nome PPG (Padaria Pequena Grande) vinha um bom aroma de pão quente. Achei que James Oseland, da Revista Saveur,  iria adorar aquela paisagem. Chegando à fazenda, o convenci de que deveríamos voltar para fotografar a padaria e o vilarejo. O proprietário Edvaldo Luiz Antonio Pereira é do Marajó, de uma praia ali perto. Ele me mostra, apontando com o dedo, o Areião, aonde só se chega de barco. Diz que aprendeu a trabalhar como padeiro na prática. Entrou como faxineiro, virou padeiro e depois foi gerente de uma grande padaria em Belém, quando era moço. Mas resolveu voltar a viver no sossego e já tem vinte e um anos que mora na região. Sem ambição e com a ajuda do filho, Deni, e do vizinho Luciano ou Tiquinho, está feliz com a fabricação de apenas dois tipos de pão em pequena quantidade – cerca de cento e setenta pães doces de massa fina e quinhentos salgados de massa grossa, como ele mesmo classifica. O salgado é uma baguete pequena e fina, de casca crocante, delicioso para se comer com manteiga ou queijo marajoara. Perguntei se ele tinha uma masseira e ele me mostrou as mãos. Aliás, ele conta todos os seus segredos para um pão de tanto sucesso: usar as mãos em vez de masseira, fazer a própria receita em vez das misturas prontas, como acontece nas grandes padarias e, finalmente, o mais importante é não ter pressa para assim poder usar pouco fermento. Sua receita leva apenas 15 gramas de levedura granulada para 20 kg de farinha, 3 colheres (sopa) de açúcar e 8 colheres (sopa) de sal. Amassa, modela e deixa crescendo a noite toda, no ritmo marajoara.


Padaria Santo Antônio - Uauá - BA

Xeba ou Cheba - Padaria Santo Antônio - Uauá - BA

Bicicleteiro entregador - Padaria Santo Antônio - Uauá - BA 

Padaria Santo Antônio - a família 
Em Uauá, sertão da Bahia, visitei duas padarias cujo modelo está entre esta do Marajó e as do Senegal que consiste simplesmente de um forno de barro coberto e um cocho de madeira para a massa, além de uma bancada à frente do forno que serve para deixar repousando ou os pães a crescer ou o padeiro a descansar. Como no Senegal, as padarias são tocadas pela família, que vendem no local e com o bicicleteiro que percorre o bairro. Na padaria Santo Antônio havia  não só o pão mas também a cheba (ou xeba?), que é a massa do pão aberta como pizza grossa e polvilhada de açúcar que sai do forno caramelizada. Deliciosa. 

Já no meu bairro há uma padaria que faz o melhor pão francês da região, mas o atendimento é tão ruim e a acolhida tão pouco gentil que nunca me interessei em me aproximar muito. Em vez de placa de boas vindas, avisos de é proibido, é ilegal, não pode entrar.


Padaria Dias - Uauá - Bahia
Padaria Dias - a família, herdeirinhos


Padaria Dias - o padeiro 
Padaria Dias - os clientes 

Em Uauá ou no Marajó, onde se fala português, padaria é padaria. Em Florença, é panetteria.  Em Paris ou no Senegal, com língua oficial francesa, padarias se chamam boulangeries. E, engraçado, aqui em São Paulo também... 



Boulangerie em Paris

Boulangerie no Senegal 

Boulangerie no Senegal -  a matéria prima e a masseira

James, padeiro francês, saindo de uma padaria senegalesa

Padeiros senegaleses 

Padeiros franceses com padeiros senegaleses 
James e Michel, padeiro francês, numa padaria senegalesa com seu padeiro
Padaria no meu bairro: proibido entrar sem camisa, proibido entrar de
capacete, proibido entrar animais, comprar de bicicleteiro é ilegal 

12 comentários:

Anônimo disse...

Hoje a noite tiro o fermento da geladeira e reformo o fermento. Uma parte volta pra geladeira amanhã cedo, e a outra (que fermentou a noite toda coberto com um pano de prato em cima da pia da cozinha) amasso amanhã cedinho o pão da semana. É massa simples. Dai cilindro bem e modelo os pães. Ficam crescendo o dia todo. A tardinha vão para o forno e teremos pão quentinho no lanche da tarde. Faço pão simples ou com recheio de torresmo, linguiça calabresa fritinha com cebola, cheiro verde e pimenta, ou, queijo, presunto e orégano. Com o mesmo fermento faço roscas doces com recheio de coco, nozes, passas, doce de abóbora, etc e muito leite condensado.
Acho que vc já conhece esse fermento Neide. Trouxemos a muda há quase 40 anos quando mudamos do Paraná, que por sua vez levamos de São Paulo quando fomos pra lá de mudança. Faço pão com mandioca, abóbora, batata baroa, inhame, etc na massa, mas dai uso fermento granulado. Um bom fim-de-semana. Bj. Joice Santini

Profª Doralice Araújo disse...

