sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Cozinhando com amigos

Em pouco tempo, a cozinha que era vazia ficou cheia de fritos, assados e cozidos, chiados, risadas, aromas, tuc tuc de pilão e tintins de taças.  Sexta feira passada foi corrida, pois tinha o aniversário da amiga Marly, para o qual me comprometi a fazer tortillas, mas também já tinha combinado desde o ano passado cozinhar neste dia com o Fernando, amigo do Aikido. Passei rapidinho na Marly, deixei uma sacola com massa de tortillas, prensa e pasta de pimenta.  Pablo e Lúcia, amigos do Projeto Acre, que já estão experts em tortillas se encarregariam do preparo.  E eu perdi já que não se pode estar em dois lugares ao mesmo tempo (não brinca!). Segui pra casa do Fernando que tem uma linda cozinha envidraçada no meio de um jardim floresta, como um aquário, isolada do resto da casa. Lá fora, chuva forte.  

De vez em quando os amigos do aikido do Marcos, que também são meus, fazem estes encontros para cozinhar e beber e todo mundo se diverte muito porque são pessoas muito diferentes nas profissões e no jeito de ser, mas que tem no tatame e na mesa afinidades soberanas que os fazem amigos para sempre. No grupo há aqueles que não cozinham nada, há o que goste de comer bem desde que não seja milho, quem entenda muito de vinhos, há quem estude cervejas, aquele que cozinhe super bem apesar de não usar sal, os que picam o que mandar, os que lavam louça e gente ousada como o Fernando que coloca sumac na massa de tamal e com quem eu adoro cozinhar, porque não tem medo de errar. 

Ivan ao fundo e Fernando com olhos vermelhos de comer pimenta 

De comum nestes encontros, tem o assunto recorrente "pimenta", que surge sempre quase que espontaneamente. O Ivan é um equatoriano forte como um touro mas de feições suaves e fala calma que em nada denuncia seu gosto e tolerância por pimentas. E diz que é café com leite perto do irmão. Em todo encontro ele repete a estória da façanha infantil que era distrair a mãe, aumentar o fogo do arroz, só pra criar casquinha no fundo da panela, que ele e os irmãos comiam com pimenta fresca esmagada, muita pimenta mesmo. Eu morro de vontade de fazer isto, mas sempre esqueço.  O mais divertido é ver o duelo entre Ivan, o imbatível e Fernando, o teimoso. Enquanto Ivan não se abala quando come bhut jolokias frescas como se fossem morangos, Fernando se esforça para chegar aos pés dele e neste intento faz de tudo, de morder pimentas frescas a beber o bombástico tucupi com pimenta-de-bode. Nisto, quase perde a pose com olhos vermelhos em lágrimas lhes saltando da cara, fazendo caretas e bocas e por fim aceitando com humildade sua inferioridade capsaicínica - no tatame ou na pimenta, ele tem por Ivan o maior respeito e admiração, dá gosto ver. Mesmo assim, Fernando não é pário para qualquer um, não.  Veja o que diz: "Para mim pimenta é como alongamento: existe um fator genético, e outro cultural (treino). Eu aprendi a gostar de pimenta por que meu pai e meu padrasto sempre comeram muito, e pior, meu padrasto colocava pimenta no meu aparelho quando eu era criança, de sacanagem... uma hora eu meio que acostumei. É engraçado que a escala (scoville) de ardor das pimenta é exponencial. Para as pessoas, no âmbito psicológico/gustativo, é meio binário: ninguém gosta mais ou menos de pimenta. Eu tenho um alongamento papilístico gustativístico, e treino. Posso entrar facilmente em competições com pessoas normais (com o povo da física, a gente sempre fazia, que começava com um tubo de wasabi por pessoa), mas com o Ivan é impossível. É genético e cultural. Minha mãe não me dava chupeta de habanero, mamadeira de capsaicina, pirulito de jalapeño.... infelizmente. Portanto, sem chance de chegar lá... ele está num nível superior." Fernando

Levei massa de tortillas que já preparei para os dois encontros e duas pastas de pimenta, uma delas com pimenta-biquinho, bem suave e outra poderosa, mas que não sobrou nada. Na esfera da normalidade, as pessoas deste grupo gostam muito de pimenta e devoram tudo o que há de apimentado.  Fernando teve a ideia dos tamales e eu estava crente que era um expert com quem iria aprender. De fato, ele já comeu muito, de todos os jeitos, em suas viagens ao México - como eu, adora provar de tudo nos lugares por onde anda. Mas de última hora tivemos que consultar o I-pad na cozinha para confirmar se o frango ia cru ou cozido na massa. Achei que devia ser já temperado e cozido, mas Fernando achava que não e já tinha enfiado as coxas na massa. Então tivemos que tirar o frango da massa de milho fresca, limpar, lavar, temperar e cozinhar. Diante do estranhamento de todos,  inventamos que a receita era assim, que antes de cozinhar, precisava deixar o frango ali marinando um pouco. Poderíamos manter a versão que ninguém iria desconfiar do nosso erro grosseiro. A outra versão de tamal foi feita com fubá de moinho de pedra do sítio da sua mãe e caldo caseiro. Embrulhamos na folha de bananeira e cozinhamos no vapor. As duas ficaram deliciosas e o sensei Eduardo, que não comia milho, polenta e que tais, se esbanjou. Agora já tenho a receita certa vinda da mexicana Lourdes Hernandez, a quem não tive coragem de contar das nossas tentativas. Aproveitei pra perguntar se tamal pode ser feito com invólucro de qualquer folha e a resposta foi sim, ufa. Com folha de bananeira ficou ótimo. Próximo encontro, a receita certa.  Abaixo, fotos minhas e de Fernando Goldenstein.



Fazendo tamales


Edu, psiquiatra, sabe temperar mas não usa sal - terapia pra explicar porque


Fernando e eu 

Em família: na foto, Raquel, casada com Daniel, aikidoista como o Marcos.
Um dia Daniel aparece em casa com a nova namorada. Quem era? A prima Raquel, filha do irmão da mãe.


  
Marcos, ou Doc como é conhecido, é o comunicador da turma e sempre faz um resuminho irônico, sem perdoar nem mesmo o Sensei Eduardo, que agora está preparado até para comer polenta:  
Enfim, desfez-se o encanto...A fama de mau está definitivamente quebrada. Maiz, choclo, corn, chame-o como quiser...O fato é que o nosso querido Sensei baixou a guarda e rendeu-se aos encantos do milho = comeu, repetiu e se lambuzou! Um novo mundo se abre para ele agora = pamonhas, curais, manjares, sorvetes, pães, as sempre maravilhosas polentas etc = o céu é o limite. Comida e bebida impecáveis! Companhias ótimas e a casa do Fernando, um capítulo à parte, é um encanto (quem não foi perdeu - jamais poderíamos acreditar que ele moraria mesmo numa choupana convencional como as nossas, reles mortais!) e a sua hospitalidade é sempre digna de um Lord = adoramos tudo! A disputa das pimentas foi impagável - o Fernando não aprende, mesmo - no boliche e nas pimentas o Ivan é imbatível, não dá para competir! Marcos


Elas ajudam bastante: Carol, Cristina e Raquel (eu, atrás)

6 comentários:

Angela Escritora disse...

AMEI tudo! as pessoas, o papo, o lugar!!! ah, sim, e as comidas também!

Anônimo disse...

Comida e amigos, é preciso muito pouco alem disso para ser feliz.
Bjs

Dricka disse...

desculpe esqueci de assinar o comentario acima

Alessandra - Arquiteta disse...

Neide,
Você é muito simpática!
A cozinha do Fê ficou ótima. Melhor ainda assim, cheia de amigos!
Ver o Fernando comer pimenta é mesmo impagável. Dizem que a pimenta “libera endorfinas, que permanecem um bom tempo no organismo, provocando uma sensação de bem-estar, uma euforia, um tipo de barato, um estado alterado de consciência muito agradável” e ainda que a pimenta faz muito bem à saúde, ao contrário do que muitos pensam. Eu nunca gostei de pimenta, mas diante dessa “nova descoberta” estou tentando criar coragem para experimentar algumas... Beijos! Alessandra.

Ignacio Albornoz disse...

Boa noite a todos! Gostamos muito do blog e do espirito de vocês. Gostariamos saber se podemos pedir emprestada uma de suas fotos para postar um par de dias no nosso perfil de Facebook. Achamos ela muito linda e autêntica.

Nós somos Comidistas, um serviço que está por ser lançado nos próximos dias.

Muito Obrigado!

Equipe Comidistas

www.comidistas.com.br
facebook/comidistas
comidistas.tumblr.com

Neide Rigo disse...

Oi, Ignácio, obrigada. Mas me diga a foto que quer, pois há amigos na foto. Um abraço, N