A sua postagem Pães, padeiros, padarias", não é apenas uma simples postagem; é muito mais. Ela dá amostra da criteriosa observação dos que realmente acompanham a vida atentamente. É narrativa estimulante e comovente; é descrição detalhada afeita aos encantos dos olhos narradores, também.

Divulgo o Come-se como uma referência, querida e competente blogueira - e, se um dia passar novamente por Curitiba, por favor, avise-me. Gostaria de estender os braços na sua direção e dizer com alegria: Oi, Neide Rigo, tudo bem?

Mariangela disse...

aqui na Catalunya chama Fleca ou Forn de Pa,porém....andamos sofrendo com o pão local,pouca variedade e no dia seguinte já dá para matar alguém caso seja utilizado como arma hahahaha,minha máquina está no Brasil,planejo comprar uma por aqui pois tá complicado.Lembro dos pães delícia de POA que preparava e por enquanto me viro com os daqui.Sei lá porque o pão aqui é tão ruinzinho..Beijo!

Neide Rigo disse...

Joice, obrigada pelo comentário. Poxa, tem o fermento há 40 anos? Sabe que dá pra fazer pão de mandioca etc, usando este mesmo fermento, né? Fica muito bom.

Doralice, obrigada pelas palavras elogiosas. Pode deixar que aviso quando for novamente a Curitiba - estou pra ir.

Mariângela, gostei de Fleca! E, você, por que não faz pão na bacia mesmo? Quando eu for aí, a gente faz.

Um abraço, N

Carol Guilen disse...

Neide, que delicia de post!!!, principalmente pra quem é fã de pão, como eu! Que bom que tenho uns pães de mandioquinha que meu marido fez, na noite da quinta, com a receita da minha mãe! Vou correndo matar a vontade! :)

maria luisa disse...

Olá Neide, tudo bem? Ande navegando à procura de uma solução caseira para uma enfermidade nas minhas rúculas e caí aqui através de uma foto das sua salada d rúcula.
Gostei da sua matéria sobre os pães. Não é incrível que qto mais "evoluímos" mais metidos à besta ficamos? Acho que quem faz pão e faz bem, tem um pedaço de céu aos pés. Já tentei de todas as formas fazer e não levo o menor jeito, nunca sai igual e nem sempre "comível" e olha que sou fã!! Aquela baguete da PPG me d água na boca!!
Sou artesã e tenho um blog onde posto um pouco do que sei e gosto de fazer, artesanato, jardinagem e culinária. Se te interessar veja o link http://marialuisaartesanato.blogspot.com.br/search/label/receitas das receitinhas que já postei. Humildes, diga-se de passagem. Se gostar, ficarei honrada com um comentário.
bj
Malu

Neide Rigo disse...

Carol, que sortuda você, hem?

Maria Luisa,parabéns pelo blog. E obrigada pela visita. Aqui no Come-se tem várias receitas de pães, todos muito fáceis de se fazer. Quem sabe não acerta num deles. Um abraço, N

Portal de blogs Teia disse...

Oi.
Gostei muito do seu blog,parabéns.
Sabia que agora tem um "Portal" só de blogs de qualidade,assim como o seu?
Isso mesmo,é o "Portal Teia",que divulga todo tipo de blog,não só os grandes.
Passa lá e pede uma divulgação,é grátis rápido e não precisa cadastro.
Até mais

Jussara disse...

Ri do "até torcendo pra que minha família não voltasse logo".
Realmente trigo em excesso não é bom, mas adoro um pão francês quentinho. Só que hj encontrar um pão francês razoável, que não tenha sido feito com massa pronta, é bem difícil, daí que acabo abrindo mão. Mas um pão quentinho com manteiga e chá mate me deixa contente e me lembra a infância. Podem até ser torradas feitas com pão amanhecido. Fiquei babando pelo pão da PPG (não pude deixar de rir quando li o significado da sigla).
Adorei a foto do padeiro mais novo só de camiseta e avental. :-D
Alugar um apartamento em cima de uma padaria, na Itália, deve ser uma perdição.
Quanto à padaria do seu bairro com o melhor pão mas atendimento ruim é uma pena. Eu não volto a lugares com atendimento ruim, mesmo que ofereçam a melhor comida do planeta. Acho um desaforo.

Naiara Romero disse...

Adorei o post! Além de muito interessante, fez salivar a boca e roncar a barriga. rs

Morri de vontade, mesmo! Pena que agora descobri que não posso mais comer amido... Não é nem glúten, é amido - ainda mais sofrido!

E meus cafés da manhã nunca mais foram tão gostosos =/ Ai ai

lena peres disse...

Bom dia Neide. Acordei em Atibaia querendo comer o pãozinho do Marajó e daí caí aqui. Vou tentar ver o que faço para uma receita pequena de 1 kg de trigo... muito obrigada. Meu Levain, ensinado por vc, completou um ano neste março. Muito obrigada.

Anônimo disse...

Sou de uauá e amava esses pães